Paulo Gonet apresenta graves parcialidades na condução da PGR (Foto: Jose Cruz/Agência Brasil)

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Paulo Gonet foi reconduzido ao cargo de procurador-geral da República (PGR) na última quarta (12) com a menor margem de aprovação desde a redemocratização por 45 votos a 26 (apenas quatro acima do mínimo necessário). O processo de recondução trouxe à tona críticas sobre a conduta do chefe do Ministério Público (MP).

O mandato do PGR tem duração de dois anos, renovável por igual período mediante nova indicação do presidente da República e aprovação do Senado, conforme determina a Constituição. 

Mas, embora aprovado na sabatina, Gonet perdeu 20 votos em relação à indicação de 2023, o que prova o desgaste político associado à sua atuação em processos nos quais se esperava que o MP agisse com imparcialidade, em vez de simplesmente acatar a orientação do STF.  

Sua proximidade com a Corte é tanta que Donald Trump sancionou o PGR, suspendendo seu visto para os Estados Unidos por violação de garantias individuais. 

Para refrescar a memória do leitor, abaixo listamos oito momentos em que a PGR, sob o comando de Gonet, deixou de observar a imparcialidade esperada para a função. 

1. Atuação nos inquéritos do 8 de Janeiro (2023) 

Logo após assumir a PGR, Paulo Gonet passou a atuar nos desdobramentos dos inquéritos relativos aos atos de 8 de janeiro. 

Ainda que as primeiras denúncias em massa, apresentadas sem a devida individualização das condutas, tenham ocorrido ainda sob Augusto Aras (indicado por Bolsonaro), a troca no comando da PGR não alterou o rumo dos processos. Com Gonet, esse vício de origem foi mantido, resultando em uma série de condenações desproporcionais. 

Houve raros acertos, como o parecer pela liberdade provisória de Cleriston Pereira da Cunha, o Clezão. Moraes ignorou a manifestação, e Clezão (que tinha vários problemas de saúde) morreu na Papuda dois meses depois do pedido da PGR. 

No conjunto, a procuradoria manteve o endosso às medidas mais duras, insistindo na condenação de centenas de manifestantes por crimes sem qualquer prova concreta. 

A parcialidade de Gonet: A PGR atuou de forma subordinada ao STF, sem questionar irregularidades como uso de provas genéricas, a ausência de individualização das condutas e as prisões prolongadas antes do julgamento. 

2. Perseguição à família Mantovani (2024)

A postura de Gonet em apoiar ações contra críticos do STF (frequentemente tratados como “golpistas”) também ficou evidente no episódio envolvendo a família Mantovani no aeroporto de Roma. 

A Polícia Federal havia concluído o inquérito sem indiciar ninguém, mas Gonet pediu a reabertura das investigações, a serem conduzidas por outro delegado, e que chegou a novas (mas não surpreendentes) conclusões. O novo investigador viu indícios de calúnia, embora as imagens do aeroporto não tivessem áudio. 

Após essa reviravolta, a PGR finalmente apresentou denúncia. No fim, o caso só foi arquivado depois que a família decidiu se retratar publicamente.

A parcialidade de Gonet: A reabertura de um inquérito já concluído, com troca de delegado e mudança repentina na interpretação das provas, pareceu conveniente aos interesses de Moraes. Sem áudio, não havia como verificar o teor das falas, o que é essencial em crimes de calúnia. Ainda assim, a PGR insistiu na denúncia. 

3. Ausência de ação diante das denúncias de Eduardo Tagliaferro (2024) 

Em 2024, o servidor Eduardo Tagliaferro, ex-assessor de Moraes, apresentou denúncias de supostas irregularidades atribuídas ao ministro. 

Em vez de investigar o conteúdo, a PGR denunciou o próprio Tagliaferro por violação de sigilo, coação no curso do processo e outros crimes, incluindo tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. 

A parcialidade de Gonet: Ele ignorou o teor das denúncias que mencionavam abuso de autoridade e fraude processual, e concentrou-se em punir o denunciante, preservando automaticamente o ministro. Tampouco tomou medidas para verificar a autenticidade dos documentos apresentados. 

4. Falta de reação institucional às decisões monocráticas do STF (2024) 

A PGR, sob Gonet, não reagiu às reiteradas decisões monocráticas de Moraes que atingiam prerrogativas do Ministério Público Federal, como condução direta de investigações, exclusão do MPF de fases decisórias e adoção de medidas judiciais sem manifestação prévia do órgão acusador. 

A parcialidade de Gonet: Ao permitir que o STF assumisse funções típicas da PGR, Gonet reduziu o papel constitucional do órgão e abriu mão de contestar decisões que, segundo juristas, extrapolavam a competência da Corte. 

