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Cinco ex-ministros da Justiça enviaram uma carta aberta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pedindo que ele assuma o comando direto da segurança pública no Rio de Janeiro para “liderar a desconstrução da situação de crise engendrada” pela Operação Contenção, que terminou com a morte de 121 pessoas na semana passada nos complexos da Penha e do Alemão.
Os ex-ministros afirmam que a operação conduzida pelas forças de segurança fluminenses foi “mal preparada e mal explicada”, e que acabou se transformando em uma “operação de guerra” que colocou “as estruturas de Polícia do Estado do Rio de Janeiro em confronto com a totalidade da população ali residente”. Segundo o texto, a ação expôs a população a um “novo limite de enfrentamento armado e de perdas de vidas”, com civis e policiais entre os mortos.
“O limite a que chegamos recomenda que V. Exa. assuma o comando, pessoal e diretamente, através de uma Secretaria Especial da Presidência da República – dirigida por um (a) secretário (a) de Estado com prerrogativas Ministeriais, e estreitamente ligado (a) à sua liderança e direção”, pontuaram na carta (veja na íntegra mais abaixo).
A Gazeta do Povo procurou a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) e o governo do estado do Rio de Janeiro para comentarem o teor da carta e aguarda retorno.
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O documento é assinado por Tarso Genro, ministro da Justiça no segundo mandato de Lula, Aloysio Nunes Ferreira, José Carlos Dias, Miguel Reale Jr. e Nelson Jobim, que atuaram nos governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A carta também tem o apoio de nomes ligados à esquerda, como José Dirceu, Benedito Mariano, Lenio Streck, Luiz Eduardo Soares, Nélio Machado, Oscar Vilhena, Técio Lins e Silva e Vicente Trevas.
Ainda na comunicação ao presidente, os signatários afirmam que a “situação de crise” pode se disseminar para outros estados e que a secretaria teria a atribuição de coordenar “com a sua autoridade” todas as instâncias de polícia, inteligência, informações e competência operacional da União. Apesar de apontar uma liderança de Lula à frente da segurança pública fluminense, o grupo afirma que o governo estadual atuaria “de forma conjugada”.
Em outro trecho da carta aberta ao presidente, os ex-ministros criticam a política de confronto adotada pelo governo do Rio e afirmam que, ao longo de décadas, as “incursões policiais sistemáticas já se mostraram uma forma inadequada para enfrentar as facções criminosas”. Para eles, a estratégia atual “reforça os poderes paralelos instaurados nas regiões, que sempre se alimentam da violência para exaltar e propagar o seu poder”.
O grupo também propõe que essa estrutura sirva como base para a futura criação do Ministério da Segurança Pública, prometido por Lula durante a campanha eleitoral e que não saiu do papel.
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Ainda em relação à política de segurança pública adotada pelo governo de Cláudio Castro (PL-RJ), os apoiadores da carta dizem lamentar que ele não tenha solicitado o apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública. “Por razões ainda insondáveis, o Governo do Rio resolveu agir de forma isolada, provocando uma catástrofe de dimensões históricas e consequências negativas”, escreveram.
“Muitas das pessoas que foram abatidas não têm antecedentes criminais e, quanto às que tinham antecedentes, não se tem clareza sobre as circunstâncias em que foram mortas. O fato de ter antecedentes, de outra parte, não expressa – num Estado Democrático de Direito – licença sumária para eliminação de qualquer indivíduo”, ressaltaram.
Os ex-ministros pediram, ainda, a elaboração de um “Programa Nacional de Enfrentamento às Facções Criminosas” e pedem ações específicas para “estrangulamento econômico do crime”, citando como exemplo a Operação Carbono Oculto, realizada no final de agosto contra o PCC. Eles ainda destacam que “os grandes líderes das facções não habitam nas periferias, mas nelas promovem violência para manter o controle dos seus interesses criminosos”.
Veja abaixo a íntegra da carta dos ex-ministros e apoiadores ao presidente Lula:
Exmo. sr. presidente da República Luís Inácio Lula da Silva,
Os signatários reunidos nesta Carta, atentos aos dramáticos eventos relacionados com a Segurança Pública no Rio de Janeiro, bem como considerando as importantes manifestações de Vossa Excelência, chamando para si a condução institucional da crise ali desatada, vêm lhe apresentar uma sugestão concreta e colaborativa, no debate sobre o tema que já está em curso em todo o país.
Estamos remetendo a Vossa Excelência a presente "Carta Aberta", que, após o envio, será tornada pública. Ela traduz uma preocupação com a estabilidade do país e com a firme sustentabilidade institucional do seu Governo, face aos desdobramentos da operação de alta letalidade procedida pelas forças de Segurança, nos complexos da Penha e do Alemão, matando mais de uma centena de moradores –com e sem antecedentes criminais– bem como policiais que ali estavam convocados para cumprir seu dever.
