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Aparecida de Oliveira Saboré Lopes, conhecida como Cida, aprendeu cedo que a vida nem sempre segue o roteiro planejado. Nascida em Longuinópolis, distrito de Braganey, ela cresceu no oeste do Paraná até os 19 anos, quando deixou a região em busca de trabalho. “Na época não tinha emprego aqui e meu pai não queria colocar a gente na roça”, conta. Em São Paulo, construiu uma vida urbana que duraria quase duas décadas. O café parecia ter ficado para trás.
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O retorno aconteceu em 2015, quando os pais adoeceram. Eles moravam em Braganey e haviam comprado uma pequena chácara, onde o pai já cuidava de alguns pés de café. “Eu acabei vindo para cuidar deles”, relata. Pouco tempo depois, o pai faleceu. Em apenas 46 dias, a mãe também morreu. “Foi tudo muito rápido. A gente veio para cuidar deles e acabou ficando com a chácara.” Sem experiência prática na lavoura, Cida tomou uma decisão que mudaria seu caminho: aprender a trabalhar na plantação de cafés.
O recomeço foi difícil. Vieram as primeiras colheitas, seguidas por geadas em 2017 e 2019, que exigiram poda generalizada e paciência. Foi nesse período que descobriu o concurso Café Qualidade Paraná. “Eu falei que a hora que desse café, que a gente tinha feito a poda por causa da geada, eu ia entrar no concurso.” Cumpriu a promessa e encontrou no café especial do oeste paranaense não apenas uma alternativa produtiva, mas um novo sentido de vida.
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Cida participa há três anos consecutivos do concurso Café Qualidade Paraná e, em 2025, foi uma das campeãs na região de Cascavel. “Até então eu não sabia que existia esse concurso. Descobri que podia participar com uma saca e resolvi tentar”, lembra. A produção é pequena, mas os resultados mudaram a relação com o próprio trabalho. “Antes eu vendia na cooperativa. Hoje eu tenho o meu café, com o meu nome.”
O que mais a surpreendeu foi perceber que conseguia alcançar qualidade elevada mesmo fora das regiões tradicionais. “Eu estou conseguindo fazer café especial acima de 80 pontos aqui”, diz a produtora da região dominada pela soja, milho e trigo. Ela reconhece que ainda é uma aprendiz, mas comemora os avanços. “Esse ano mesmo deu chocolate, 82 pontos e alguma coisa.”

O caminho até a xícara, no entanto, é solitário. A assistência técnica é limitada e os recursos financeiros são escassos. “É muito difícil porque não tem muita gente que mexe com café. Eu busco ajuda onde dá, pela internet, com pessoas que eu conheço.” A estrutura da chácara é simples e quase tudo é feito manualmente. “A gente usa roçadeira e bomba costal. É tudo no manual mesmo.”
Mesmo assim, o manejo evoluiu. A colheita passou a ser seletiva e o cuidado com a secagem ganhou atenção. “Antes se catava o café e jogava tudo no chão. Hoje, a gente já separa, seca no terreiro suspenso, dentro das condições que a gente tem e consegue fazer um café bom.”
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Insistir no café em uma região sujeita a geadas frequentes parece, para muitos, uma teimosia. “Eles me chamam de louca”, brinca Cida, ao lembrar que a maioria dos produtores da região cultiva grãos ou se arrisca no tabaco. Para ela, porém, a escolha faz sentido. “Para mim é muito bom, porque eu agrego valor por não ter mais pessoas que mexem com café aqui perto.”
A fé é parte central dessa caminhada. Sem irrigação e com clima imprevisível, o controle é limitado. “A área que a gente toca não tem irrigação, então é tudo na fé mesmo [...] eu já enfrentei várias crises de geada e secas.”
O concurso, segundo ela, tem ajudado nesse processo, oferecendo retorno técnico e histórico da bebida. “Entre os recursos que a gente tem aqui, o que a gente vive está ótimo.”




