Ao longo de todo o governo Lula, Silvio Santos manteve uma relação cordial com o presidente.
Ao longo de todo o governo Lula, Silvio Santos manteve uma relação cordial com o presidente. (Foto: Ricardo Stuckert/Presidência do Brasil)

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Quem se surpreendeu com a presença de Lula e Alexandre de Moraes no palco do SBT, é porque não conhece a história de Silvio Santos. Ao longo de todo o tempo em que foi figura pública, e construiu o Sistema Brasileiro de Televisão, o empresário e apresentador fez questão de bajular todos os presidentes do Brasil. 

De Garrastazu Médici, presidente no regime militar, até Jair Bolsonaro, Silvio Santos sempre esteve próximo dos chefes do executivo nacional. Fez elogios diversos, os protegeu das críticas e criou até um programa especializado em exaltar o poder central: “A Semana do Presidente”, veiculado até os anos 1990.  

Ao longo de toda a carreira, Silvio Santos manteve proximidade com o poder não por convicção ideológica, mas por pragmatismo empresarial. O apresentador cultivou relações institucionais para proteger concessões e negócios. A lógica foi sempre a do interesse, a do empresário, não a da política, ainda que o empresário tenha se candidatado à presidência em 1989. 

Relações íntimas  

As relações, bastante próximas, de Silvio Santos com o poder, estão amplamente documentadas no livro “Topa Tudo Por Dinheiro”, do jornalista Maurício Stycer. Lançada em 2018, a obra examina o personagem fora da televisão. 

Num dos momentos mais ilustrativos do livro, Stycer recorda uma entrevista do empresário para a Folha de S. Paulo, em 1988, em que ele define a sua relação com o poder central no Brasil. Na oportunidade, Santos afirmou se colocar, tão somente, na posição de um “office-boy de luxo do governo”, ao ser questionado por Roldão Arruda.  

“Eu sou um concessionário [de canal de televisão], um office-boy de luxo do governo. Faço aquilo que posso para ajudar o país e respeito o presidente, qualquer que seja o regime. Se não estiver satisfeito, eu vou embora. Ninguém me prende aqui. Tenho hoje independência financeira para fazer qualquer negócio em qualquer lugar do mundo”, disse ele. 

Silvio Santos se encontrou pessoalmente com todos os presidentes do Brasil desde a redemocratização. De José Sarney, ainda eleito indiretamente, até Jair Bolsonaro. Visitou e agradou também Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer. 

Jair Bolsonaro encontrou com Silvio Santos e recebeu apoio do apresentador. Jair Bolsonaro encontrou com Silvio Santos e recebeu apoio do apresentador. (Foto: Alan Santos/Presidência da República)

Abaixo, resumimos as relações do empresário com todos os chefes do executivo desde a criação do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), em 1981.

João Batista Figueiredo (1979-1985)

O último presidente do regime militar (1979-85) foi quem deu a oportunidade para Silvio Santos se tornar Silvio Santos: “Sou muito grato a ele. Se não fosse ele, eu estava vendendo caneta na Praça da Sé”, reconheceu o apresentador, em um programa do SBT em 2017.  

Em 1980, o general Figueiredo abriu uma licitação pública para a concessão de duas redes de televisão no país. Santos, já há duas décadas na TV, se esmerou no lobby, colou na primeira-dama, Dulce Figueiredo, e conseguiu o que tanto queria.

Às 9h30 do dia 19 de agosto de 1981, o sonho de Silvio de ser dono de uma rede de televisão se realizou. Entrou no ar a TVS São Paulo que, junto com a TVS Rio de Janeiro, formou as duas primeiras emissoras do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT). 

A relação do empresário com o general sempre foia melhor possível, desde quando Figueiredo ainda era chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) e os dois se encontravam em Brasília. O quadro “A Semana do Presidente”, criado em 1981, nasceu justamente para agradar o último general a chefiar o Executivo.

José Sarney (1985-1990) 

Em janeiro de 1985, Silvio Santos foi agraciado com a concessão do canal 12, em Brasília.  A chance de explorar a televisão na capital federal era fruto de sua lealdade a João Batista Figueiredo, o último presidente do regime militar. 

As concessões, entretanto, estavam sob ameaça nos primeiros meses do governo de José Sarney. Temendo perder a oportunidade, o empresário foi até o Palácio do Planalto fazer lobby, pessoalmente, junto a Sarney.

Na saída, Santos deu uma entrevista, bastante esclarecedora, reproduzida no livro de Stycer: “Eu já dei ordem aos jornalistas da minha empresa para nunca criticar, só elogiar o governo. Se for para criticar, é melhor não falar nada, é melhor ficar omisso”. 

Fernando Collor (1990-1992) 

No início de 1989, Fernando Collor foi até a casa de Silvio Santos em São Paulo. O governador de Alagoas ainda estudava a candidatura à presidente do Brasil, nas primeiras eleições diretas do país, a serem realizadas naquele ano.

Collor queria saber se Silvio Santos poderia ser um concorrente no pleito e o empresário garantiu que não. Logo a promessa foi quebrada, o empresário virou candidato e o PRN (Partido da Reconstrução Nacional) de Collor foi um dos mais ferrenhos opositores ao desejo de Santos de governar o Brasil, que acabaria barrado pelo Tribunal Superior Eleitoral. 

Com Collor eleito, o apresentador esqueceu a batalha do período de campanha e, muito naturalmente, aliou-se ao presidente. Em março de 1990, Santos recebeu em seu programa Zélia Cardoso de Mello, a ministra da Economia, e deu apoio integral às medidas do Plano Collor. Cerca de um mês depois, o plano confiscaria a poupança dos brasileiros.