Mal preparada e mal explicada, foi realizada uma operação de guerra, colocando as estruturas de Polícia do Estado do Rio de Janeiro em confronto com a totalidade da população ali residente e não somente com os grupos de faccionados que controlam grande parte daqueles territórios e que também disputam, entre si, o poder de fato na região.
Chegou-se, com esta política de guerra, a um novo limite de enfrentamento armado e de perdas de vidas (117 civis e 04 policiais, segundo dados oficiais). Muitas das pessoas que foram abatidas não têm antecedentes criminais e, quanto às que tinham antecedentes, não se tem clareza sobre as circunstâncias em que foram mortas. O fato de ter antecedentes, de outra parte, não expressa –num Estado Democrático de Direito– licença sumária para eliminação de qualquer indivíduo.
Incursões policiais sistemáticas já se mostraram, ao longo de décadas, uma forma inadequada para enfrentar as facções criminosas, porque colocam em risco toda a população que vive sob o domínio tirânico do crime organizado tirânico e igualmente porque vulneram a segurança dos próprios policiais, empenhados na missão de enfrentá-lo. A sequência destas operações, na verdade, tem resultado no reforço dos poderes paralelos instaurados nas regiões, que sempre se alimentam da violência para exaltar e propagar o seu poder.
O meritório esforço estratégico que vem sendo feito pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública –combinado com a disponibilidade do apoio que o Ministério oferece a todos os Estados– por razões ainda insondáveis, não tem sido requisitado pelo Governo do Rio, que resolveu agir de forma isolada, provocando uma catástrofe de dimensões históricas e consequências negativas –ainda não aferíveis– para a República e a Democracia em nosso país.
O limite a que chegamos recomenda que V. Exa. assuma o comando, pessoal e diretamente, através de uma Secretaria Especial da Presidência da República –dirigida por um(a) ecretário(a) de Estado com prerrogativas Ministeriais, e estreitamente ligado(a) à sua liderança e direção. Tal Secretaria poderia se encarregar de liderar a desconstrução da situação de crise engendrada pelas ações ocorridas no Rio de Janeiro. Enfatizamos, senhor Presidente, que esta situação poderá se disseminar para outros Estados da União, o que clama por estratégias especiais focadas, preditivas e antecipatórias.
O objetivo de tal Secretaria seria coordenar, com a sua autoridade, todas as instâncias de Polícia, de inteligência, de informações e de competência operacional da União, para ajudar a debelar a crise do Rio, de forma conjugada com o Governo Estadual e também para iniciar a formatação institucional do Ministério de Segurança Pública no país, que é proposta contida em seu Programa de Governo.
V. Exa. está atento para estabelecer um Programa Nacional de Enfrentamento às Facções Criminosas, visando, nos curto e médio prazos, retomar os territórios hoje dominados por criminosos, que impõem sofrimento e medo nas periferias. De igual forma, é necessário planejar outras operações de estrangulamento econômico do crime, à luz da Operação Carbono Oculto. É sabido que os grandes líderes das facções não habitam nas periferias, mas nelas promovem violência para manter o controle dos seus interesses criminosos.
Um novo Projeto Nacional de Segurança Pública, que seria elaborado pela nova Secretaria e estaria em sintonia com a PEC apresentada pelo Ministério da Justiça, pautado na democracia, na cidadania, na inteligência policial, no antirracismo e na valorização dos trabalhadores e trabalhadoras da segurança pública, teria o objetivo de enfrentar as facções criminosas nas suas várias modalidades, o que só seria possível num governo que valoriza a democracia, a soberania nacional, a cidadania e o estado democrático de direito. Estes valores norteiam o governo de Vossa Excelência.
O crime organizado não colocará em xeque a democracia brasileira, mas só pode ser desconstruído mediante as estratégias e metodologias corretas e inteligentes de enfrentamento. O senhor possui legitimidade e apoio popular plenos para liderá-las."
Subscrevem, ex-ministros da Justiça
E mais:
Alfredo Attié Junior
Benedito Mariano
Cristina Vilanova
Daniel Cerqueira
Flavio Wolf de Aguiar
José Dirceu
José Geraldo Souza Junior
Judith Martins Costa
Julita Lemgruber
Lenio Streck
Ligia Daher Gonçalves
Luiz Eduardo Soares
Miriam Krezinger
Meire Silva
Nélio Machado
Oscar Vilhena Silvia Ramos
Técio Lins e Silva
Vicente Trevas



