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A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) recebeu uma autorização excepcional da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para realizar pesquisas sobre o cultivo de Cannabis sativa, uma das espécies que dá origem à maconha.
A autorização terá validade inicial de três anos, podendo ser revista, em caso de alteração normativa, e renovada, desde que atendidos integral e continuamente os requisitos estabelecidos e as normas supervenientes que vierem a ser editadas pela agência.
A decisão foi tomada pela Diretoria Colegiada da Anvisa na quarta-feira (19). Conforme o órgão regulador, antes de iniciar os estudos, a Embrapa passará por uma inspeção presencial e deverá cumprir uma série de requisitos para garantir a segurança e o controle do material. Além disso, ajustes adicionais poderão ser solicitados pela agência.
A Cannabis sativa e seus derivados estão classificados como de uso proscrito (proibido) nacionalmente por poder originar substâncias entorpecentes ou psicotrópicas. Há, no entanto, exceções à proibição, como uso para fins médicos e científicos devidamente autorizados.
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A autorização permite que a empresa desenvolva três linhas principais de estudo:
- Conservação e caracterização de germoplasma, na unidade Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia – germoplasma é o material genético da planta, fundamental para estudos e melhoramento genético.
- Bases científicas e tecnológicas para Cannabis medicinal, na unidade Embrapa Clima Temperado.
- Pré-melhoramento de cânhamo para fibras e sementes, na unidade Embrapa Algodão.
A Embrapa justificou o pedido citando o crescente interesse mundial na Cannabis, que hoje tem importância econômica, social, ambiental e medicinal.
“Do ponto de vista da sustentabilidade na agricultura, a C. sativa L. é uma espécie de múltiplas finalidades, que apresenta diversos benefícios agrícolas, como descontaminação do solo e da água e absorção de CO2. Além disso, o seu cultivo demanda poucos insumos e tem um efeito positivo no solo e na biodiversidade, produzindo lixo zero, práticas alinhadas com as recomendações mais adiantadas do mundo”, diz trecho da carta de solicitação.
“Dessa forma, os produtores podem oferecer benefícios ambientais a serem considerados em políticas voltadas a mitigar os efeitos da mudança do clima e restaurar ecossistemas desequilibrados. Não obstante, seu cultivo pode contribuir para a maximização do uso da terra, de modo a aumentar a renda de famílias e comunidades rurais, expressando os ganhos na dimensão social”, prossegue o documento.
A empresa também reafirmou estar preparada para cumprir todas as exigências técnicas e de segurança definidas na autorização.
A Anvisa ressalta, em nota, que nenhum produto resultante das pesquisas poderá ser comercializado. “A Embrapa poderá apenas enviar material vegetal não apto à propagação para outras instituições de pesquisa devidamente autorizadas”, diz o órgão.
Autorização para Embrapa pesquisar Cannabis reforça compromisso da agência com ciência, diz relator
Segundo o diretor Thiago Lopes Cardoso Campos, relator do processo, a autorização reforça o compromisso da agência com a ciência, a inovação e a segurança sanitária.
“É a ciência que deve guiar o país. Essa autorização permite que o Brasil produza conhecimento próprio, fortaleça sua autonomia tecnológica e cumpra seu dever com a saúde pública e o desenvolvimento nacional”, afirma.
Ele destaca ainda que pesquisas voltadas a desafios reais do país são essenciais para gerar tecnologia própria, reduzir dependências externas e aumentar a capacidade do Brasil de competir globalmente.
“Rejeitar projetos de pesquisa estruturante conduzidos pela Embrapa seria abdicar de uma oportunidade histórica de transformar conhecimento em autonomia produtiva, inovação em saúde e desenvolvimento sustentável”, diz Campos em seu voto.
“A presente decisão deve ser vista não como um ato isolado, mas como parte de uma transição regulatória responsável, que reconhece a necessidade de avançar com base em dados sólidos e cientificamente validados.”
Apesar disso, ele ressalta que “a adoção desta excepcionalidade não deve ser interpretada como regra geral”, sendo imprescindível estabelecer critérios objetivos e rigorosos para assegurar que tais autorizações ocorram apenas em situações justificadas e sob estrito controle sanitário.