Itamar Franco (1992-1994) 

Eleito vice-presidente em 1989, Franco assumiu o posto principal com o impeachment de Fernando Collor. Segundo o jornalista Maurício Stycer, não há registro de encontros entre Santos e Franco. Entretanto, o autor do livro “Topa Tudo Por Dinheiro” conta que o apresentador afirmou que esteve com o presidente do Brasil entre 1993 e 94. 

No início de 1994, quem esteve ao lado do empresário foi Fernando Henrique Cardoso, o ministro da Economia de Itamar Franco. Cardoso foi apresentado ao grande público e teve a chance de explicar como funcionaria a URV (unidade real de valor), medida de transição para a implementação do Real meses depois. Silvio Santos aplaudiu.  

Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) 

O presidente do Brasil por dois mandatos teve relações amistosas com o dono do SBT. Em 1996, Cardoso foi conhecer as novas instalações do grupo de televisão, na Anhanguera e classificou a estrutura como “uma fábrica de sonhos”.

Cardoso ainda teve a seu favor a propaganda no “A Semana do Presidente”. O programa criado por Santos para adular o governo federal durou até o final da década.    

Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010 e atual) 

Silvio Santos e Lula alimentaram uma relação cordial durante todo o tempo em que o petista dirigiu o Brasil, até a morte do apresentador em 2024. Um episódio, em 1989, ao longo da campanha para as primeiras eleições diretas no país, marcou a relação dos dois.

Lula foi ao “Show de Calouros”, o principal programa do SBT à época, para responder perguntas como candidato à presidente. No auditório, ouviu uma crítica à então prefeita de São Paulo, a petista Luiza Erundina, sobre a falta de repressão aos camelôs. A resposta emocionou o anfitrião: “Se no tempo do Silvio Santos a polícia perseguisse os camelôs, ele jamais seria o que é hoje”.  

Anos mais tarde, em 2010, o empresário procurou o presidente no Palácio do Planalto. Santos disse ter ido à Brasília pedir uma doação ao Teleton, o programa beneficente do SBT. Mas queria mesmo que Lula socorresse seu banco, o Panamericano, envolvido em uma fraude bilionária. 

Dilma Rousseff (2011 a 2016) 

Silvio Santos esteve pessoalmente com a presidente durante o debate eleitoral promovido pela emissora em outubro de 2014. Na oportunidade, Dilma pleiteava seu segundo mandato como chefe do executivo e acabaria batendo o opositor Aécio Neves. 

Já em abril de 2016, o SBT foi a única emissora a não transmitir ao vivo a votação do pedido de impeachment de Dilma na Câmara dos Deputados. Santos alegou que não gostaria de parecer estar de um lado, ou de outro, no processo político. Logo depois, o empresário seria condecorado por Dilma com a Ordem do Mérito das Comunicações.   

Michel Temer (2016 a 2019) 

Silvio Santos recebeu Temer sem seu programa em janeiro de 2018. O presidente ficou à vontade para exaltar os planos da Reforma da Presidência. Não era o primeiro ato de camaradagem entre os dois, que foram próximos ao longo de todo o mandato do vice de Dilma.  

Jair Bolsonaro (2019-2023)

O primeiro contato entre Santos e Bolsonaro foi telefônico, em novembro de 2018, durante o Teleton. Recém-eleito, Bolsonaro ouviu que o empresário estava na torcida por um bom mandato e, mesmo àquela altura, pela reeleição. Santos elogiou também a escolha de Sergio Moro como ministro da Justiça. 
 
Já em maio de 2019, o apresentador entrevistou o presidente e, para variar, fez uma série de agrados. Em dezembro de 2020, Bolsonaro visitou o empresário em casa, em São Paulo, e Silvio Santos reafirmou que nutria enorme simpatia por ele. 

Seguindo a cartilha do pai 

A ida do presidente da república e do ministro do Supremo Tribunal Federal ao lançamento do canal SBT News, na última sexta-feira (12), seguiu à risca a cartilha do patrão, falecido em agosto de 2024. Coerência, chamemos assim, exaltada pela filha do apresentador e atual presidente do grupo, Daniela Abravanel.

“Nos últimos dias, minha família tem sido alvo de críticas, antes mesmo de apresentarmos a nossa proposta para o SBT News. Isso é exatamente o que queremos combater: a falta de diálogo entre um povo que tem muitas virtudes e que amamos tanto”, afirmou Daniela, em carta aberta publicada após a polêmica em torno do convite a Lula e Moraes. 

A filha de Santos prosseguiu: “Nosso jornalismo segue uma carta com princípios do meu pai e fundador. Amamos nosso país, torcemos por ele, amamos nosso povo, trabalhamos para ele e convidamos a todos a embarcarem nesse projeto que deseja amenizar os ânimos. A todos os que têm dúvidas ou receios, faço um convite: assistam ao SBT News”. 

Durante o lançamento, Lula e Moraes comemoraram a derrubada das sanções impostas ao ministro pelos Estados Unidos, com o emprego da Lei Magnitsky. Fizeram afagos mútuos e posaram para fotos ao lado da família Abravanel. Situação que, curiosamente, indignou alguns, como o cantor Zezé Di Camargo, responsável por incendiar o debate.

Mas na ocasião estiveram presentes também outras figuras da política e autoridades, reforçando o caráter, digamos, “plural”, da direção do SBT. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), o prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes (MDB), e o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) também prestigiaram o evento.