Moraes e a esposa, a advogada Viviane Barci de Moraes. (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

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Imagine se, durante o governo Bolsonaro, a esposa do presidente – a primeira-dama Michelle Bolsonaro – fosse contratada para defender um grande banqueiro encrencado com a Justiça pela bagatela de R$ 3,6 milhões por mês, durante 36 meses, num total de quase R$ 130 milhões. Agora imagine que, logo depois, a imprensa revelasse que o próprio presidente, Jair Bolsonaro, manteve contato com o presidente do Banco Central (BC) por pelo menos quatro vezes, ocasiões em que teria atuado em favor dos interesses do banco que contratou os serviços de sua esposa a preço de ouro.

Conseguem imaginar o que aconteceria com Bolsonaro? Assim que deixasse a Presidência, o ministro Alexandre de Moraes proferiria uma decisão de ofício, sem qualquer pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), determinando a prisão preventiva de Bolsonaro, de Michelle e do banqueiro. Em relação aos demais investigados, Moraes ordenaria à Polícia Federal (PF) buscas e apreensões no Palácio do Planalto, no Palácio da Alvorada e na sede do banco, além de intimar o presidente do Banco Central a prestar esclarecimentos em 48 horas. Moraes ainda bloquearia os bens de todos os envolvidos e derrubaria suas redes sociais.

A cada dia que passa, surgem fatos cada vez mais escandalosos sobre o contrato de R$ 129 milhões firmado por Viviane com o enrolado Banco Master, do banqueiro ostentação Daniel Vorcaro. Como o Brasil não é um país sério, nem Viviane nem Moraes apareceram para sequer dar qualquer explicação ao povo

O caso tomaria proporções titânicas. A imprensa não falaria de outra coisa por meses a fio, e o episódio certamente seria classificado como um dos maiores casos de corrupção – no sentido genérico da palavra – da história política brasileira. Um membro de alto escalão do poder recebeu milhões para usar sua função pública em favor de interesses privados. Todos os grandes jornais do país publicariam editoriais inflamados exigindo a renúncia de Bolsonaro, a investigação completa dos fatos e a punição exemplar dos responsáveis. Novas revelações surgiriam quase diariamente, com os principais jornalistas investigativos do país seguindo a trilha dos fatos mais escabrosos.

O Congresso, indignado, daria início a um processo de impeachment contra Bolsonaro, caso ele não renunciasse antes. O Centrão, sentindo cheiro de sangue na água, aproveitaria a oportunidade para arrancar ainda mais concessões do governo na forma de cargos e emendas, tudo como moeda de troca para evitar que o presidente fosse derrubado à força. Deputados e senadores articulariam rapidamente uma CPMI para investigar o caso a fundo, e as audiências televisionadas capturariam a atenção da nação por meses, com cada novo depoimento revelando fatos nada lisonjeiros sobre os envolvidos.

A OAB e advogados de todo o país, indignados com o surreal contrato de R$ 129 milhões firmado pela esposa do presidente – algo que nenhuma outra banca do país jamais teria o privilégio de ostentar – exigiriam investigação imediata do objeto do contrato e dos serviços efetivamente prestados, para evitar que o escândalo manchasse a advocacia como um todo. Nos telejornais, na grande e na pequena imprensa e nas redes sociais, só se falaria disso: grupos polarizados, de um lado e de outro, destilariam seus argumentos com paixão e ódio. E, se o Brasil fosse um país sério, o caso terminaria com todos os envolvidos na cadeia, tudo devidamente esclarecido, com os pingos colocados nos is.

Só que o caso não aconteceu com Jair Bolsonaro e sua esposa Michelle, mas com o ministro Alexandre de Moraes e sua esposa, a advogada Viviane Barci. A cada dia que passa, surgem fatos cada vez mais escandalosos sobre o contrato de R$ 129 milhões firmado por Viviane com o enrolado Banco Master, do banqueiro ostentação Daniel Vorcaro. Como o Brasil não é um país sério, nem Viviane nem Moraes apareceram para sequer dar qualquer explicação ao povo brasileiro sobre os supostos serviços prestados.

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Agora, conforme noticiado pela imprensa, sabe-se que Moraes teria ligado pelo menos cinco vezes em um único dia para o presidente do BC, Gabriel Galípolo, na época do iminente veto do BC à aquisição do Master pelo Banco de Brasília (BRB). Moraes teria intercedido pessoalmente pelo banco Master em pelo menos quatro ocasiões junto a Galípolo, três por telefone e uma vez num encontro presencial.

Moraes supostamente “gostaria muito” de Vorcaro, que estaria enfrentando o interesse de grandes bancos, e nesse contexto Moraes teria pedido que o BC aprovasse o negócio. Afinal, como odiar quem contrata a sua esposa por R$ 129 milhões? E mais: segundo relatos da imprensa, há inclusive mensagens de texto de Moraes para Galípolo sobre o assunto Master – é difícil imaginar algo mais incriminador do que isso.

Nesta terça-feira (23), Moraes e o Banco Central divulgaram notas afirmando que as reuniões trataram dos efeitos da Lei Magnitsky, mas sem negar, em nenhum momento, que o assunto Banco Master também tenha sido discutido. Só há uma explicação possível: não negaram porque os fatos são verdadeiros, e uma negativa categórica apenas os comprometeria caso, no futuro, surgissem provas públicas e robustas de que essas conversas realmente aconteceram.

Além disso, se não tivessem ocorrido, alguém duvida de que Moraes teria usado o inquérito das fake news para mandar prender a jornalista Malu Gaspar, do O Globo, que revelou a informação bombástica? Alguém duvida de que ele teria censurado a matéria, como, aliás, já fez contra a revista Crusoé? Alguém dúvida que daria 24h para os jornais explicarem os “ataques” contra o STF?

A verdade é uma só: Moraes prenderia Moraes. Como isso não vai acontecer, resta apenas uma pergunta crucial: quem o fará?