Gavin Newson: governador da Califórnia quer ser o anti-Trump.
Gavin Newson: governador da Califórnia quer ser o anti-Trump. (Foto: EFE/EPA/CAROLINE BREHMAN)

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Donald Trump pode ter encontrado um adversário de peso: o governador do estado mais rico dos Estados Unidos, a Califórnia.

Com forte presença nas redes sociais, retórica agressiva e firme alinhamento às pautas mais progressistas, Gavin Newsom ganhou popularidade entre os eleitores e políticos democratas. O governador é cotado como principal nome do Partido Democrata para a corrida eleitoral de 2028. O atual presidente não pode concorrer a um terceiro mandato, mas Newson tem feito do discurso anti-Trump uma forma de se posicionar contra quem quer que seja o republicano escolhido para a disputa.

Como parte deste plano, Newsom veio ao Brasil para participar da COP30 e aproveitou o espaço para criticar Trump por não ter vindo ao evento e nem enviado representantes. Além disso, os dois participam de uma guerra que está redesenhando o mapa eleitoral dos Estados Unidos e pode ser determinante para a governabilidade de Trump e a definição do próximo presidente americano.

Mas quem é esse governador californiano que ganha cada vez mais espaço no ambiente digital e que tem insistentemente batido de frente com Trump?

Família e amigos influentes

Newsom nasceu em 1967, em São Francisco, Califórnia, e integra a quarta geração da família a viver nessa que é uma das mais importantes cidades do oeste americano. Seu pai era juiz e tinha laços estreitos com a famosa família Getty, dona de uma fortuna bilionária graças a um negócio de sucesso no ramo petrolífero. 

Apesar de lutar com a dislexia na infância, Newsom se destacava nos esportes e conseguiu uma bolsa para cursar o ensino superior na Universidade de Santa Clara, onde obteve o título de bacharel em Ciência Política em 1989. Após a faculdade, ele abriu uma loja de vinhos. Graças ao generoso apoio financeiro da família Getty, o empreendimento se transformou no PlumpJack Group, que administrava restaurantes, hotéis e vinícolas em todo o país.

Após ganhar muito dinheiro nos empreendimentos, Newsom passou a se interessar por política. Seu pai era amigo de John Burton, líder do Senado do Estado da Califórnia, que recomendou o jovem ao prefeito de São Francisco, Willie Brown. Assim, Newsom foi nomeado comissário de Trânsito e Estacionamento e, em seguida, assumiu uma cadeira no Conselho de Supervisores.

Prefeitura de São Francisco

Em 2003, ao fim do mandato de Brown, Newsom concorreu à prefeitura de São Francisco com discurso que enfatizava o problema dos sem-teto na cidade, investimento em escolas e combate à corrupção. Financiado pela família Getty, obteve apoio político de Bill Clinton e Al Gore e conseguiu a vitória nas urnas. Venceu com 53% dos votos. 

Ele chamou a atenção do país já em seus primeiros dias no cargo, quando nomeou mulheres para os cargos de Chefe de Polícia e Chefe do Corpo de Bombeiros e contratou um chefe de gabinete abertamente gay. Mas sua medida mais comentada como prefeito foi a liberação do casamento entre pessoas do mesmo sexo, o que ia contra a legislação estadual da época. Nas semanas seguintes, os tribunais da Califórnia revogaram as licenças de casamento, anulando as uniões realizadas pelo poder municipal. Apesar das críticas e contramedidas, Newsom ganhou popularidade entre os progressistas por sua gestão liberal e ainda viu o casamento homossexual ser legalizado em todo o país em 2015.

No âmbito da economia, ele também se mostrou um político de forte inclinação à esquerda. Criou o Healthy San Francisco, um programa que fornece assistência médica universal aos residentes da cidade. Durante uma greve de trabalhadores do setor de hotelaria contra alguns hotéis da cidade, Newsom se juntou aos grevistas em piquete e prometeu boicotar os hotéis se não concordassem com as demandas dos trabalhadores.

Governo conturbado

Em 2010, Newson tentou se lançar candidato ao governo da Califórnia, mas, diante dos números baixos de apoio, retirou-se da disputa principal e concorreu como vice-governador. Ele foi eleito e permaneceu no cargo por dois mandatos, até 2018. Nesse período, começou a apresentar um programa de TV e ampliou seu trabalho em frentes políticas bastante progressistas: defendeu o fim da pena de morte no estado e apoiou ativamente a legalização do uso e do cultivo de maconha para os californianos com mais de 21 anos. 

Em 2019, o democrata assumiu o governo da Califórnia e tem enfrentado um mandato tão conturbado quanto polêmico. Ele recebeu críticas pela rigidez com que administrou as medidas restritivas durante a pandemia da Covid-19 e quase se enforcou politicamente ao ser flagrado quebrando as regras de restrição durante um jantar num restaurante em novembro de 2020. A oposição chegou a organizar uma tentativa de destituição, mas Newsom conseguiu se manter no poder.

Apesar dos eleitores da Califórnia terem recusado em 2016 a proposta de acabar com todas as penas de morte do estado e transformá-las em prisões perpétuas, Newsom suspendeu as penas capitais do estado pelo período em que estivesse no poder. A medida levou ao fechamento da câmara de execução na prisão de San Quentin. “É um sistema racista”, opinou o governador. “Isso está perpetuando a desigualdade. É um sistema que não posso, em sã consciência, apoiar.”

