O Brasil virou letra de funk: enquanto o povo pensa de um jeito, mídia, universidades e Judiciário cantam em coro — “tá dominado” — e sufocam o pluralismo. (Foto: Divulgação/Furacão 2000)

Ouça este conteúdo

Um dos fenômenos mais relevantes — e menos debatidos de forma honesta — no Brasil é a assimetria ideológica entre a maioria da população e determinadas elites. Pesquisas revelam reiteradamente que o eleitorado brasileiro é majoritariamente conservador ou se declara de direita em assuntos como costumes, segurança pública, liberdade econômica e religião.

Ao mesmo tempo, a esquerda mantém, há décadas, a hegemonia em três centros estratégicos de poder e produção de narrativas: a grande mídia, o mundo acadêmico e o Judiciário.

Essa discrepância não é acidental nem neutra: formal ou informalmente, instituições atuam como bastiões ideológicos que moldam a agenda pública de forma enviesada, distorcendo a representação democrática. Como dizia a letra de um antigo funk da produtora carioca Furacão 2000, “tá dominado, tá tudo dominado!”.

Na mídia, o predomínio das visões progressistas é evidente, ainda que seja frequentemente negado pelos próprios jornalistas. Grandes redações, portais de notícias e canais de TV formatam os debates com base em premissas como a desconfiança do mercado, o assistencialismo estatal, a relativização dos valores tradicionais e um moralismo político que opõe progressistas iluminados a reacionários atrasados.

Não se trata de afirmar que jornalistas devem ser neutros — a neutralidade absoluta é uma ficção —, mas de reconhecer que o pluralismo nas redações foi substituído por uma homogeneidade ideológica nociva, que marginaliza ou criminaliza vozes dissidentes.

Esse ambiente gera uma assimetria na circulação de informações: alguns temas são inflados, outros ignorados; invariavelmente, atores alinhados são tratados de forma complacente, enquanto adversários enfrentam um rigor desproporcional. Isso empobrece o debate público e aliena o cidadão comum, cada vez mais constrangido ao silêncio.

Em parte, isso ocorre porque a concentração da propriedade dos meios de comunicação em grandes conglomerados tende a reforçar vieses que favorecem elites econômicas. Curiosamente, estas são hoje protegidas pela amplificação de narrativas progressistas sobre direitos sociais e ambientais.

De vilões, os bilionários passaram a heróis — e financiadores generosos — da esquerda, em uma aliança difícil de derrotar: “O banqueiro é meu amigo, mexeu com ele, mexeu comigo!”, grita o jovem militante desempregado, que sai da universidade com um diploma, mas com baixa qualificação para atender às demandas do mundo real.

Falando em universidade, ali a hegemonia da esquerda é ainda mais estrutural do que nas redações. Pelo menos desde a década de 1970, correntes marxistas, gramscianas e pós-estruturalistas dominam os departamentos de ciências humanas, educação, comunicação e direito, com consequências trágicas. O que deveria ser um espaço de debate livre e diversidade intelectual tornou-se um ambiente de ativismo institucionalizado, onde pressupostos ideológicos são tratados como verdades absolutas.

A supressão do dissenso e a censura criam precedentes perigosos para a abolição de liberdades básicas e a perseguição política

VEJA TAMBÉM:

É comum estudantes e pesquisadores dissidentes relatarem experiências de isolamento, constrangimento ou mesmo barreiras à ascensão profissional. A dissidência é tolerada dentro de limites muito estreitos, criando um ciclo de reprodução ideológica: professores formam alunos que se tornam professores, jornalistas ou funcionários do Judiciário.

Falando em Judiciário, ali a situação é particularmente grave. Por definição, a legitimidade de juízes e ministros dos tribunais superiores deveria derivar da imparcialidade. Mas, especialmente desde 2016 — ano do impeachment de Dilma Rousseff —, a judicialização da política e a politização da Justiça cresceram de maneira absurda, com decisões de grande impacto social baseadas em interpretações elásticas da Constituição, quase sempre alinhadas a pautas progressistas, sem qualquer crivo da sociedade.

Quando magistrados agem como agentes de um projeto ideológico, passando de árbitros a jogadores, rompe-se o equilíbrio entre os Poderes. Com baixa confiança popular, o Judiciário parece desconectado do Brasil real. Por sua vez, o Legislativo, periodicamente humilhado, não reage como deveria — sabe-se lá por quê.

Isso é especialmente problemático em um país como o Brasil, onde o STF concentra poderes amplos e pouco controlados, e onde os mecanismos de accountability institucional ainda são frágeis.

Esse cenário pode ter raízes na herança autoritária do Estado brasileiro, que historicamente privilegiou elites burocráticas em detrimento da vontade e da participação popular. Mas a direita também tem culpa no cartório, por ter negligenciado o front intelectual e cultural na guerra política. Conservadores e liberais deveriam investir na formação cultural e institucional das novas gerações, compreendendo que essa disputa vai muito além das urnas.

Há também um fator simbólico: ainda hoje, por incrível que pareça, a esquerda se apresenta como portadora de superioridade moral, associando suas pautas a valores como justiça social, direitos humanos e inclusão, enquanto retrata adversários como egoístas, ignorantes ou autoritários. Essa narrativa, capitalizada pela esquerda, facilita a legitimação de sua hegemonia institucional, mesmo quando contraria a vontade majoritária da população.

Os riscos desse cenário são profundos. A democracia exige pluralismo, alternância no poder e liberdade de expressão. Qualquer viés ideológico sistemático em instituições-chave gera déficit de representação, alienação e crises de legitimidade, fomentando desconfiança e radicalização. A supressão do dissenso e a censura criam precedentes perigosos para a abolição de liberdades básicas e a perseguição política.

O Brasil virou uma letra de funk. Mas enfrentar o problema não implica substituir uma hegemonia por outra, e sim restaurar o equilíbrio necessário: pluralismo na mídia, diversidade acadêmica e autocontenção judicial. Quando uma visão se concentra de forma absoluta, a democracia se enfraquece.