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A ausência de reação por parte dos chefes dos Poderes e dirigentes de órgãos de controle, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), diante de episódios controversos envolvendo ministros do Supremo Tribunal Federal evidencia, no mínimo, a naturalização de condutas irregulares.
O ministro Dias Toffoli avocou para si a investigação sobre o Banco Master e impôs sigilo absoluto ao processo, impedindo que imprensa e cidadãos tenham acesso a qualquer informação sobre o caso. A polêmica ganhou força após vir à tona a informação que o ministro viajou, em um jato particular, ao lado do advogado de um dos investigados. O itinerário tinha como destino Lima, capital do Peru, para assistir à final da Libertadores.
Outro movimento suspeito de Toffoli foi a retirada de dados da quebra de sigilo de Daniel Vorcaro, dono do banco, da CPMI do INSS. Segundo o senador Carlos Viana (Podemos-MG), presidente da comissão, o ministro determinou que as informações enviadas ao colegiado fossem recolhidas e armazenadas apenas na Presidência do Senado.
O ministro Alexandre de Moraes também aparece em situação altamente suspeita com relação à instituição financeira. De acordo com o Jornal O Globo, o escritório de advocacia da esposa de Moraes firmou um contrato com o Banco Master no valor de R$ 129 milhões. O acordo previa serviço de assessoria e consultoria jurídicas com pagamento mensal de R$ 3,6 milhões até 2027, independentemente dos resultados obtidos pelo escritório de Viviane Barci de Moraes.
Apesar da sequência de condutas questionáveis por parte de ministros do STF, figuras importantes – como os presidentes Lula; Davi Alcolumbre (União-AP), do Senado; e Hugo Motta (Republicano-PB), da Câmara – permaneceram em silêncio, sem emitir qualquer posicionamento sobre o ocorrido. A OAB, entidade que se coloca como guardiã do Estado de Direito e que tem papel ativo na defesa de padrões éticos, especialmente de agentes do Direito como juízes e advogados, também não se manifestou.
Ausência de cobrança de esclarecimentos de ministros do STF é blindagem institucional
Para Sara Clem, mestre em Ciência Política e pesquisadora do Instituto Sivis, essa omissão releva um padrão de corporativismo. “O que vemos é que as autoridades têm evitado confrontos que possam desestabilizar acordos informais, fruto de alianças políticas. Presidentes do Legislativo e do Executivo se calam diante de fatos tão preocupantes, não necessariamente discordando das críticas, mas sem querer pagar o custo político de se posicionar, o que gera uma blindagem institucional”, analisa.
A especialista explica que esse comportamento é perigoso para a democracia. “Esse é um padrão perigoso que cria uma postura implícita de que determinadas autoridades estão acima do escrutínio público. Isso corrói a democracia e mina a confiança da população em relação às instituições democráticas”, complementa.
Autoridades não cobram transparência de condutas suspeitas
Em relação à postura do presidente da República, Clem defende que caberia a Lula proteger a credibilidade institucional do país. “O presidente Lula não é apenas um espectador neutro. Quando há suspeitas que afetam a confiança no sistema judiciário, no sistema financeiro e na própria democracia, espera-se que haja da parte do presidente uma defesa clara do interesse público”, avalia.
No Congresso, apenas alguns deputados e senadores questionaram, individualmente, os ministros do STF. O silêncio de Alcolumbre e Motta, no entanto, preocupa, pois são figuras que não falam apenas como parlamentares, mas como chefes institucionais do Poder Legislativo.
Bruno Coletto, doutor em Direito pela UFRGS e cientista político, destaca a importância do papel constitucional de fiscalização do Poder. “Constitucionalmente, além de legislar, é função do Legislativo fiscalizar os demais poderes. O Legislativo é o órgão naturalmente mais democrático e transparente, dada sua natureza colegiada e plural. Portanto, em casos graves como esses, deve agir”, destaca.
A interferência indevida do STF no trabalho da CPMI do INSS amplia a necessidade de contestação pública, já que a conduta de Toffoli fere a separação dos poderes e o princípio da publicidade. Amparada pela Constituição Federal, a publicidade garante a transparência de atos do Poder Público.
“Em uma república democrática, a publicidade, naturalmente, é a regra. A exceção, que é o sigilo, deve ser bem fundamentada e usada com extrema parcimônia. Casos de grande repercussão não se restringem apenas ao âmbito jurídico, mas afetam toda configuração da política no espaço público. Nesses contextos, a publicidade é ainda mais inerente”, afirma Coletto.
Diante do silêncio, papel da imprensa é fundamental para questionar incoerências
Com a omissão das autoridades na exigência de transparência, a sociedade civil, a imprensa e os cidadãos, tornam-se ainda mais fundamentais para o debate democrático.
“O objetivo da imprensa, mais do que noticiar fatos isolados, é justamente conectar pontos, contextualizar as relações de poder e questionar incoerências. Mesmo quando as autoridades não querem que isso apareça no noticiário”, explica Clem.
Clem ainda aponta como a liberdade de imprensa é fundamental em uma sociedade forte. “Essas investigações jornalísticas, muitas vezes, são o único mecanismo real de fiscalização, quando esses controles institucionais – de freio e contrapesos – não funcionam. A promoção e a defesa da liberdade de imprensa e de expressão são essenciais para o funcionamento da democracia”, conclui