(Foto: Sebastiao Moreira / EFE)

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Meu amigo Ivan, que trabalha numa cafeteria pequena e aconchegante no centro de Londres, enviou-me uma mensagem de áudio. Entre o aroma quente de café torrado e o murmúrio abafado da rua (chovia, é claro), ele acabara de atender dois clientes tão ilustres quanto improváveis: Eric Voegelin e George Orwell.

Não sei o que o cientista político alemão e o romancista inglês faziam na capital britânica, mas Ivan, com profissionalismo, absteve-se de perguntas. Serviu-lhes dois cafés fortes.

Orwell, no entanto, quis puxar conversa:

— Olá, meu jovem. Seu inglês é muito bom, mas você não parece ser inglês. Qual é a sua nacionalidade?

— Sou brasileiro, Sir.

— De qualquer modo, pode explicar-nos o que está acontecendo com a BBC?

Diante da pergunta, Ivan, que é um rapaz muito bem-informado, explicou-lhe que a famosa emissora britânica havia editado criminosamente uma fala de Donald Trump, dando a entender que ele havia incentivado seus correligionários a invadirem o Capitólio.

— Que coisa lamentável. Nos meus tempos de BBC, isso não aconteceria.

Orwell então virou-se para seu companheiro de mesa e disse:

— Eric, parece que a BBC virou o Ministério da Verdade. Winston Smith deve estar tendo muito serviço por lá.

Voegelin, visivelmente contrariado por não poder acender o seu charuto mata-ratos, fez um muxoxo e observou:

— George, eu sempre disse que a ideologia é a existência em rebelião contra Deus e o homem. É uma doença do espírito. No entanto, esse caso me parece didático, porque a luta pela verdade começa na consciência que um homem tem da sua existência na inverdade.

Ivan animou-se a entrar na discussão:

 — Professor Voegelin, infelizmente a ideologia se tornou tão poderosa que tomar consciência da mentira não produz mais efeito algum! Se não me engano, foi La Rochefoucauld que disse: “A hipocrisia é a homenagem que o vício rende à virtude”. Hoje em dia, o vício nem se dá ao trabalho de ser hipócrita. A esquerda não apenas mente, mas se orgulha da mentira.

Orwell e Voegelin escutavam atentamente o brasileiro.

— No meu país, a mentira nem se dá ao trabalho de parecer virtuosa. Hoje faz 100 dias — 100 dias! — que o maior líder popular do país está preso ilegalmente, sem poder se comunicar com ninguém. Na verdade, ele foi sequestrado. E agora será enviado à prisão perpétua com base em uma delação fantasma e sem uma só prova material consistente. Imaginem a edição que fizeram com o Trump, multiplicada mil vezes. Foi isso que fizeram com Bolsonaro: um amálgama stalinista, que Mr. Orwell conhece muito bem.

Os autores de “Ordem e História” e “1984” pareciam atônitos.

— Pensam que é só isso? Agora, os jornalistas que investigaram as mentiras do processo estão sendo investigados pelo regime. Mais de mil pessoas foram perseguidas e estão presas unicamente por se manifestarem contra o governo. Para completar, 30 milhões de pessoas vivem sob o domínio de terroristas e o regime não permite que nada seja feito contra eles.

Orwell e Voegelin terminaram seus cafés, trocaram um olhar, pagaram a conta e se levantaram em silêncio.

Ivan me disse que eles deixaram uma boa gorjeta.

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