Cada vez menos mulheres adotam o sobrenome do marido no casamento
Levantamento inédito aponta mudança nos relacionamentos e especialistas explicam novos dados
De acordo com dados de um levantamento inédito dos Cartórios de Registro Civil de São Paulo, pela primeira vez na história, menos de 50% das mulheres adotam o sobrenome do marido durante uma união. Aliás, o número de esposas que resolvem seguir com nome de solteira mesmo após o casamento só cresce. A pesquisa, iniciada em 2003, mostra que apenas 49% das mulheres alteraram o nome após o matrimônio revelando um novo comportamento nos relacionamentos.
Segundo o estudo, há 22 anos quando os registros começaram a ser contabilizados, mais de 77% delas adotavam o sobrenome do cônjuge no casamento sendo que no ano passado, dos 241.906 casamentos registrados no estado, apenas 120.195 apresentaram a adição do sobrenome do marido aos documentos.
Karine Boselli, vice-presidente da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais de São Paulo (Arpen-SP), os dados mostram mais que uma mudança nos casais. “É um avanço em como os casais têm entendido o casamento e a construção das suas identidades civis. A opção por manter o sobrenome de solteiro reflete relações mais igualitárias e uma valorização maior da individualidade de cada pessoa em relação à vida conjugal. Nota-se, portanto, que ao invés de optar pela adoção do sobrenome do marido, como era muito comum, as relações matrimoniais buscam muito mais priorizar o afeto, a parceria, o cuidado e a corresponsabilidade no relacionamento”.
A porta voz afirma que, como mulher, entende a alteração como um reforço de autonomia sobre a própria história, trajetória profissional e identidade pessoal femininos. “Mesmo sendo uma decisão íntima e variável, ela demonstra que as mulheres têm se sentido mais seguras e livres para fazer escolhas alinhadas às suas convicções, e não simplesmente seguindo uma tradição que antes era quase automática”.
Quando questionada se esse movimento de igualdade não seria também uma maneira das pessoas estarem mais livres no caso de aumento de divórcios, Karine é incisiva: “O que observamos é sobretudo um movimento em direção à igualdade e à liberdade de escolha. Não se trata de se ‘desvincular’ do outro, mas de compreender que a união afetiva não exige a renúncia de elementos identitários individuais. Muitos casais seguem firmemente comprometidos, mas com um entendimento mais contemporâneo de que ambos podem preservar seus nomes, suas trajetórias e, ao mesmo tempo, construir uma vida em comum. A mudança do sobrenome deixou de ser uma obrigação social e tornou-se uma possibilidade — e essa liberdade é, por si só, uma expressão de maturidade e equilíbrio nas relações”.
A opinião de um psicólogo diante da alteração de padrão
Alexander Bez, psicólogo que atua há duas décadas com relacionamentos e é especializado pela Universidade de Miami, reforça que a decisão não deve sofrer qualquer pressão externa, partindo única e exclusivamente da mulher, respeitando o que a faz sentir-se confortável e segura. “É fundamental que ela seja ouvida, acolhida e colocada em uma posição de respeito dentro da relação. O que não pode acontecer é a ideia de posse dentro do casamento. Não existem donos em uma relação saudável”.
Para ele, mudanças sociais que ampliam o bem-estar das mulheres e dos casais precisam ser valorizadas. “Toda mudança que gera impacto positivo deve ser vista como algo extremamente valioso. Ela representa evolução, crescimento e desenvolvimento, tanto no âmbito pessoal quanto no social”.
Bez reforça que, historicamente, mulheres foram submetidas a modelos rígidos e pouco acolhedores: evoluir, portanto, é inevitável e urgente, sendo que a escolha do sobrenome está diretamente ligada à complexidade emocional humana. “A mente humana é complexa, e é justamente por isso que a decisão sobre a adoção do sobrenome deve caber exclusivamente à mulher. Trata-se de um tema que envolve um campo mental e emocional amplo, permeado por múltiplas variáveis, algumas positivas, outras negativas e, em certos casos, ainda bastante retrógradas”.
O especialista lembra que muitos homens interpretam a decisão como falta de comprometimento, o que, segundo ele, revela estruturas emocionais frágeis. “Homens com posturas violentas, possessivas ou excessivamente ciumentas tendem a não lidar bem com esse tipo de escolha, pois sua estrutura emocional não comporta a autonomia feminina”. E também contextualiza a evolução dos casamentos: muitos se formam sem laços emocionais profundos. “Há quem se case por impulso, por carência emocional, por medo da solidão, por depressão, por transtornos de dependência emocional ou por imposições familiares, sociais e até religiosas”.
Sobrenomes distintos e ainda, sócios: como é trabalhar em casal
E quando os sócios têm sobrenomes distintos, mas são marido e mulher há mais de 20 anos? Em busca de respostas sobre como é trabalhar em casal, fomos conversar com Mariele Horbach e André Silveira, que administram uma rede de botecos cariocas em São Paulo há treze anos. A reportagem é de Renata Rode.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.