Licença paternidade lei
Se confirmada no Senado, licença-paternidade pode chegar a 20 dias em 2029. Empresas não precisarão arcar com custos (Foto: Gemini)

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Há alguns meses assisti a um trecho de uma conferência de um dos principais palestrantes sobre paternidade do Brasil em que ele, que também é empresário, contava que concedeu licença-paternidade de um ano para um dos seus funcionários. Sem nenhuma contrapartida, apenas um ano de licença remunerada.

"O cara que trampa comigo, Douglas, falou: ‘vou ser pai do Miguel'. Eu olhei para ele e falei: 'Então eu vou fazer na nossa empresa o que eu quero que aconteça no mundo. Um ano de licença-paternidade para você cuidar do Miguel’. E por um ano ele ficou cuidando do Miguel, e os dois estão colados, e o Miguel se desenvolve muito mais. É lindo quando a gente usa a nossa empresa para mudar o mundo", disse ele.

O Brasil é formado majoritariamente por pequenas empresas e, segundo números do Sebrae, 7 a cada 10 empreendedores não ganham mais do que dois salários-mínimos. Ou seja, essa visão fantasiosa de que empresários deveriam bancar vários meses de licença-paternidade poderia facilmente levar milhares de negócios brasileiros à falência.

Felizmente o projeto de lei aprovado no último dia 4 na Câmara dos Deputados, que regulamenta a licença-paternidade no país, nada tem a ver com colocar todo o peso nas costas dos empresários brasileiros, já atolados em altos impostos, burocracias, instabilidades e crises econômicas sem fim.

O que diz o texto sobre licença-paternidade

O projeto de lei ainda precisa ser analisado no Senado, mas segundo o texto atual, os cinco dias de licença-paternidade que pais contratados em regime CLT tinham direito passarão, progressivamente, a 20. Em 2027, primeiro ano de vigência da lei, o período seria ampliado para 10 dias; em 2028, para 15; e em 2029, para 20 dias.

Quanto aos custos, o financiamento caberá ao INSS. Ou seja, a empresa paga o salário integral durante a licença-paternidade, depois desconta esse valor das contribuições previdenciárias – o mesmo mecanismo usado no salário-maternidade.

No fim das contas, a empresa terá somente o custo operacional, ou seja, terá que repor a equipe durante mais tempo do que os atuais cinco dias, mas não haverá gasto financeiro direto com pagamento de salário-paternidade durante a licença.

Dito isso, como conservador, fiquei impressionado com a reação crítica de muitos conservadores a essa iniciativa. Há, sim, custo aos cofres públicos, mas é um custo que gera benefícios diretos às famílias.

Não estamos falando de dinheiro gasto para propaganda de políticos ou para inflar salários e benefícios da elite do serviço público, mas de um raro bom retorno à sociedade das toneladas de impostos que pagamos. No meu primeiro artigo sobre paternidade aqui na Gazeta do Povo, falei sobre a preciosidade da presença do pai e da mãe na primeira infância, dos 0 aos 5 anos. A ciência mostra que estar perto nessa etapa inicial vale ouro!  

O conservador acerta ao desejar uma sociedade com famílias que tenham um número de filhos maior – ao menos acima da chamada “taxa de reposição”, isto é, a média de filhos que cada mulher precisa ter para que a população de um país se mantenha estável ao longo do tempo, sem crescer nem diminuir. 

A própria Bíblia, que sob vários aspectos ilumina o pensamento conservador, é clara quanto a isso: “Deus abençoou o homem e a mulher e lhes disse: ‘Sejam férteis e multipliquem-se’”, diz o primeiro capítulo do livro de Gênesis.

Por que, então, quando finalmente um projeto de lei pode, de fato, contribuir para que pais passem mais tempo junto dos filhos recém-nascidos, ainda assim criticamos? Explico a seguir minhas hipóteses.

O homem conservador frequentemente tem uma visão distorcida da sua função

Penso que muita dessa resistência tenha a ver com um aspecto cultural muito negativo enraizado em alguns conservadores, de que o homem está isento do cuidado com os filhos. Esse cuidado não é só trocar fraldas ou dar banho, mas estar presente e fazer com que esse recém-nascido sinta desde o primeiro dia que é amado pelo seu pai e pela sua mãe.

Estar por perto é um privilégio. Mas a verdade é que em momentos de estresse, é típico de muitos homens mergulhar em trabalho. Se em ocasiões estressantes a mulher tende a exibir mais traços de sensibilidade, nós silenciamos e trabalhamos mais e mais. Ou seja, o trabalho é o escape perfeito das agruras da vida – e os primeiros dias e semanas de um recém-nascido são, de fato, muito difíceis.

Choros intermináveis, fraldas e mais fraldas, poucas horas de sono, pai e mãe exaustos por dormir pouco... Nessas horas o homem covarde dá um jeito de se esconder, às vezes no próprio trabalho. Continuar trabalhando, e trabalhar até mais tarde, para esses é o melhor possível. Lá não tem choro, não tem esposa mal-humorada porque dormiu mal, não precisa acalmar o bebê que parece que tem quatro pulmões.

O homem de verdade prefere andar no inferno, se for preciso, para aliviar o fardo dos que dependem dele. Essa postura é muito diferente da do covarde, que se sente confortável vendo o mundo cair desde que ele não esteja sendo atingido.

É claro que há casos e casos. Um autônomo ou um empresário, que não tem direito à licença-paternidade, infelizmente terá mais dificuldades em acompanhar a família nesses dias desafiadores. Mas se mais pessoas podem, por que a indignação?!

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Pais presentes nas primeiras semanas podem evitar riscos à mãe e ao bebê

Ainda sobre isso, há inúmeros casos de mães de recém-nascidos estressadas ou mesmo sob depressão pós-parto, que em casos mais graves podem chegar a rejeitar o bebê. Uma das consequências mais extremas disso é a “Síndrome do Bebê Sacudido”, uma forma grave de violência contra crianças pequenas, geralmente menores de dois anos, causada por sacudir o bebê com força.

Muitas mães, esgotadas pelo cansaço, pelas poucas horas de sono e pelas alterações hormonais, têm reações atípicas que podem comprometer o bebê por toda a vida. É claro que se trata de uma exceção, mas o pai mais presente pode aliviar o fardo de todos, proteger o bebê em casos extremos e garantir que as coisas caminhem melhor. É fácil? Não. Mas estamos falando de um período relativamente curto em que isso será determinante.

Em paralelo, a experiência traumática de uma mãe abandonada nos primeiros meses pode eliminar ali mesmo qualquer possibilidade de ter mais filhos – o que nós, como conservadores, via de regra gostaríamos de evitar.

Políticas públicas que beneficiam a família são uma raridade

Por fim, nada é perfeito, ainda mais quando se envolve política. O governo quer faturar em cima da licença-paternidade, sabemos. Senadores devem cozinhar o projeto de lei até o próximo ano, que é eleitoral, para também faturar politicamente.  

Mas em tudo isso, vejo pontos positivos nessa regulamentação: é uma rara política pública com grande potencial de beneficiar a família (o que não estamos acostumados a ver) e que não vai colocar a corda no pescoço dos empresários para isso.

Finalmente, não importa de onde veio o projeto de lei ou quem vai faturar em cima da licença-paternidade. Às vezes precisamos simplesmente ser mais pragmáticos do que torcedores apaixonados. E, sem dúvidas, o principal favorecido em tudo isso são os recém-nascidos – os mais vulneráveis, que estão em uma fase da vida em que a presença materna e paterna é absolutamente crucial.