orçamento 2026
Legislativo avança ainda mais sobre orçamento e governo ganha margem para gastar ainda mais fora da conta da meta fiscal. (Foto: Marcelo Andrade/Arquivo Gazeta do Povo.)

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Na quinta-feira, dia 4 (ou seja, quase cinco meses depois do prazo legal), o Congresso Nacional aprovou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026, etapa necessária para que, provavelmente nesta semana que se inicia, o Legislativo aprove a Lei Orçamentária Anual (LOA) sem muitos problemas. Afinal, governo e Congresso, que passaram os últimos tempos em relação conturbada, se entendem com certa facilidade quando o assunto é usar e abusar do dinheiro do pagador de impostos brasileiro. O resultado é um novo conjunto de regras conveniente para todos os que hoje detêm mandato e submeterão seu nome ao escrutínio do eleitor em outubro do ano que vem.

Os congressistas conseguiram o que queriam ao inflar ainda mais a parte do orçamento destinada ao pagamento de emendas – que passaram de R$ 40 bilhões este ano para R$ 52 bilhões em 2026. Além disso, ainda impuseram uma regra que obrigará o governo federal a pagar 65% das emendas individuais, de bancada e “emendas Pix” no primeiro semestre, garantindo que os autores dessas emendas tenham algo a exibir a seus eleitores durante a campanha. No melhor estilo de quem cria dificuldades para vender facilidades, o Centrão afirmou ter votos para obrigar o pagamento de 100% das emendas, forçando o governo a negociar e aceitar a nova porcentagem.

Um orçamento disfuncional já seria ruim o suficiente; quando a disfuncionalidade se torna hábito cultivado ao longo de anos, no entanto, o resultado é catastrófico

Tanto o aumento do valor total das emendas quanto o calendário de pagamento são absurdos, mas isso não pode nos fazer perder de vista que o próprio instituto das emendas parlamentares, como aplicado no Brasil, é uma aberração. A título de comparação, em nenhum país da OCDE o parlamento tem controle de uma parcela tão grande quanto no Brasil – e em quase todos eles não existe a possibilidade de o parlamentar determinar o destino exato do dinheiro. Quanto mais o Legislativo avança sobre a parte do orçamento de destinação livre (ou seja, o dinheiro que já não está “carimbado” por alguma obrigação legal), mais o governo se vê amarrado, incapaz de executar o programa que apresentou nas eleições e que saiu vencedor nas urnas – uma observação que se aplica a governos de qualquer preferência político-ideológica: hoje a “vítima” dessa voracidade é o petismo, mas caso a direita vença em 2027 terá o mesmíssimo problema.

Lula, no entanto, não tem do que reclamar. No papel, há uma meta de superávit primário de 0,25% do PIB (o equivalente a R$ 34,3 bilhões), com tolerância de 0,25 ponto porcentual para cima ou para baixo – ou seja, a meta estaria cumprida mesmo com resultado primário zero. Contrariando a recomendação do Tribunal de Contas da União, o Congresso ainda permitiu, na LDO, que os eventuais (e inevitáveis) cortes que precisem ser feitos ao longo do ano tenham como objetivo perseguir o limite inferior da banda de tolerância, e não a meta propriamente dita.

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E, de qualquer forma, a meta é ficção pura. Executivo, Legislativo e Judiciário têm trabalhado juntos desde o início da vigência do arcabouço fiscal para excluir cada vez mais despesas da conta oficial. O resultado é um déficit primário real muito maior que o rombo anunciado oficialmente. E a lista de exceções abertas por deputados e senadores continua crescendo: a bola da vez é o rombo bilionário das estatais, especialmente o dos Correios, que enfrentam enormes dificuldades para levantar um empréstimo de R$ 20 bilhões com o objetivo de enxugar gelo, e agora poderão perder mais R$ 10 bilhões no ano que vem sem que o prejuízo entre na conta da meta das estatais – um cálculo separado da meta de resultado primário.

Um orçamento disfuncional já seria ruim o suficiente; quando a disfuncionalidade se torna hábito cultivado ao longo de anos, no entanto, o resultado é catastrófico. No curto prazo, Lula pode “fazer o diabo” para ganhar a reeleição, gastando o que o país tem e o que não tem, e os parlamentares terão controle sobre mais dinheiro para converter em votos nos seus currais eleitorais. No médio e longo prazo, a dívida pública continuará em disparada, como tem ocorrido desde que Lula subiu a rampa do Planalto, abalando a credibilidade do país, gerando inflação e juros altos, e tornando futuros ajustes mais difíceis e dolorosos (como bem sabem os argentinos).