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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante evento da Bloomberg paralelo à COP 30. (Foto: Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda)

Após ser considerado o mais “fiscalmente responsável” membro da equipe econômica do governo Lula – uma avaliação que só poderia ser feita em termos relativos, em comparação com outros integrantes do governo, e nunca em termos absolutos –, Fernando Haddad parece estar abraçando de vez o terraplanismo econômico adotado por seu chefe e por praticamente todo o petismo, no Executivo e no Legislativo. Após dizer, no início de novembro, que as avaliações sobre a crise fiscal eram um “delírio que eu preciso entender do ponto de vista psicológico”, o ministro da Fazenda afirmou, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, que está “louco para ver uma ata do Banco Central dizendo que eu estou fazendo um esforço fiscal relevante”.

Em sua defesa, Haddad citou um dado do FMI divulgado meses atrás, segundo o qual o Brasil teria feito o sexto maior ajuste fiscal do mundo e o terceiro maior entre os emergentes. Mas o ministro omitiu, muito convenientemente, o alerta feito no mais recente Monitor Fiscal da mesma entidade, publicado em outubro, a respeito do descontrole da dívida pública: a Dívida Bruta do Governo Geral fechou 2024 em 87,3% do PIB (os critérios do FMI incluem os títulos em poder do Banco Central); deve subir mais quatro pontos porcentuais apenas este ano, chegando a 91,4% do PIB; e terminará a década perto dos 100% – uma dívida muito superior à média latino-americana e dos países emergentes. Se este é o resultado do “terceiro ajuste fiscal mais ousado do mundo”, como disse Haddad ao Estadão, os outros ajustes é que andam frouxos demais, já que o brasileiro de firme não tem nada.

A incapacidade de enxergar a correlação entre gastança pública, juros altos e inflação é algo inacreditável para quem ocupa o cargo de ministro da Fazenda

Delirante, para usar as palavras do ministro, não é falar em crise fiscal, mas elogiar o arcabouço fiscal como “a legislação mais avançada que já tivemos” e dizer que “este ano e no ano que vem, estou bastante seguro de que vamos cumprir [a meta de déficit primário], com as medidas que estamos tomando”. Até onde se sabe, o único tipo de medida que o governo vem tomando é tentar colocar cada vez mais despesas fora do cálculo oficial do resultado primário, o que fará do déficit primário “oficial” de 2025 uma peça de ficção, já que o resultado real será muito pior.

Não à toa o economista Marcos Lisboa – que já trabalhou com Lula no primeiro mandato – afirmou dias atrás ao Correio Braziliense que “o arcabouço nasceu morto”. “O déficit primário que o governo anuncia hoje, eu confesso que eu nem olho mais. Porque é tão distante do déficit primário verdadeiro que perdeu o sentido”, afirmou Lisboa, acrescentando que o governo apenas “tem usado uma contabilidade criativa para algumas despesas não fazerem parte do limite, e mascarar o tamanho do problema”. E tudo isso, ressalte-se, para atingir no papel o limite inferior de uma meta bastante medíocre, de resultado zero com tolerância de 0,25 ponto porcentual do PIB para mais ou para menos. Meta, aliás, que originalmente era de superávit primário de 0,5% do PIB, mas foi mudada em abril de 2024 – que Haddad venha dizer, agora, que “a área econômica perde a credibilidade quando começa a mudar regra”, é de uma enorme hipocrisia.

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O ministro ainda afirma que o desemprego está nas mínimas históricas, o que é verdade – mas omite que parte do dinamismo do mercado de trabalho se deve ao fato de o governo estar forçando a economia a rodar acima de sua capacidade, e é por isso que o Banco Central tem de esfriá-la por meio de uma política monetária contracionista. Haddad diz que Lula terminará seu terceiro mandato com a menor inflação acumulada em quatro anos desde o Plano Real – mas omite que o IPCA continua acima do limite máximo de tolerância da meta, e que mandatos anteriores sofreram com choques inflacionários extraordinários, ou provocados pela irresponsabilidade dos governos petistas anteriores. A incapacidade de enxergar a correlação entre gastança pública, juros altos e inflação é algo inacreditável para quem ocupa o cargo de ministro da Fazenda.

Mesmo assim, Haddad quer reconhecimento – do Banco Central, do mercado financeiro, da imprensa, de quem for. Mas um ministro que se gaba de ter entregue tudo o que um gastador contumaz como Lula lhe pediu, como afirmou ele ao Estadão, só tem condições de pleitear reconhecimentos bem diferentes daquele que ele gostaria de receber. Um deles ainda está para vir: o de responsável por uma crise fiscal – ainda que ela não estoure em seu colo, mas no de algum sucessor, assim como a crise gestada por Guido Mantega nos governos Lula 2 e Dilma 1 estourou nas mãos de Joaquim Levy. O outro reconhecimento Haddad já conseguiu, estando eternamente consagrado em memes da internet que não deixarão o país se esquecer de um ministro da Fazenda obcecado por elevar impostos para bancar a gastança do chefe.