A filantropia brasileira ainda está em fase de amadurecimento quando comparada ao cenário internacional. (Foto: Larm Rmah/Unsplash )

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O Brasil é um país em que a solidariedade se manifesta de forma intensa, especialmente diante de tragédias e crises. Nessas situações, milhões de pessoas doam, compartilham campanhas e se mobilizam genuinamente, mostrando a importância e o valor dessas iniciativas. Mas, quando a emergência passa, a rotina volta e a doação recorrente, planejada e estratégica praticamente desaparece. Esse é o maior desafio da filantropia brasileira: transformar a doação pontual em cultura.

Os dados mostram essa lacuna com clareza. Segundo a pesquisa Brazil Giving Research 2024, do IDIS, os brasileiros doaram R$ 24,3 bilhões em 2024. O número é relevante, mas está concentrado em situações específicas e em doações não estruturadas. No mesmo período, o estudo internacional coordenado pelo IDIS indicou que, no Brasil, as pessoas doam em média 0,93% da própria renda para causas sociais. Em países com tradição filantrópica mais consolidada, esse percentual é maior, especialmente quando analisamos o comportamento dos grandes doadores.

Se o Brasil deseja reduzir desigualdades, ampliar oportunidades e construir um futuro mais justo, a sociedade precisa assumir seu papel. Filantropia não é um ato isolado. É uma prática cultural. É um compromisso

De acordo com o relatório Effective Philanthropy in Brazil, elaborado pela McKinsey & Company, os grandes filantropos brasileiros direcionam cerca de 0,5% de sua riqueza anual para ações filantrópicas, enquanto, nos Estados Unidos, esse percentual chega a aproximadamente 3% entre os principais doadores. Esse descompasso pode ser explicado por diferenças culturais, incentivos governamentais e tradição histórica. Nos EUA, há uma cultura mais consolidada de doação, com incentivos fiscais robustos e reconhecimento social, além de maior transparência e confiança nas instituições do terceiro setor. Já no Brasil, fatores como menor tradição filantrópica, incentivos fiscais menos atrativos e desafios de governança nas organizações sociais contribuem para a menor participação dos grandes doadores, evidenciando que a filantropia brasileira ainda está em fase de amadurecimento quando comparada ao cenário internacional.

Ao mesmo tempo, levantamentos internacionais, como os da Charities Aid Foundation, mostram que aproximadamente 70% dos brasileiros afirmam ter feito algum tipo de doação ao longo do ano, incluindo desde doações religiosas até apoios informais, sem necessariamente representar investimento social estratégico. O Brasil doa, mas doa de forma fragmentada e com baixa continuidade. Essa dinâmica ajuda no curto prazo, mas impede que a filantropia tenha visibilidade e exerça plenamente seu potencial transformador, de forma planejada e continuada.

É justamente nesse ponto que o Dia de Doar ganha relevância. A data existe para impulsionar a doação estratégica e se tornou, no mundo inteiro, um marco de educação filantrópica. É o dia em que pessoas, empresas e organizações param para se perguntar: qual ou quais causa(s) me movem e quero apoiar de maneira contínua, qual transformação quero promover e qual legado quero deixar para a sociedade. Em países onde o movimento ganhou força, o Dia de Doar ajudou a transformar a percepção da filantropia como parte essencial da vida em comunidade, e não como um gesto ocasional.

No Brasil, estamos no processo de construção. E, para avançar, três princípios são fundamentais: regularidade, estratégia e transparência. Regularidade para que as organizações consigam ter visibilidade e planejamento. Estratégia para que cada real doado produza impactos positivos e mensuráveis. Transparência para promover confiança nas organizações sociais.

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Na Fundação Otacílio Coser, que atua promovendo o desenvolvimento das juventudes, vemos diariamente como o investimento social contínuo cria oportunidades reais, amplia perspectivas e fortalece trajetórias. Cada iniciativa, cada programa de formação e cada parceria com escolas e comunidades evidenciam a importância de uma filantropia consistente.

O Dia de Doar é menos uma data comemorativa e mais uma convocação. É o pedido para que o país trate a filantropia como parte de um pacto coletivo de corresponsabilidade. É o convite para que empresas assumam seu compromisso social e adotem práticas alinhadas às demandas da sociedade. É a oportunidade para que indivíduos passem a incluir a doação no planejamento financeiro pessoal, assim como fazem com saúde, educação ou aposentadoria.

Se o Brasil deseja reduzir desigualdades, ampliar oportunidades e construir um futuro mais justo, a sociedade precisa assumir seu papel. Filantropia não é um ato isolado. É uma prática cultural. É um compromisso. É um projeto de país.

Bernadette Coser de Orem é presidente do Conselho da Fundação Otacílio Coser.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos