Projeto de Lei sobre o streaming detonou embate dentro da esquerda que envolve o ator Wagner Moura e a produtora cultural Paula Lavigne.
Projeto de Lei sobre o streaming detonou embate dentro da esquerda que envolve o ator Wagner Moura e a produtora cultural Paula Lavigne. (Foto: EFE e Marcos Oliveira/Agência Senado)

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Um dos principais artistas de esquerda no Brasil, Wagner Moura detonou uma crise dentro do próprio campo político. O ex-Capitão Nascimento (ele parece renegar o personagem que o alçou ao estrelato) fez duras críticas ao PL do Streaming. A ofensiva do ator acabou por atingir e expor diversos personagens do espectro progressista. 

Tudo por causa do projeto de lei aprovado pela Câmara Federal no início de novembro e que aguarda parecer do Senado. Moura classificou a proposta de regulação da atividade de streaming no país como “bizarra” e “muito ruim”. E, no protesto gravado em vídeo pelo ator, sobrou até para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). 

Acompanhe abaixo as principais disputas dentro da crise na esquerda cultural. 

Wagner Moura x PL do Streaming 

“Queria deixar aqui esse recado para que o Ministério da Cultura do Brasil entre nesse jogo, defendendo a autonomia do país nessa questão. E o presidente Lula fique atento. Esse é um momento importante não só para o setor audiovisual brasileiro, mas para a autoestima do país, para a soberania do país”, declarou Wagner no vídeo gravado que não se sabe como foi parar na internet, já que o ator não tem redes sociais.  

Cotado para receber o Oscar em 2026 por seu papel no incensado “O Agente Secreto”, o baiano detém tanta moral na esquerda que o desagravo causou reação instantânea. E o primeiro a se sentir contrariado pela crítica aberta foi o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo Lula no Congresso Nacional.

Randolfe x Moura 

A ideia de Rodrigues era enviar uma resposta diretamente ao astro, mas o senador percebeu que não tinha o contato telefônico de Moura. Randolfe procurou, então, Paula Lavigne, produtora cultural e esposa de Caetano Veloso. O político pernambucano enviou um áudio furibundo para Lavigne, uma espécie de eminência parda da cultura brasileira. 

O senador abriu a mensagem tratando Moura com deferência. Chamou-o de “querido” e revelou que o “admira muito”. Mas rebateu as críticas do normalmente aliado de peso. Em pouco mais de três minutos, Rodrigues enquadrou o projeto de lei sob sua perspectiva e se mostrou perplexo com a posição adotada pelo ator baiano, que considerou alienada. 

“Nós tentamos o melhor texto, mas não conseguimos. Tem lobby de plataformas. Desculpe a revolta, mas eu não sei em que mundo o pessoal está. Eu gostaria de ter um Congresso com 200 deputados do PT, 100 do PSOL, 20 do PSB, 30 do PDT. Mas, enfim, desculpe meu desabafo, foi porque eu realmente não entendi coisa nenhuma”, bradou Rodrigues.

Lavigne x Moura 

Ao receber o áudio do senador em seu WhatsApp, quem se indignou foi Lavigne. E a confusão que começou por causa da regulação do streaming se alastrou e passou a envolver outros personagens da esquerda nacional. A ex-atriz pôs tudo na conta do Papa, ou melhor, do diretor da Ancine (Agência Nacional de Cinema). 

Lavigne sugeriu que o protesto encarnado pelo ator foi, na verdade, “encomendado” por Paulo Alcoforado, o manda-chuva da Ancine. Em áudio atribuído à produtora cultural, a esposa de Caetano Veloso declarou estar revoltada com o fogo amigo e considerou as críticas “injustas”. 

“Quando eu vi esse vídeo [de Wagner Moura], eu senti uma revolta enorme, porque eu sou testemunha de como o Minc [Ministério da Cultura] não para de trabalhar. Eu não sou do governo, eu não sou do PT, eu não sou filiada a partido nenhum. Eu, sim, sou progressista, mas não sou injusta”, comentou Lavigne, que em dado momento chamou Moura de “maravilhoso”.

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Lavigne x Feghalli 

A produtora cultural acredita que o objetivo do protesto não era apenas defender a soberania do cinema nacional, mas, também, sabotar o trabalho da ministra Margareth Menezes no Ministério da Cultura. É aí que surge mais um personagem do campo progressista: a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ). 

Lavigne explica sua teoria conspiratória no áudio: “Muito arrependida de ter ajudado a colocar esse senhor Paulo Alcoforado, que, junto com Jandira e Manoel Rangel [ex-presidente da Ancine], conspira contra a Maga [Margareth Menezes], porque querem, a Jandira queria ser ministra. A verdade é essa”. 

Governo x Moura 

Ao mesmo tempo, o governo federal correu para se explicar a Moura. A gestão Lula publicou uma nota pública sobre o assunto. No documento, o governo afirma que “compartilha do compromisso com uma regulação justa, soberana e capaz de fortalecer a produção nacional e independente e a indústria brasileira do audiovisual”. 

Entretanto, o governo admite um revés na discussão sobre o percentual da alíquota que as plataformas de vídeo deverão pagar de Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional). O texto da Câmara passou com 4%, e a tendência é piorar. No Senado, há a chance de diminuir ainda mais, para 3%. 

Uma das principais críticas de Moura é justamente sobre esse valor: “O Brasil é o segundo maior mercado onde os streamings fazem mais dinheiro no mundo, então, para um mercado desse tamanho, é uma taxação muito pequena. E o ponto mais bizarro é o fato de essas empresas poderem usar esse dinheiro para investir em seu próprio conteúdo”. 

Alcoforado x Lavigne 

Apontado como conspirador por Paula Lavigne, Paulo Alcoforado também veio a público. O diretor da Ancine falou com a colunista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo. Negou ter “encomendado” o vídeo de protesto ao ator, disse não conhecer a esposa de Caetano Veloso e reforçou as críticas ao PL do Streaming.  

Jandira Feghali também falou com a Folha e, igualmente, negou qualquer tentativa de minar o trabalho do Ministério da Cultura.  

Quem venceu? 

Até agora, ninguém. O relator do PL do Streaming no Senado Federal é Eduardo Gomes (PL-TO), que deve aliviar ainda mais as cobranças às plataformas de conteúdo no texto que regula a atividade no Brasil. As reclamações dentro da esquerda devem continuar.