Alienação parental: quando o divórcio vira campo de batalha e os filhos são usados como munição 

Uma criança não interpreta nuances de mágoa, ressentimento ou disputas pós-divórcio; ela só entende afeto e pertencimento

  • Por Larissa Fonseca
  • 17/11/2025 12h52
Montagem: YouTube/De Frente com a Blogueirinha e Instagram/@jbboninho Narcisa Tamborindeguy acusa Boninho de não ligar para a filha que os dois tiveram Narcisa Tamborindeguy acusa Boninho de não ligar para a filha que os dois tiveram

Nos últimos dias, a fala de Narcisa sobre a atuação do ex, Boninho, como pai depois do divórcio ganhou espaço nas discussões públicas. Narcisa Tamborindeguy no programa De Frente com Blogueirinha afirmou que a filha dos dois não tem a mesma atenção que a que Boninho tem com a atual esposa, Ana Furtado. Ele, por sua vez, alegou que a fala não é verdadeira. Fato é que, diante do caso, a internet começou a se questionar: como uma nova família interfere na relação com os frutos da anterior? 

Não cabe aqui julgar a intimidade de nenhuma família, mas o episódio abre uma porta importante. Quando uma crítica circula apenas entre o casal, ela permanece no campo das decisões entre os pais. Porém, se esse tipo de comentário se transforma em repetição dentro de casa, na frente dos filhos, diminui o valor do pai ou da mãe e, portanto, o risco deixa de ser retórico e passa a ser emocional. E é exatamente nesse terreno que a alienação parental germina. 

Uma criança não interpreta nuances de mágoa, ressentimento ou disputas pós-divórcio. Ela só entende afeto e pertencimento. Quando escuta que um dos seus responsáveis é menos presente, menos competente ou menos digno, não recebe essa informação como opinião. Ela recebe como ameaça. É aqui que entra a definição simples de alienação parental. Pesquisadores da Universidade de Cambridge descrevem o fenômeno como “qualquer comportamento que interfere de forma injustificada na relação da criança com um de seus cuidadores”. Isso inclui falas repetidas que desqualificam, distorcem ou geram medo, criando rupturas emocionais que o cérebro infantil ainda não está pronto para elaborar. Sem conseguir separar conflito conjugal de vínculo parental, cada crítica abre fissuras silenciosas na construção da segurança interna. 

A ciência confirma o impacto desse ambiente. Estudos da Universidade de Illinois mostram que crianças expostas a conflitos constantes entre os pais apresentam níveis mais altos de cortisol, o hormônio do estresse. Quando essa tensão se torna rotina, o cérebro infantil entra em estado de alerta permanente, o que compromete a memória, regulação emocional e até a qualidade do sono. O ressentimento pós-separação, quando não elaborado, aumenta a probabilidade de comportamentos parentais hostis, elevando o risco de ansiedade e irritabilidade na infância. 

Essa lógica fica ainda mais evidente na prática profissional. Ao conversar com a Dra. Joanne Anunciação, advogada especialista em alienação parental, ela relatou ter recusado o pedido de uma cliente que desejava impor uma nova restrição ao ex-companheiro, mesmo ele já tendo apenas três horas de visitas controladas a cada quinze dias. A história do casal incluía mágoas graves do passado, como o pedido de que ela interrompesse a gestação, mas nem isso justifica retirar da criança o direito de conviver com o pai. A advogada, que está sendo processada pela cliente, afirmou que não aceitaria participar de uma medida que ultrapassasse os limites da proteção e entrasse no campo da retaliação. 

A alienação surge de uma dor legítima que rapidamente se transforma em estratégia de vingança. Na maioria das vezes, o adulto nem percebe o dano que isso causa ao filho. Quando isso acontece, a criança deixa de ser sujeito e passa a ocupar o lugar de ferramenta emocional. Restrições de convivência sem justificativa real, insinuações constantes, mudança de rotina para dificultar vínculos ou denúncias infundadas são formas de manipular a percepção de quem não tem capacidade cognitiva para se defender. Para o cérebro infantil, que ainda desenvolve redes de regulação emocional e memória afetiva, esse ambiente fragmentado reduz a sensação de segurança e compromete a forma como ela vai compreender amor e confiança no futuro. 

Estudos de Cambridge indicam que crianças expostas a essas narrativas negativas desenvolvem mais sentimentos de culpa e uma noção frágil de pertencimento. Para elas, é como se amar um responsável significasse trair o outro. A experiência precoce de ter de escolher um lado fere a formação da identidade e abre espaço para problemas emocionais que só aparecem na adolescência ou na vida adulta. A criança cresce com a sensação de que afeto é sempre condicionamento ou culpa, nunca porto seguro. 

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Por isso, é fundamental separar o que é conflito entre adultos e o que é direito da criança. O término é dos pais, mas a segurança emocional é dela. Quando restringimos o vínculo sem risco real, não estamos protegendo. Estamos retirando uma referência que faz falta em cada etapa do desenvolvimento. Além disso, perdemos de vista o óbvio: ninguém se torna melhor pai ou mãe diminuindo o outro, só se torna adulto usando uma criança para validar a própria dor. 

No fim, tudo se resume a uma pergunta que exige coragem. Estamos cuidando do nosso filho ou estamos usando o nosso filho para cuidar da nossa mágoa? A resposta define quem está realmente protegendo e quem está apenas travando uma guerra que nunca deveria ter começado.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.