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Ao realizarmos um balanço de 2025 sobre a democracia brasileira, podemos afirmar, sem sombra de dúvidas, que o maior protagonista desse cenário foi o STF. O problema é que essa instituição nem sempre jogou a favor da nossa democracia.
Ao avaliar os episódios do ano, é possível identificar ao menos sete momentos em que sofremos um “gol contra”. O primeiro deles foi a decisão que declarou a inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, gerando um impacto profundo em uma lei construída de forma ampla, com a participação de especialistas, da sociedade civil e de diversas lideranças políticas.
Essa decisão abriu brechas para a naturalização da censura prévia por parte das plataformas digitais, que podem passar a adotar esse comportamento por receio de retaliações judiciais.
O segundo ponto é a manutenção do Inquérito das Fake News, que permanece aberto há sete anos. Trata-se de um inquérito instaurado pelo próprio STF, sem provocação de outra autoridade, o que coloca em xeque a imparcialidade de sua condução.
Além disso, estabelece precedentes preocupantes para a liberdade de expressão e de imprensa, tanto no que se refere à remoção de conteúdos em plataformas digitais quanto de matérias jornalísticas, somando-se a isso a falta de transparência sobre o andamento dos processos.
O terceiro e o quarto pontos dizem respeito aos escândalos de corrupção envolvendo o INSS e o Banco Master. Esses episódios escancaram como a impunidade se tornou um traço recorrente do sistema político-institucional brasileiro, evidenciando um padrão em que investigações se prolongam, responsabilidades se diluem e sanções efetivas raramente se concretizam.
No caso específico do Banco Master, as controvérsias públicas envolvendo a relação profissional da esposa de um ministro do STF com contratos de alto valor firmados com a instituição financeira, somadas à atuação do próprio Tribunal em temas correlatos, reforçam a percepção de conflitos de interesse e de fragilidade nos mecanismos de accountability.
O episódio ilustra como a ausência de critérios claros de transparência e de autocontenção contribui para o aprofundamento da desconfiança pública em relação ao Judiciário
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O quinto gol contra pode ser identificado na decisão do STF que derrubou o Projeto de Decreto Legislativo sobre o IOF, exemplificando a crescente interferência da Corte em escolhas típicas do Poder Legislativo.
Ao invalidar um instrumento constitucionalmente previsto para o controle de atos do Executivo, o STF contribui para o enfraquecimento do sistema de freios e contrapesos, concentrando ainda mais poder decisório no Judiciário e reduzindo o espaço de deliberação política dos representantes eleitos.
Na mesma linha, o sexto ponto é o voto do ministro Luís Roberto Barroso sobre o aborto, que ilustra o deslocamento de debates morais, sociais e profundamente controversos do espaço legislativo para o judicial. Ainda que o STF tenha o papel de proteger direitos fundamentais, a substituição recorrente do debate parlamentar por decisões judiciais contribui para a despolitização da sociedade e para a diminuição do papel do Legislativo.
Por fim, o sétimo gol contra é a decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes que alterou a interpretação da lei de impeachment de ministros do STF, levantando preocupações adicionais sobre a autocontenção institucional.
Ao redefinir, de forma individual, regras que dizem respeito à própria responsabilização da Corte, o Tribunal reforça a percepção de corporativismo e de fragilidade dos mecanismos de controle externo, afetando diretamente a legitimidade democrática do Judiciário.
Diante desse cenário, observa-se que, já no final do segundo tempo, a Corte passou a emitir um sinal, ainda que tímido, de autocontenção. Como uma pequena vitória, um gol a favor da democracia brasileira, pode-se destacar a proposição de um código de conduta apresentada pelo ministro Edson Fachin.
Embora insuficiente para reverter o quadro mais amplo de concentração de poder e de tensões institucionais, o gesto representa um aceno relevante no sentido do fortalecimento da responsabilidade institucional, da transparência e da confiança pública no Supremo Tribunal Federal.
Portanto, diante dos desafios que se colocam para 2026, especialmente em um ano eleitoral, é fundamental que o STF reafirme seu compromisso com uma atuação técnica, previsível e constitucionalmente limitada.
Assim como na Copa do Mundo, erros acumulados geram frustração e desconfiança, e a democracia não pode assistir a mais um placar desequilibrado. A recuperação da confiança institucional exige menos interferência política e mais respeito ao sistema de freios e contrapesos.
