Ex-primeira-dama e presidente nacional do PL Mulher, Michelle Bolsonaro.
A ex-primeira-dama e presidente nacional do PL Mulher, Michelle Bolsonaro. (Foto: Andre Borges/EFE)

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A pré-candidatura do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) à Presidência da República reorganizou o campo conservador e alterou o papel político de Michelle Bolsonaro dentro do Partido Liberal (PL). Até então em trajetória de crescente protagonismo, a ex-primeira-dama passou a adotar uma postura de recuo público e institucional, em um movimento interpretado por dirigentes da sigla como estratégico e pactuado internamente.

Segundo um interlocutor da cúpula do PL, Michelle decidiu se afastar temporariamente das atividades partidárias para tratar questões de saúde e, ao mesmo tempo, permitir que “a poeira baixe” após crises recentes envolvendo a legenda — especialmente o desgaste provocado pelo diretório do Ceará e a tentativa de aliança com o ex-governador Ciro Gomes. O recuo foi acordado em reunião realizada no dia 2 de dezembro, que também selou a suspensão formal do apoio a Ciro no estado.

A avaliação interna é de que o distanciamento da ex-primeira-dama ajuda a conter novas turbulências nos diretórios regionais e preserva a estratégia definida pelo partido após o lançamento de Flávio como pré-candidato ao Planalto. A prioridade, nesse novo arranjo, passou a ser a consolidação do senador como principal expoente nacional do PL no ciclo eleitoral de 2026, reduzindo ruídos e disputas paralelas em um momento considerado sensível para o PL.

A prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro aprofundou esse processo de reorganização. Além de impactar o ambiente político da direita, o episódio mudou a posição institucional de Michelle dentro do partido e reforçou a leitura de que era necessário concentrar decisões e minimizar focos de tensão. Nesse contexto, a diminuição de sua exposição pública passou a ser vista menos como perda de espaço e mais como uma acomodação estratégica.

O episódio do Ceará, que havia explicitado divergências entre Michelle e os filhos do ex-presidente, passou a ser tratado como um ponto de inflexão já superado. Na ocasião, a então presidente do PL Mulher criticou a articulação conduzida pelo deputado federal André Fernandes (PL-CE) para apoiar Ciro Gomes, contrariando acordos anteriores e provocando reações públicas de Eduardo e Carlos Bolsonaro.

O desfecho da crise — com a suspensão das negociações e o entendimento para o afastamento temporário da ex-primeira-dama — buscou evitar a reprodução do conflito em outros estados.

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Agenda nacional do PL Mulher perde tração

Antes do recuo, Michelle Bolsonaro vinha mantendo uma agenda nacional intensa à frente do PL Mulher, com viagens frequentes e a tentativa de estruturar bases femininas do partido em diferentes regiões do país. Essa movimentação, vista inicialmente como sinal de projeção política, passou a ser reavaliada internamente após a definição da pré-candidatura de Flávio e o agravamento de problemas de saúde de Michelle.

Segundo o portal Metrópoles, a ex-primeira-dama cancelou compromissos recentes por orientação médica. Um encontro do PL Mulher que estava marcado para o dia 13 de dezembro, no Rio de Janeiro, foi suspenso e remarcado para 2026. Antes disso, Michelle também havia cancelado uma visita a Sidrolândia, no Mato Grosso do Sul, onde participaria de um evento com mulheres conservadoras promovido pelo partido. Os cancelamentos reforçaram a leitura interna de que o afastamento não era apenas político, mas também motivado por questões de saúde.

Até a interrupção da agenda, Michelle havia intensificado compromissos desde abril, quando participou de um encontro conservador em Planaltina (DF). Em Brasília, liderou o 1.º Encontro Nacional de Mandatárias do PL Mulher, que reuniu prefeitas, vereadoras e deputadas da legenda.

Na sequência, esteve em Guarulhos (SP) para um evento nacional, manteve compromissos no Pará mesmo durante momentos de instabilidade interna, percorreu Roraima e Tocantins para estruturar diretórios femininos e liderou atos em Rio Verde (GO) e Soledade (RS), onde o PL local estimou público superior a três mil mulheres.

O Nordeste também integrava esse roteiro. Em novembro, Michelle desembarcaria no Ceará para um encontro nacional do PL Mulher em Caucaia, mas a prisão de Jair Bolsonaro interrompeu a agenda e a levou a retornar às pressas a Brasília. Desde então, segundo dirigentes do PL, a orientação passou a ser a contenção de danos e a reorganização interna da legenda em torno de um comando mais centralizado.

Pesquisas e rejeição menor mantêm Michelle como ativo eleitoral, apesar do segundo plano

Para o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), o recuo de Michelle Bolsonaro não elimina o capital político acumulado nos últimos anos. Segundo ele, a ex-primeira-dama reúne vantagens objetivas em um momento em que a direita perdeu seu principal líder carismático para a prisão. “Ela tem se mostrado um fenômeno de capacidade comunicacional”, afirma, destacando que Michelle mantém índices de rejeição inferiores aos dos filhos do ex-presidente, próximos apenas aos do governador Tarcísio de Freitas.

Essa diferença estrutural dentro do clã Bolsonaro, explica Gomes, permite que Michelle ocupe um espaço político próprio, sobretudo junto às diretorias femininas e ao eleitorado evangélico — um ativo que não desaparece com a formalização da pré-candidatura de Flávio Bolsonaro. Mesmo após o lançamento do senador, ela segue aparecendo de forma competitiva em pesquisas de intenção de voto, o que mantém seu nome no radar das lideranças partidárias.

O cientista político observa, porém, que o PL tem buscado administrar suas disputas internas de forma controlada, evitando judicialização ou risco de cisão. A definição de um nome para a disputa presidencial, afirma, impôs uma reorganização das hierarquias partidárias e reduziu o espaço para movimentos paralelos, ainda que preserve outras lideranças como ativos eleitorais.

Na mesma linha, Adriano Cerqueira avalia que o afastamento momentâneo de Michelle das atividades partidárias não apaga seu peso eleitoral no campo conservador. Segundo ele, a ex-primeira-dama segue como um nome competitivo e monitorado, especialmente à luz dos resultados recentes das pesquisas.

Levantamento Apex/Futura divulgado na última sexta-feira (12) mostra que, em um dos cenários de primeiro turno, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) soma 38,4% das intenções de voto, empatado dentro da margem de erro com Michelle Bolsonaro (PL), que aparece com 36,2%. Para Cerqueira, o dado indica que o capital eleitoral acumulado por ela permanece ativo, apesar do recuo político no curto prazo.

“Ela discursa bem, tem forte identificação com o eleitorado evangélico e uma capacidade de comunicação que a diferencia dentro desse campo político”, afirma o analista. Segundo ele, Michelle reúne atributos que ajudaram a ampliar o alcance junto a segmentos onde o ex-presidente sempre enfrentou maior resistência, especialmente entre mulheres.

Cerqueira avalia que, no atual arranjo interno do PL, Michelle deixou de ocupar o centro da articulação estratégica, mas segue como uma variável relevante para os cálculos eleitorais da direita. “Ela não está conduzindo o processo agora, mas continua sendo um nome competitivo, que não pode ser ignorado”, diz.

Para o cientista político, o desempenho nas pesquisas ajuda a explicar por que Michelle permanece no radar das lideranças partidárias, mesmo em segundo plano. “O recuo não apaga o ativo eleitoral. Ele apenas indica uma reorganização de papéis dentro do grupo”, conclui.

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