
O Brasil foi apresentado a Jorge Messias em março de 2016, quando o conteúdo de uma interceptação telefônica do então ex-presidente Lula, autorizada pela Justiça, foi divulgado também com permissão judicial. Lula, investigado pela Lava Jato, conversava com a então presidente Dilma Rousseff sobre o plano de nomeá-lo ministro-chefe da Casa Civil como forma de tirar seu caso das mãos de Sergio Moro e levá-lo para o STF, em um caso escancarado de desvio de finalidade. “Seguinte, eu tô mandando o ‘Bessias’ junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?”, disse Dilma, mencionando o então subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil. Agora, se tudo continuar dando errado e se o Senado não fizer o que se espera dele, em um futuro próximo o país haverá de se referir ao “Bessias” como ministro do Supremo Tribunal Federal.
Messias é o segundo advogado-geral da União indicado por Lula para o Supremo – e nem o presidente, nem o petismo podem reclamar do primeiro deles, que passou da AGU ao STF em 2009. No mensalão, Dias Toffoli resolveu participar do julgamento mesmo tendo trabalhado para um dos principais acusados, José Dirceu; seus votos naquela ocasião levaram a um desfecho bastante favorável aos mensaleiros, com absolvições e penas menores para os condenados. Quando Dirceu caiu novamente, desta vez na Lava Jato, Toffoli sacou um habeas corpus de ofício (sem que a defesa o tivesse pedido) para tirar o ex-chefe da cadeia. E, mais recentemente, o ministro tem se dedicado com afinco à reescrita da história de toda a operação, anulando provas, julgamentos e sentenças baseado em uma fantasia que envolve conluios e coações inexistentes.
Aceitar alguém com o currículo e as opiniões de Jorge Messias no STF significa validar um projeto de poder liberticida de longa duração
Tanto o caso de Toffoli quanto os de todas as indicações para o STF feitas por Lula (e avalizadas pelos senadores) neste terceiro mandato – seriam duas, mas Luís Roberto Barroso se aposentou antes de completar 75 anos – mostram que o petista não enxerga o Supremo como instituição independente, mas como apêndice das próprias vontades. As indicações para a corte não se baseiam em reputação ilibada e notável saber jurídico, como manda a Constituição, mas em critérios pessoais, como afinidade ideológica e gratidão, para que Lula tenha no STF a base aliada robusta que lhe falta no Congresso. Cristiano Zanin ganhou a vaga por ter sido o advogado pessoal do petista na Lava Jato; Flávio Dino, até então ministro da Justiça, tem ajudado a garantir vitórias do governo em vários assuntos. E Messias, na AGU, já demonstrou estar muito alinhado com o projeto autocrático do petismo, especialmente em temas como a liberdade de expressão.
Foi na gestão de Messias que a AGU criou uma Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia (PNDD) com o objetivo de “enfrentar a desinformação”; o órgão compõe a enorme estrutura apelidada de “Ministério da Verdade”, unindo Executivo e Judiciário na perseguição política de opositores – um outro componente dessa estrutura, a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE, está no epicentro das denúncias da Vaza Toga. A PNDD perseguiu jornalistas que criticaram a ação do governo federal durante as enchentes no Rio Grande do Sul, e processou a produtora Brasil Paralelo no caso que levou à censura de um documentário sobre Maria da Penha, cujo caso levou à criação de uma lei contra a violência doméstica. Messias também tem sido um defensor enfático da chamada “regulação das mídias sociais”, um eufemismo para a censura (ou autocensura) do que é publicado na internet e que possa desagradar militantes políticos ou identitários.
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A atuação liberticida de Messias já seria suficiente para inviabilizar sua nomeação para uma corte que tem a função de proteger a Constituição e as garantias e liberdades democráticas; o caráter evidentemente pessoal da escolha de Lula também é um forte indicador de que a indicação não cumpre os requisitos constitucionais. Mas, além disso, enviar ao Senado a nomeação de Messias neste momento é de uma enorme imprudência, ou arrogância: afinal, o advogado-geral tem explicações a dar sobre a omissão da AGU no escândalo do roubo dos idosos beneficiários do INSS, já que, segundo apuração do jornal O Estado de S.Paulo, desde 2024 a AGU tinha conhecimento dos fortes indícios de fraude, envolvendo o sindicato do qual o irmão de Lula é vice-presidente, e não fez nada até o escândalo estourar, meses atrás.
Quando o tema é a composição do Supremo, o Senado já falhou com o Brasil duas vezes neste terceiro mandato Lula, ao aprovar os nomes de Zanin e Dino; não pode falhar uma terceira vez, ao analisar a indicação de Messias ao STF. O presidente da casa, Davi Alcolumbre, está descontente, pois preferia ver seu colega Rodrigo Pacheco assumindo a cadeira deixada por Barroso; ele pode atrapalhar o processo de indicação, como já fez em 2021, quando presidia a Comissão de Constituição e Justiça, segurando ao máximo a sabatina de André Mendonça, nomeado ao STF por Jair Bolsonaro.
Mas não é por birra pessoal de Alcolumbre que o Senado deveria barrar Messias – isso seria responder a um personalismo com outro personalismo. Os senadores precisam rejeitar a indicação pelo que ela representa, e pelo que Messias defende. Aceitar alguém com o currículo e as opiniões do atual advogado-geral da União significa validar um projeto de poder liberticida de longa duração – Messias, é preciso recordar, tem 45 anos, e poderia passar três décadas no Supremo. Quando a maior necessidade do país é a contenção da hipertrofia do Judiciário, que degenerou em autoritarismo, e a recuperação do sentido das liberdades e garantias democráticas, aprovar o nome de Messias é trabalhar no sentido diametralmente oposto àquele de que o Brasil precisa. Já não se trata de esquerda ou direita, governismo ou oposição, mas de uma responsabilidade cívica a que nenhum senador pode se esquivar.