China exige diploma de Influenciadores
Anúncio reacende um debate muito atual: quem tem direito a ‘falar com autoridade’ em temas que impactam toda a população?
O anúncio da China de que influenciadores digitais que publicarem conteúdos sobre finanças, direito, saúde ou educação deverão comprovar qualificação formal — como diploma universitário ou certificação profissional — reacende um debate muito atual: quem tem direito a “falar com autoridade” em temas que impactam toda a população?
O que há de positivo
- Em áreas como finanças, saúde ou direito, o risco de dano pelo aconselhamento gratuito e superficial é elevado. A exigência de qualificação busca elevar o nível mínimo de responsabilidade.
- A medida pode funcionar como filtro para evitar que “formadores de opinião” sem preparo ocupem espaços estratégicos de influência sobre decisões individuais ou coletivas.
- Em sociedades marcadas pela circulação rápida de desinformação, um critério de “quem está habilitado para opinar” pode ajudar a proteger os usuários mais vulneráveis.
- Em termos de governança digital, o reconhecimento de que a influência online tem impacto real sobre decisões — econômicas, de saúde ou jurídicas — fortalece a cobrança de responsabilidade sobre quem fala.
Mas os perigos e fragilidades são relevantes
1. Problema: influenciadores opinando sem o preparo adequado
Diversos estudos demonstram que grande parte dos conteúdos produzidos por influenciadores sobre finanças ou saúde são feitos por pessoas sem qualificação ou base técnica — o que pode gerar decisões erradas por parte do público. Por exemplo:
- Uma pesquisa da Money Supermarket de 2024, concluiu que 74% dos vídeos sobre “hacks financeiros” publicados por influenciadores continham conselhos “potencialmente perigosos, incorretos ou sem sentido”.
- No setor de saúde, um estudo da MedPro Group, concluiu que influenciadores que publicam “conselhos” médicos podem estar configurando um padrão de cuidado — e causar danos — embora não sejam qualificados nem regulados.
- Em finanças, o papel dos “finfluencers” (influenciadores financeiros) já foi destaque como fonte de risco: muitos seguidores confiam no que tais criadores dizem, mesmo sem credenciais.
2. Casos ilustrativos de falhas ou prejuízos
- O caso da Logan Paul: Ele promoveu o projeto de criptomoeda/game CryptoZoo, que acabou entregando menos do que prometido e provocou perdas entre os investidores.
- Um influenciador fitness nos EUA, Brittany Dawn Davis, foi processado pelo Estado do Texas por dar conselhos de saúde inadequados, às vezes para mulheres com transtornos alimentares.
- Uma campanha de marketing da corretora americana M1 Finance usou influenciadores digitais que divulgaram serviços sem adequada supervisão e foram penalizados pelo regulador.
Esses exemplos reforçam que, quando a pessoa que ocupa posição de visibilidade assume o papel de “especialista” sem preparo, o efeito pode ser danoso — para ele (em reputação/ações legais) e, principalmente, para quem confia.
3. O segundo problema: quando o Estado vira “moderador” único
Voltando à China: embora a qualificação possa trazer benefícios, há um risco claro de que o Estado — ou uma agência reguladora central — se torne o árbitro absoluto de quem “tem voz”. Isso gera várias preocupações:
- A pluralidade de opiniões fica ameaçada se apenas “autorizados” puderem comentar publicamente em temas sensíveis.
- A crítica, o debate divergente ou vozes emergentes com conhecimento técnico, mas sem diploma formal tradicional, podem ser silenciadas.
- A transparência dos critérios de qualificação, os processos de recurso e a liberdade de expressão ficam em cheque.
- Em suma: criar um “padrão mínimo de autoridade” é válido, mas se esse padrão for usado como instrumento de controle político ou cultural, torna-se instrumento de censura.
Por que esse debate importa no Brasil e na América Latina
- No Brasil, a influência digital cresce a cada dia, inclusive em temas como finanças pessoais, saúde popular, compliance e proteção de dados. Perguntas fundamentais emergem: quem está falando com você? Qual é sua formação? Que interesses tem por trás da mensagem?
- Para profissionais de TI, segurança, marketing, compliance e privacidade — públicos que você aborda — isso sinaliza que a “voz digital” está se tornando risco ou recurso de governança.
- Do lado da regulação & educação digital, precisamos caminhar para duas frentes simultâneas:
1. Qualificação e transparência: estimular que influenciadores que tratem de temas técnicos declarem credenciais, façam disclaimers, assumam
responsabilidade.
2. Proteção de liberdade: garantir que não se torne normal a única voz “oficial”, em que o Estado define quem opina. A diversidade, a crítica e a inovação também importam. - Em termos de privacidade, governança e riscos digitais, essa discussão se conecta com o debate de quem define “autoridade” no espaço digital — e quem acompanha as consequências das mensagens disseminadas.
Conclusão
A exigência chinesa de diploma para influenciadores que abordam finanças, saúde, direito ou educação pode ser vista como uma resposta necessária ao problema real dos conselhos superficiais e de alto impacto popular. Porém, ao mesmo tempo, serve como alerta: sim, precisamos de voz qualificada, mas não podemos abrir mão da liberdade de pensamento cerceada para algum “ministério da verdade”.
O equilíbrio entre qualificação técnica e liberdade digital será decisivo para que a regulação não se transforme em controle e para que o influenciador deixe de ser “pseudo-especialista” e passe a ser responsável. Em tempos nos quais dados, tecnologia e privacidade estão no centro das decisões, temos de olhar com atenção: quem nos informa — e com que autoridade?
Quer se aprofundar no assunto, tem alguma dúvida, comentário ou quer compartilhar sua experiência nesse tema? Escreva para mim no Instagram: @davisalvesphd.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
