Trump Greta Thunberg
A atuação da Internacional Progressista ficou visível recentemente com a Flotilha Global Sumud, uma expedição marítima organizada para romper o bloqueio a Gaza com a ativista sueca Greta Thunberg. (Foto: EFE/Toni Albir)

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Desde o século XIX, o movimento comunista organizou-se em redes internacionais que buscavam influenciar ou remodelar as estruturas políticas do Ocidente. A Primeira Internacional, liderada por Karl Marx e Friedrich Engels, pretendia unir os trabalhadores em torno de uma revolução mundial. A Segunda e a Terceira Internacionais deram continuidade à ideia, adaptando-a a novos contextos. A Internacional Socialista, surgida no pós-guerra, consolidou uma estratégia mais sutil: a de ocupar espaços de poder político e institucional, substituindo a revolução aberta por uma lenta transformação das democracias liberais. Essa penetração silenciosa em todos os espaços culturais redefiniu o ativismo de esquerda ao longo do século XX.

É possível afirmar que muito do movimento de infiltração cultural e institucional pensado por Gramsci tenha sido pedagogicamente teorizado por Herbert Marcuse, um dos principais pensadores da chamada Escola de Frankfurt, que propôs a ideia da “marcha sobre as instituições”. Marcuse acreditava que o caminho para a revolução não passava mais pela tomada violenta do poder, mas pela conquista gradual das estruturas culturais, educacionais e políticas. Em vez de destruir o sistema, seria necessário ocupá-lo por dentro, reprogramando-o a partir de valores revolucionários. Essa estratégia influenciou fortemente o pensamento da Nova Esquerda nos anos 1960 e continua orientando movimentos progressistas até hoje. Ela se manifesta na forte inserção ideológica em universidades, na mídia, em organismos internacionais e até em igrejas, moldando consciências e normalizando valores contrários aos fundamentos do Ocidente. O resultado é um novo tipo de hegemonia – não imposta pela força, mas pela cultura e pela linguagem, instrumentalizada por organizações “da sociedade civil”.

O advocacy não é, em si, ideológico, mas foi dominado pela esquerda com habilidade notável. Por meio dele, causas progressistas conquistam espaço em tribunais, parlamentos e organismos internacionais, impondo mudanças culturais profundas sem depender de votos ou de revoluções

Hoje, esse mesmo espírito de articulação global assume nova forma. A antiga militância revolucionária cedeu lugar a uma rede complexa de organizações da sociedade: ONGs, fundações, movimentos sociais e think tanks, que operam sob a bandeira dos direitos humanos, da justiça climática e da inclusão social. Essa estrutura, muitas vezes financiada por grandes corporações e organismos multilaterais, tornou-se o principal vetor de influência política da esquerda global. Seu objetivo continua sendo o mesmo – moldar consciências, alterar normas jurídicas e reconfigurar valores culturais.

A forma como essa atuação se materializa chama-se advocacy, uma técnica de influência política que combina ação jurídica, pressão institucional, mobilização social e comunicação estratégica. O advocacy não é, em si, ideológico, mas foi dominado pela esquerda com habilidade notável. Por meio dele, causas progressistas conquistam espaço em tribunais, parlamentos e organismos internacionais, impondo mudanças culturais profundas sem depender de votos ou de revoluções. Trata-se de um mecanismo de influência em esferas de poder que opera com estratégia e sutileza, muitas vezes travestido de neutralidade técnica.

É nesse contexto que surge, em 2020, a Internacional Progressista (IP), uma organização criada por Bernie Sanders e Yanis Varoufakis com a ambição declarada de “unir, organizar e mobilizar as forças progressistas do mundo”. Reunindo mais de cem entidades – entre sindicatos, partidos e movimentos sociais –, a IP atua como uma plataforma global de cooperação política. Entre seus conselheiros estão nomes como Noam Chomsky, Naomi Klein, Celso Amorim, Áurea Carolina e Fernando Haddad. Estruturada em quatro eixos – Movimento, Projeto, Fio e Observatório – a Internacional articula militância popular, produção acadêmica, lobby internacional e monitoramento de governos.

A atuação da IP ficou visível recentemente com a Flotilha Global Sumud, uma expedição marítima organizada para romper o bloqueio a Gaza. Nos últimos dias, cerca de cinquenta barcos, com ativistas de quarenta e sete países, partiram em direção ao território palestino. Entre eles estavam a ativista sueca Greta Thunberg e a deputada brasileira Luizianne Lins (PT-CE). A Marinha israelense interceptou os barcos e deteve os participantes, que alegaram ter sido “sequestrados” – versão, aliás, posteriormente contestada por vídeos e relatórios oficiais. O episódio ilustra uma das formas como o advocacy é usado: cada ação simbólica gera uma narrativa de vitimização e amplia o alcance de causas políticas.

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No Brasil, a Internacional Progressista tem ampliado sua presença. Em 2024, promoveu o Festival de Ideias na Unicamp, com representantes de mais de cinquenta países discutindo temas como “descolonização”, “nova economia” e “transição democrática global”. O evento contou com intelectuais e políticos ligados à esquerda latino-americana e reforçou alianças com o MST, o MTST e a CUT. A IP também atua em parceria com movimentos ambientais e identitários, oferecendo suporte técnico e visibilidade internacional a campanhas locais. É uma nova forma de internacionalismo, adaptada à era digital, mas com o mesmo ideal de reorganizar o poder mundial sob uma lógica progressista e pós-ocidental.

A presença crescente da IP no Brasil mostra como a esquerda entendeu o papel das redes transnacionais no século XXI. Ela constrói uma narrativa global, conecta causas locais e mobiliza recursos e reputações. Cada ação – uma conferência, uma petição, um protesto – faz parte de uma estratégia ampla, em que política, mídia e academia convergem para moldar percepções e decisões.

A direita conservadora, por sua vez, enfrenta o desafio de compreender esse novo cenário. Reagir não basta – é preciso estruturar-se. A profissionalização da direita, tanto no Brasil quanto fora dele, passa pela criação de think tanks, ONGs e centros de advocacy comprometidos com a defesa da liberdade, da soberania nacional, da propriedade privada e da tradição ocidental. Não se trata de copiar os métodos da esquerda, mas de compreender que a disputa cultural e política exige estratégia, conhecimento técnico, preparo e coordenação.

Se o século XIX foi o das revoluções e o século XX o das ideologias, o século XXI é o das redes de influência. Conhecer a Internacional Progressista e seu modo de atuação é entender a dimensão dessa disputa. A defesa do Ocidente e de seus valores não depende apenas de convicções, mas de inteligência organizacional. A direita que quiser sobreviver precisará aprender a agir como rede, falar como movimento e pensar como civilização.

Zizi Martins é vice-presidente da ANED, membro fundadora e diretora da Lexum, presidente do Instituto Solidez e membro do IBDR. Advogada com mestrado em Direito Público e especializações em Direito Administrativo e Religioso, doutora em Educação, pós-doutora em Política, Comportamento e Mídia. Consultora e pesquisadora em gestão pública e liderança.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos