Vasco x Corinthians: qual o melhor enredo na final da Copa do Brasil?
Cruzmaltino passou por Botafogo e Fluminense antes de encontrar um de seus maiores algozes na decisão; Timão volta ao Maracanã 25 anos depois com o mesmo uniforme
O que é enredo? No samba, é a história que a escola conta na avenida, por meio de seus componentes, alegorias, fantasias, puxador e outros elementos que Milton Cunha saberia explicar muito melhor do que eu. Em 1994, por exemplo, a Gaviões da Fiel levou ao sambódromo a história do tabaco, levantou o Anhembi e foi injustamente lesada no quesito letra do samba, ficando com o vice-campeonato. Eternizado nos corações corinthianos*, “A Saliva do Santo e o Veneno da Serpente” é cantado até hoje nas arquibancadas alvinegras. Os vascaínos não têm uma escola para chamar de sua — algo que a cultura carioca dificilmente permitiria —, mas a Unidos da Tijuca homenageou o Gigante da Colina em 1998, ano do centenário do clube. Hoje, a partir das 18h30, esses dois gigantes do futebol brasileiro defenderão em campo qual o melhor enredo da Copa do Brasil.
Sim, por mais que os torcedores-clientes de hoje em dia só pensem em colecionar troféus para ir às redes sociais e esfregá-los na cara de rivais que mal conhecem, a epopeia importa. A Libertadores do Grêmio de 2017 tem o mesmo peso que a do Atlético-MG, em 2013, mas não é o mesmo título. Um apresentou heróis como Grohe e Luan, é verdade, mas uma insossa final contra o Lanús. O outro? Viradas improváveis, a ressurreição de Ronaldinho Gaúcho e o pé salvador de Victor. Se competissem pelo Estandarte de Ouro, o Galo certamente levaria a melhor.
Nesta Copa do Brasil, mosqueteiros e cruzmaltinos capricharam. O enredo do Vasco é nota 10! Gigante adormecido, cuja história se confunde com a do futebol brasileiro, o clube carioca não celebra uma conquista nacional há 14 anos. De lá para cá, amargou três rebaixamentos e viu a festa de todos os rivais, sobretudo o maior deles. A fase iluminada do Flamengo deixa ainda mais enfermo o machucado torcedor vascaíno. O clube virou piada nacional. O respeito voltou? Que nada, até o Ibis se dá ao direito de caçoar de quem já teve em suas fileiras o Expresso da Vitória nos anos 1950.
A forra pode vir diante de um de seus maiores algozes. O Vasco é freguês do Corinthians desde 1930, quando o raçudo conjunto liderado por Del Debbio trouxe de São Januário o título de “campeão dos campeões”, que foi parar até no hino corinthiano. O Timão também tirou de seu rival carioca o Mundial de 2000 (que voltará à tona em breve neste texto), as Copas do Brasil de 1995 e 2009, o Brasileiro de 2011 e, para a tristeza de Diego Souza, lembrado mais uma vez devido a este confronto, a Libertadores de 2012.
Dar a volta olímpica no Maracanã lotado simbolizaria a redenção da apaixonada e sofrida torcida cruzmaltina. Que até saboreou raros momentos de alegria no Brasileiro — o maior deles um histórico 6 a 0 contra o Santos —, mesmo terminando a competição em um nada honroso 14º lugar. E que acreditou nos duelos contra Botafogo, nas quartas de final, e Fluminense, nas sêmis, rivais que atualmente navegam em águas mais tranquilas do que quem leva o nome do famoso almirante português. Contudo, o dinheiro da SAF botafoguense e a boa fase tricolor não foram páreos para Philippe Coutinho, Rayan e os demais comandados do ora amado, ora odiado Fernando Diniz.
Mas se o vascaíno quer falar em agruras, o que dirá o corinthiano, que fez do sofrimento parte indelével de sua identidade (até mesmo nos períodos de abonança)? Outra palavra inerente ao dicionário alvinegro é a superação, o que levou à idolatria jogadores como Basílio, Ezequiel, Jorge Henrique e Romero. Se campeão for, o Timão atropelará a matemática, que no ano passado dava menos de 0,004% de chance de a equipe conseguir se classificar para a Copa do Brasil deste ano via Brasileirão. Os estatísticos desprezavam a hipótese de Memphis Depay e Yuri Alberto brilharem em uma arrancada com nove vitórias consecutivas.
Além disso, sonha em terminar o ano com dois títulos, tendo em ambos superado o abastado maior rival, que gastou mais de R$ 700 milhões em contratações. Nada mal para quem, por uma surreal incompetência de seus dirigentes — os atuais e os antecessores —, só pôde contratar dois jogadores, o mediano Angileri e o habilidoso Vitinho, ambos reservas.
Na falta de dinheiro para investir, o jeito foi apostar no santo de casa, como fez a Gaviões da Fiel em 2019, ao reeditar o samba “A Saliva do Santo e o Veneno da Serpente”. Memphis brilhou contra Palmeiras e Cruzeiro, a despeito do aparente toque de mão à Lucas 2023, interpretado por alguns alvinegros como o sinal definitivo de que Dorival Júnior conquistará a Copa do Brasil pela quarta vez. Já Hugo, em uma espécie de passagem de bastão, superou Cássio na emblemática decisão por pênaltis contra a Raposa.
Porém, a parte do enredo que mais faz brilhar os olhos do corinthiano é a série de coincidências com o Mundial de 2000. Vinte e cinco anos depois de pintar a Terra de preto e branco pela primeira vez, o Timão voltará ao Maracanã para medir forças com o mesmo rival. O uniforme, graças a uma homenagem da fornecedora de material esportivo, será igualzinho, a menos que um supersticioso assessor do presidente Pedrinho leia esta coluna — ou, o que é mais provável, um post na rede social de alguém com as iniciais sccp, ou ainda de algum perfil com o nome do tipo Gustavo Henrique Bolado.
Aqueles que usam até “cueca da sorte” em jogo decisivo lembram que o ídolo Neto (o Craque Neto) comentará a partida, a exemplo do que fez naquela noite de 14 de janeiro, ao lado de Luciano do Valle. Como diz o samba da Gaviões de 1994, “é a força da magia, que me arrepia e se espalha pelo ar”.