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Uma nova corrida por riquezas movimenta o mundo. Desta vez, o tesouro não está no petróleo nem no ouro: os novos protagonistas da economia global são os minerais críticos, como o lítio e o cobre, ao lado das chamadas terras raras (grupo de 17 elementos químicos essenciais para a tecnologia). Impulsionada pela transição energética e pela busca por tecnologias de baixo carbono, essa corrida recoloca o Brasil no centro das atenções internacionais e também diante de dilemas que vão muito além do valor de mercado do subsolo.
A pauta mineral ganhou contornos ainda mais estratégicos com o acordo entre Estados Unidos e China, que suspendeu tarifas e restrições sobre as exportações de minerais de terras raras. O entendimento busca reduzir tensões comerciais e estabilizar o fornecimento global desses insumos, essenciais à indústria de alta tecnologia, e sinaliza que a disputa por minerais estratégicos não é apenas econômica, mas geopolítica. Isso reforça a urgência de o Brasil posicionar-se de forma soberana nesse novo tabuleiro global.
Com cerca de 23% das reservas mundiais de terras raras, segundo o Serviço Geológico do Brasil, o país aparece como protagonista potencial da nova geopolítica mineral
Nesse contexto, o país desponta como uma das maiores promessas do mercado global de terras raras e recursos para a transição energética. De acordo com estudo da UBS Global Wealth Management, três grandes projetos de mineração em andamento no Brasil, dois em Poços de Caldas (MG) e um em Minaçu (GO), devem receber mais de R$ 3 bilhões em investimentos. São iniciativas que simbolizam o início de uma nova etapa: o momento em que as reservas brasileiras deixam de ser apenas um potencial e passam, de fato, a integrar o mapa da economia verde mundial.
O interesse crescente por terras raras já começa a se refletir no valor das propriedades com aptidão mineral. Segundo o Índice Chãozão Valor do Hectare (ICVH), o preço médio do hectare nessas áreas alcança R$ 11.885,40, revelando a valorização de terras antes vistas apenas como produtivas para o agronegócio. Hoje, elas são também o alvo de investidores que enxergam, sob o solo, a próxima fronteira de prosperidade sustentável.
Contudo, é fundamental destacar que não há sustentabilidade se a mineração “verde” repetir a lógica predatória do passado. O Brasil enfrenta o desafio de transformar seu potencial mineral em vantagem competitiva sem comprometer o patrimônio socioambiental e a sua reputação. Com cerca de 23% das reservas mundiais de terras raras, segundo o Serviço Geológico do Brasil, o país aparece como protagonista potencial da nova geopolítica mineral (embora a produção real ainda seja inferior a 1% do fornecimento mundial). Ao mesmo tempo, temos a sétima maior jazida de lítio do planeta (390 mil toneladas métricas), com previsão de multiplicar a produção cinco vezes até 2028.
O Vale do Lítio, em Minas Gerais, é um exemplo emblemático dessa nova fronteira. A montadora chinesa BYD adquiriu recentemente 852 hectares em Coronel Murta, ampliando sua presença na região e atraindo novos olhares para o potencial brasileiro. A operação traz capital e inovação, mas também levanta alertas sobre soberania mineral e controle das cadeias de valor, em um momento em que o país precisa decidir se será fornecedor de matéria-prima ou protagonista na agregação de valor.
Essa discussão é essencial porque a transição energética é, em si, uma contradição: mineramos para descarbonizar. A extração dos insumos que viabilizam carros elétricos, painéis solares e turbinas eólicas ainda depende de processos intensivos em energia, água e produtos químicos. Em outras palavras, o caminho para uma economia limpa passa por uma mineração que precisa, ela própria, se reinventar para ser ambientalmente viável.
Nesse cenário da exploração das terras raras, a governança e a sustentabilidade empresarial deixam de ser diferenciais e passam a ser pré-requisitos. Investidores e consumidores exigem transparência e mitigação de danos ambientais como condição para apoiar empresas do setor. Essa é a nova fronteira competitiva, onde não basta explorar, mas fazê-lo de forma responsável, com compromisso social e respeito aos limites do planeta.
A boa notícia é que o Brasil reúne todas as condições para liderar essa transformação. Com uma matriz elétrica majoritariamente renovável e um histórico de regulação ambiental reconhecido, o país pode tornar-se um fornecedor global de minerais sustentáveis, desde que invista em inovação tecnológica e parcerias internacionais de longo prazo.
No curto prazo, o aquecimento do mercado de terras raras já se traduz em valorização das terras. No médio e longo prazo, porém, o verdadeiro desafio será converter riqueza mineral em desenvolvimento sustentável, e não apenas em cifras. Afinal, a pergunta que se impõe não é apenas quanto vale um hectare com potencial mineral, mas quanto valerá o Brasil se souber equilibrar mineração, meio ambiente e futuro energético.
Tania Cristina Teixeira é presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon). Graduada em Ciências Econômicas pela PUC Minas, com doutorado em Economia Aplicada pela Universidade de Valência (Espanha). Coordena a área de Extensão da PUC Minas e atua como pesquisadora em desenvolvimento sustentável.