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Foto de janeiro de 2024 mostra o então ministro da Previdência, Carlos Lupi (à esquerda), com o então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto (à direira). Ambos perderam os cargos após o escândalo dos descontos fraudulentos e Stefanutto foi preso pela PF. (Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)

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Por algum tempo, parecia que os esforços para encontrar os culpados por uma fraude hedionda cometida contra idosos pobres dariam pouco resultado. O noticiário recente andava pródigo em fatos capazes de desviar a atenção da opinião pública – da COP 30 à megaoperação policial contra o Comando Vermelho no Rio – e a CPMI do INSS continua tendo dificuldades para ouvir aqueles que realmente importam. No entanto, uma nova fase da Operação Sem Desconto mirou peixes graúdos e reacendeu as esperanças de que os brasileiros finalmente saibam como foi possível montar o esquema fraudulento.

Em 13 de novembro, a Polícia Federal prendeu Alessandro Stefanutto, que foi presidente do INSS entre julho de 2023 e abril de 2025, e só foi demitido por Lula após o escândalo da fraude estourar. Além disso, a PF executou outros mandados de prisão e de busca e apreensão – entre os alvos destes últimos estavam José Carlos Oliveira, também conhecido como Ahmed Mohamad Oliveira, ex-ministro do Trabalho e Previdência no governo Jair Bolsonaro; o deputado federal Euclydes Pettersen (Republicanos-MG); e o deputado estadual Edson Araújo (PSB-MA). Segundo a PF, Stefanutto teria recebido propina de R$ 250 mil mensais para permitir os descontos ilegais em aposentadorias e pensões, revertidos à Confederação Nacional de Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer). O ex-presidente do INSS seria o “Italiano” em uma planilha de propinas encontrada com dirigentes da Conafer, e que lembra muito a célebre planilha da Odebrecht, descoberta na Operação Lava Jato.

CPMI do INSS esbarra em profusão de habeas corpus e atestados médicos apresentados por depoentes, e na blindagem feita pelos próprios membros da comissão

O caráter multipartidário da lista de investigados tem sua razão de ser. Desde que o escândalo estourou, sabia-se que o esquema de descontos ilegais havia atravessado três governos: Michel Temer, Bolsonaro e Lula. Também é certo que os valores descontados de aposentados e pensionistas explodiram no atual governo, saltando de R$ 706 milhões em 2023 para R$ 1,2 bilhão em 2023 e R$ 2,8 bilhões no ano passado; a conta só não dá a dimensão exata da fraude porque inclui descontos que de fato foram autorizados pelos aposentados, embora eles sejam uma parcela mínima – 97% dos entrevistados pela Controladoria-Geral da União disseram não ter autorizado desconto algum.

Enquanto a Polícia Federal continua seu trabalho, a CPMI do INSS esbarra em habeas corpus e atestados médicos apresentados por depoentes, e na blindagem montada pelos próprios deputados e senadores que compõem a comissão para proteger pessoas como Frei Chico, irmão do presidente Lula que é vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), uma das entidades que mais lucraram com o esquema de descontos ilegais. Na tentativa de mostrar serviço, os parlamentares prometem investir contra outra vertente do esquema, as práticas abusivas envolvendo empréstimos consignados. Para acrescentar sordidez ao esquema, até bebês estão devendo graças a empréstimos que usam o Benefício de Prestação Continuada (BPC, também pago pelo INSS) como garantia, e que somam R$ 12 bilhões, segundo o atual presidente do INSS, Gilberto Waller Júnior.

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Ao contrário do petrolão, um intrincadíssimo esquema de corrupção envolvendo o petismo, partidos aliados e empreiteiras amigas, o esquema do INSS é bastante simples de entender: os fraudadores roubavam milhões de idosos, forjando autorizações para que se descontasse pequenas quantias de cada um deles, em benefício de sindicatos, associações e entidades participantes do esquema. Ganhava-se na escala: tirando pouco de muitos, foi possível obter bilhões de reais. Mas, assim como na Lava Jato, as ramificações vão surgindo, e agora o escândalo pode chegar à Advocacia-Geral da União: o jornal O Estado de S.Paulo mostrou que o advogado-geral Jorge Messias havia sido alertado pela própria AGU em 2024 sobre indícios graves de desvios no Sindnapi e na Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), tradicional aliada do PT, mas teria ignorado o aviso. Os oposicionistas na CPMI falam em convocar Messias para depor, mas levá-lo à comissão promete ser tarefa tão árdua quanto conseguir o depoimento do irmão de Lula.

À medida que 2026 se aproxima, a blindagem de gente muito próxima ao poder deixa de ser o único risco para as investigações, especialmente as da CPMI, enquanto cresce a possibilidade de que a busca pela verdade seja deixada de lado para dar lugar à disputa pela “paternidade” do esquema, em que um lado acusará o outro de ter deixado roubarem mais. Ainda há muito a descobrir: como a fraude começou, como cresceu, por que as tentativas de impor mecanismos de controle falharam, o que explica o crescimento vertiginoso dos descontos nos últimos anos, quem sabia e se omitiu. Os brasileiros – especialmente os que foram roubados, às vezes por anos – merecem as respostas.