5. Suspensão do X (2024)

Mesmo que muitos bloqueios de perfis tenham sido ordenados diretamente por Moraes de forma monocrática e sem participação da PGR, Gonet foi favorável à suspensão do X no Brasil, em agosto de 2024. 

No julgamento sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet, ele manteve a posição de Augusto Aras em defesa do “dever de cuidado”, que transfere às plataformas a responsabilidade de remover preventivamente conteúdos “problemáticos”, ainda que lícitos. 

A parcialidade de Gonet: O Marco Civil exige ordem judicial específica para remoção de conteúdo, protegendo a liberdade de expressão. A tese do “dever de cuidado” distorce esse equilíbrio e abre espaço para censura prévia. Além disso, ao defendê-la, Gonet endossou uma interpretação em que o poder judicial se sobrepõe à previsão legal e ao direito da livre manifestação de pensamento.

6. Omissão no caso dos irmãos acusados de ameaçar Moraes (2024)

O caso do fuzileiro naval Raul e seu irmão Oliverino de Oliveira aconteceu em 2024, quando a PF os prendeu por supostas "ameaças" à família de Moraes. Segundo a apuração da PF, os e-mails partiram de computadores pessoais e tinham conteúdo agressivo, com linguagem violenta e ameaças explícitas.

Em 2025, o advogado dos irmãos expôs na defesa que a PGR não ofereceu denúncia, mesmo assim a prisão foi solicitada por Gonet.

Posteriormente, a PF indiciou ambos, enquanto Moraes (vítima no caso) declarou-se impedido apenas parcialmente, apenas para o crime de perseguição e ameaça. Mas, em relação ao suposto crime de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, o caso segue com Moraes.

Eles permaneceram por um ano no Complexo Penitenciário da Papuda, no Distrito Federal. Depois, passaram à prisão domiciliar. O caso continuou mal contado e a investigação tramita sob sigilo.

“O inquérito tramita há meses e, até agora, não há elementos consistentes que vinculem meus clientes ao envio dessas mensagens. O que temos são suspeitas frágeis baseadas em elementos questionáveis”, disse o advogado ainda em 2024. “Eles sempre colaboraram com as investigações e esperam que a verdade prevaleça. Essa prisão foi injusta desde o início.”

A parcialidade de Gonet: A PGR ignorou o conflito de interesse de Moraes no processo, já que o próprio ministro, vítima do suposto crime, continuou como relator em crimes correlatos contra os mesmos investigados. O rigor do caso contrasta com a falta de ação em outros episódios.

7. O caso do suposto golpe (2025) 

No “processo do golpe”, a PGR denunciou o ex-presidente Bolsonaro e outros investigados com base quase exclusiva na delação de Mauro Cid, marcada por contradições e obtida sob forte pressão, inclusive sobre familiares. 

A acusação continha ao menos 13 nulidades e dependia de interpretações políticas de reuniões e mensagens, sem provas materiais. 

Gonet ainda sustentou uma tese considerada absurda no caso do ex-assessor Filipe Martins, alegando fraude em uma viagem aos EUA que nunca ocorreu, argumento usado por Moraes para mantê-lo preso até hoje. 

 A parcialidade de Gonet: A PGR acolheu integralmente a narrativa do STF, sem apresentar elementos autônomos e sem levar em conta os indícios de que o tribunal estava agindo politicamente.

8. Tentativa de blindagem institucional do STF no tema do impeachment (2025)

Em outubro deste ano, a PGR enviou ao STF uma manifestação defendendo que somente o PGR deve ter autonomia para apresentar denúncias por crime de responsabilidade contra ministros da Corte.

A posição confronta a Lei nº 1.079/50, que permite que qualquer cidadão protocole pedido de impeachment no Senado. No documento, Gonet afirma que essa regra não teria sido “recebida” pela Constituição de 1988 e propõe que a legitimidade seja exclusiva da PGR.

Ele também sustentou que atos jurídicos (como votos, decisões ou inquéritos) não configuram crime de responsabilidade, classificando os inúmeros pedidos de impeachment apresentados contra ministros como manifestações “retaliatórias”. Até outubro de 2025, 78 pedidos estavam em tramitação no Senado, número usado por Gonet como sinal de “banalização do instrumento”.

A parcialidade de Gonet: A tentativa de bloquear os instrumentos de controle cabíveis contra excessos de ministros do STF alinha-se aos interesses da própria Corte. A proposta reduz a fiscalização democrática e evidencia a proximidade da PGR com o Supremo.

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