Suprema Corte dos EUA começa hoje revisão do alcance do poder de Trump sobre agências independentes
Caso envolvendo demissão de integrante do FTC por Trump pode derrubar precedente de 90 anos e redefinir o papel do Executivo na estrutura regulatória
A Suprema Corte dos Estados Unidos analisa hoje um caso que pode alterar profundamente a relação entre o presidente e as chamadas agências independentes. O processo discute a legalidade da decisão do então presidente Donald Trump de demitir Rebecca Slaughter, integrante democrata do conselho do Federal Trade Commission (FTC), em março.
A situação se tornou ainda mais relevante porque Trump também removeu Alvaro Bedoya, outro conselheiro democrata, que chegou a contestar a medida, mas posteriormente desistiu da ação. Slaughter manteve seu processo, permitindo que o tema avançasse até chegar ao mais alto tribunal do país. As agências envolvidas nesse debate são parte do aparato regulatório dos EUA, criado pelo Congresso para fiscalizar setores estratégicos com autonomia técnica.
O FTC, foco central do caso, é responsável por combater práticas anticompetitivas, revisar fusões e aquisições, impedir monopólios, punir fraudes e proteger consumidores. A lógica por trás da existência dessas agências é justamente afastá-las de pressões políticas imediatas, permitindo que especialistas conduzam decisões com impacto econômico de longo prazo.
As figuras demitidas por Trump têm trajetórias de destaque nesse ambiente regulatório. Rebecca Slaughter, nomeada ainda no governo Obama, consolidou-se como uma das vozes mais firmes do FTC contra abusos de grandes empresas de tecnologia e práticas que, segundo ela, prejudicam a concorrência e o consumidor.
Alvaro Bedoya, pesquisador e ex-professor, também vinha ganhando espaço ao abordar temas como privacidade e vigilância digital. Ambos simbolizavam uma ala mais intervencionista da agência, frequentemente em desacordo com visões mais liberalizantes.
A decisão de Trump de removê-los ocorreu em um contexto de tensão crescente entre o Executivo e agências independentes. O ex-presidente sempre demonstrou desconforto com órgãos que, segundo sua avaliação, atuam com autonomia excessiva e podem travar a agenda econômica de um governo.
Para aliados de Trump, nenhum presidente deveria ser obrigado a manter conselhos dominados por membros que não compartilham suas diretrizes de política pública. Para críticos, a estabilidade dos mandatos serve justamente para blindar decisões técnicas de pressões partidárias.
Esse pano de fundo ajuda a explicar por que a disputa jurídica se intensificou. Slaughter argumenta que sua demissão violou proteções legais historicamente reconhecidas. Advogados de defesa sustentam que o presidente deve ter liberdade para estruturar equipes alinhadas a suas prioridades. O impasse gerou decisões contraditórias em cortes de apelação, obrigando a Suprema Corte a assumir o caso para uniformizar o entendimento.
A discussão não surge agora. Há precedentes importantes na história americana que moldam o debate atual. Em 1935, no caso Humphrey’s Executor v. United States, a Suprema Corte limitou o poder do presidente Franklin Roosevelt ao decidir que ele não podia remover livremente um comissário do FTC. Já em 1926, o caso Myers v. United States havia reconhecido prerrogativas amplas do Executivo para demitir funcionários.
Mais recentemente, em 2020, no caso Seila Law v. CFPB, a Corte validou a remoção de um diretor de outra agência independente, aumentando ainda mais as dúvidas sobre o alcance real desses limites.
Esse conjunto de decisões cria um mosaico jurídico complexo. Agora, o caso Slaughter v. Trump chega à Suprema Corte para esclarecer como essas doutrinas históricas se aplicam ao FTC e, mais amplamente, a toda a estrutura regulatória federal. O julgamento ocorre no momento em que a Corte também deve analisar outros processos que tratam do controle presidencial sobre órgãos reguladores, ampliando o impacto potencial desta decisão.
Independentemente do resultado, o caso promete reverberar em diferentes áreas do governo. Uma interpretação que amplie o poder presidencial pode facilitar mudanças rápidas em órgãos reguladores a cada ciclo eleitoral. Já uma decisão que reafirme a autonomia institucional dessas agências preservaria limites pensados para manter decisões técnicas longe de disputas políticas diretas.
A Suprema Corte, mais uma vez, se vê diante de um julgamento capaz de redefinir o equilíbrio de forças dentro do governo americano pelos próximos anos.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.