Sua administração também proibiu que os policiais usassem técnicas de estrangulamento em suas abordagens, aumentou a idade mínima de ingresso na corporação e obrigou os agentes a intervir em casos de uso de força excessiva. Apesar do discurso moralizante, a violência no estado alcançou índices assustadores. Em Oakland, por exemplo, cidade que é vizinha de São Francisco, o número de furtos ocorridos aumentou 99% entre 2020 e 2023, os roubos de veículos motorizados subiram 72%, os assaltos cresceram 53% e os homicídios tiveram um aumento de 16%.

Sob a gestão de Newsom, a Califórnia ampliou os programas assistencialistas, mas recebe críticas constantes porque grande parte dos beneficiários não se tornam autossuficientes. Hoje, um quarto dos californianos vive na pobreza. Soma-se a isso a falta de moradias acessíveis. Muitas leis de zoneamento impedem a construção de habitação multifamiliar (apartamentos, por exemplo), privilegiando casas unifamiliares em áreas ricas, o que limita a criação de moradias mais baratas.

A Califórnia também concentra uma parcela desproporcional de pessoas em situação de rua: apesar de ter cerca de 10% da população dos EUA, abriga mais de 25% das pessoas sem moradia, segundo dados do estado. São mais de 180 mil moradores de rua, que ocupam calçadas e dormem em carros ou acampamentos públicos.

Desde que Newsom assumiu o governo, a Califórnia adotou leis que a transformam em um “santuário” para o aborto e a transição de gênero, protegendo pacientes, profissionais e famílias contra ações judiciais vindas de estados onde esses procedimentos são restritos. Isso inclui impedir extradições, bloquear cooperação policial ou judicial com investigações externas e garantir que decisões de outros estados não tenham efeito local.

O tema tornou-se um dos pontos mais polarizadores da política californiana.

Disputa com Trump

Newsom despontou como um dos principais nomes entre os democratas para concorrer à Casa Branca nas próximas eleições presidenciais, o que explica o posicionamento mais agressivo que adotou em relação a Donald Trump. Com um tom provocador, o governador constantemente ironiza o presidente americano nas redes sociais, utilizando largamente memes para criticar as políticas federais.

Até os perfis do gabinete do governo estadual são utilizados para atacar e desmoralizar a atuação de Trump nos mais diferentes assuntos. Recentemente, o perfil do gabinete publicou uma imagem gerada por inteligência artificial que mostra Trump engatinhando no chão com uma coleira sendo guiado por Vladimir Putin, como se o presidente americano estivesse sendo tratado como um cachorro pelo líder russo.

Um dos pontos de maior atrito entre os dois é o tema da imigração. Em junho, manifestantes se mobilizaram em massa contra as batidas migratórias federais do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês), o que gerou confrontos com a polícia e desencadeou protestos por toda a cidade. Para conter a situação, Trump autorizou a mobilização de 2 mil membros da Guarda Nacional e 700 fuzileiros navais. Ele disse ser uma medida necessária para proteger prédios federais e agentes.

Newsom, por sua vez, classificou a operação como ilegal e imoral, dizendo que foi uma decisão unilateral para criminalizar a oposição política e fabricar caos. Ele entrou na Justiça para barrar o envio das tropas federais, argumentando que Trump violou a autoridade estadual ao assumir controle sobre a Guarda Nacional sem seu consentimento. O “czar da fronteira” de Trump, Tom Homan, sugeriu que Newsom ou a prefeita de Los Angeles, Karen Bass, poderiam ser presos se obstruíssem as ações de imigração.

A disputa ganhou novos desdobramentos jurídicos e institucionais: um juiz federal está avaliando se a mobilização militar violou a lei — e Newsom alega que os atos de Trump representam uma usurpação de poder. Enquanto isso, Trump chegou a apoiar verbalmente a ameaça de prisão contra Newsom, algo que Newsom interpretou como um sinal de autoritarismo. 

Nesta semana, Gavin Newsom aproveitou a ausência do presidente americano na COP30, em Belém, para estar presente e criticar a administração Trump. Ele afirmou que os EUA estão “abandonando as pessoas e o planeta” e prometeu que seu estado seguirá com as políticas de investimento em energia limpa.

Durante a conferência, Newsom assinou memorandos de entendimento com o estado do Pará, além da Colômbia e do Chile, para fortalecer cooperação em questões ambientais. As declarações de Newsom na conferência climática devem inflamar ainda mais a disputa com o governo federal, especialmente na reconfiguração do mapa eleitoral americano: a Califórnia tenta aprovar uma reorganização dos distritos eleitorais que dará cinco novas cadeiras para os democratas nas eleições legislativas depois que o Texas fez o mesmo, mas beneficiando os republicanos. 

Enquanto isso, Newsom volta para a Califórnia e tem que lidar com a prisão de sua ex-chefe de gabinete, indiciada em 23 acusações de fraude. Ela é suspeita de ter desviado mais de US$ 225 mil de uma campanha política inativa para uma conta pessoal, além de declarar falsamente mais de US$ 1 milhão em deduções comerciais que na verdade foram gastos em viagens, resorts e artigos de luxo. Esse não seria o primeiro escândalo da gestão Newson, que teve que lidar com mais de US$ 20 bilhões desviados do sistema de seguro-desemprego do estado em esquemas fraudulentos durante a pandemia. 

O contraste entre a retórica de Newsom e os problemas cada vez mais graves da Califórnia levanta dúvidas sobre seu real preparo para liderar o país. Enquanto tenta se firmar como opositor de Trump e voz global do progressismo, enfrenta escândalos internos, crises sociais persistentes e acusações de má gestão em áreas essenciais. Sua presença na COP30 e os ataques constantes à administração federal rendem manchetes, mas não resolvem os desafios domésticos que se acumulam. Se pretende disputar a Casa Branca, Newsom terá de convencer os americanos de que pode governar algo maior do que o próprio estado — e que seu estado está, de fato, sob controle.