A Syrah na América do Sul
A história dessa variedade no continente é recente, mas marcada por experimentação, ousadia e uma notável evolução qualitativa
Originária do Médio Oriente e tendo se fixado no Vale do Rhône, na França, a uva Syrah (ou Shiraz, como é chamada na Austrália) encontrou na América do Sul um novo lar. Adaptou-se com surpreendente facilidade aos climas quentes e ensolarados do continente, mostrando-se capaz de expressar com intensidade e elegância os terroirs do Brasil, da Argentina e do Chile. A história dessa variedade no continente é recente, mas marcada por experimentação, ousadia e uma notável evolução qualitativa. A Syrah chegou ao continente sul-americano na segunda metade do século XX, trazida principalmente pelos enólogos franceses e técnicos que participaram da modernização da viticultura chilena e argentina nas décadas de 1970 e 1980.
O Chile foi o primeiro país a cultivar Syrah de forma experimental — sobretudo no Vale do Maipo, sob influência de especialistas franceses que buscavam novas alternativas à Cabernet Sauvignon para climas mais quentes. Posteriormente, a casta se expandiu para os vales do Elqui, Limarí, Colchagua e Casablanca, onde mostrou grande potencial em solos pedregosos e com forte amplitude térmica.
O primeiro vinho varietal de Syrah da América Latina é creditado ao Chile, lançado no início da década de 1990 pela Viña Undurraga, que engarrafou um Syrah puro após anos de testes em vinhedos do Vale do Maipo. A partir daí, a cepa ganhou prestígio, inspirando outras vinícolas chilenas e, logo depois, argentinas e brasileiras. No Brasil, a Syrah começou a ser cultivada a partir de meados dos anos 1990, em pequenas áreas experimentais da Serra Gaúcha e, mais tarde, ganhou expressão na Campanha Gaúcha e no Vale do São Francisco (BA/PE). A uva mostrou-se extremamente versátil, adaptando-se tanto ao clima semiárido nordestino, com colheitas fora de época, quanto às condições mais temperadas do sul do país. Os Syrahs brasileiros costumam apresentar taninos macios, corpo médio e aromas de frutas negras, especiarias e leve toque floral. No Nordeste, a fruta ganha notas mais maduras e toque de cacau, enquanto no Sul tende a ter perfil mais fresco e elegante, lembrando violetas, pimenta e amoras.
A Argentina recebeu a Syrah quase ao mesmo tempo que o Chile, mas ela só se popularizou após o ano de 2.000, ou seja, neste século, já após o renascimento da vitivinicultura do país. As províncias de San Juan e Mendoza se tornaram os principais centros de cultivo, com destaque para Pedernal, Tulum e Uco Valley, onde a uva revela grande complexidade. Os Syrahs argentinos costumam ser mais intensos e encorpados, com notas de ameixa madura, pimenta preta, tabaco e leve toque defumado. O calor de San Juan confere potência e textura, enquanto as altitudes de Mendoza trazem frescor e acidez equilibrada. O resultado são vinhos exuberantes, que competem em qualidade com exemplares do Novo Mundo mais tradicionais, como os australianos.
No Chile, a Syrah consolidou-se como uma das grandes tintas do país, atrás apenas da Cabernet Sauvignon e da Carménère. As zonas costeiras — Casablanca e Limarí — produzem vinhos mais frescos e minerais, enquanto os vales interiores, como Colchagua e Maipo, oferecem exemplares de perfil robusto e denso, com notas de frutas negras, chocolate e pimenta-do-reino. Os melhores rótulos chilenos de Syrah combinam elegância francesa e intensidade do Novo Mundo, e muitos deles vêm sendo reconhecidos por críticos internacionais por sua consistência e tipicidade varietal.
Importante ressaltar que não há como esperar as características da Syrah do Rhöne nos vinhos produzidos na América do Sul, até porque esta casta bem absorveu o terroir de cada zona produtora, em seus respectivos países. Entretanto, com este limite, vale a pena serem provados os varietais “Syrah” dos países sul americanos. Da Argentina recomendo três em especial: o Luca Wines Double Select Syrah (Vale de Uco, o Finca La Anita Syrah (Mendoza) e o Finca Las Moras Paz Syrah (Valle de Pedernal), todos com a típica força e opulência que caracterizam os Syrahs argentinos. Do Brasil os três que destaco são: Alma Única SB Ultra Premium Syrah (Vale dos Vinhedos), Guaspari Vista da Serra Syrah (Espirito Santo do Pinhal), e o Barbara Eliodora Syrah Gran Reserva (Sul de Minas), todos agradáveis, frescos, levemente frutados e com boa acidez. E do Chile os
três que merecem destaque são Von Siebenthal Carabantes Syrah (Aconcagua), Tara Atacama Syrah (Atacama) e o excepcional Matetic Syrah (San Antonio), tendo em comum o imenso potencial de guarda e serem vinhos extremamente gastronômicos, porém guardando entre si as características de cada região produtora e a maestria dos, respectivos, enólogos
Da França ao Novo Mundo, a Syrah provou que sua alma cosmopolita é capaz de traduzir, com elegância e vigor, o espírito da vitivinicultura sul-americana moderna.
Salut!