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Dias Toffoli parece ter decretado a falência do bom senso jurídico. Depois de transformar o caso Master numa caixa-preta impenetrável ao decretar sigilo total sobre as investigações, agora o ministro resolveu inovar mais uma vez, e não no bom sentido. Determinou, por iniciativa própria, uma acareação entre o dono do Banco Master, o enrolado banqueiro ostentação Daniel Vorcaro, o ex-presidente do Banco de Brasília (BRB) e um diretor técnico do Banco Central.
Isso foi determinado antes mesmo de os envolvidos e eventuais testemunhas terem sido ouvidos individualmente, o que torna a diligência não apenas atípica, mas processualmente absurda. Para completar, marcou o ato em pleno recesso do Judiciário, no dia 30 de dezembro, como se houvesse uma urgência extrema, o que obviamente não existe – não ao menos para fins de investigação. Talvez a urgência seja outra: estancar o escândalo que envolve o STF.
Nem na Lava Jato, com dezenas de réus presos, vimos algo parecido no recesso. A Polícia Federal (PF) não pediu a acareação. A Procuradoria-Geral da República (PGR) também não. Não havia debate prévio, contradição a esclarecer ou fato novo que justificasse esse atropelo. Ainda assim, Toffoli impôs o procedimento. E quando o PGR Paulo Gonet – que até então permanecia silencioso – finalmente pediu reconsideração, o ministro simplesmente negou. A acareação está mantida.
O ponto central é simples: acareações só servem para confrontar versões divergentes de depoimentos, normalmente entre relatos de investigados ou réus e testemunhas. Mas não há depoimento nenhum. Nenhum investigado foi ouvido até agora, nenhuma testemunha prestou depoimento. O juiz federal Marcelo Cavali, especializado em direito penal, resumiu o óbvio: não existe acareação sem declarações anteriores. Se não há divergências, não há o que esclarecer.
Quando juntamos as peças, o quadro fica ainda mais sombrio. O Master já esteve ligado a eventos de luxo frequentados por ministros do STF. A esposa de Moraes prestou serviços ao banco, contratada pelo estupendo valor de R$ 129 milhões
O procedimento, portanto, está sendo usado fora de sua função natural, o que levanta perguntas graves sobre motivação, finalidade e destinatário real dessa medida. E aí chegamos à parte mais estranha – e mais reveladora: Toffoli não está mirando o Banco Master, alvo de investigações por fraudes bilionárias. Está mirando o Banco Central.
Segundo relatos publicados pela imprensa, o ministro quer esclarecer por que o BC demorou a decretar a liquidação do Master, quando tomou conhecimento das irregularidades e como atuou na supervisão do mercado de títulos bancários. Em vez de aprofundar a investigação sobre as responsabilidades de quem fraudou, o que é o objeto do inquérito, o foco político desliza para quem impediu a venda do Master ao BRB, e salvou os brasileiros de amargar os prejuízos. A inversão é evidente.
Mais curiosa ainda é a escolha do servidor do BC convocado por Toffoli: o diretor de Fiscalização, Ailton de Aquino Santos. Não foi chamado o ex-presidente do BC, Roberto Campos Neto, nem o atual comandante da instituição, Gabriel Galípolo. Foi chamado justamente o diretor que, no dia 14 de agosto de 2025, teve audiência com o dono do Banco Master – coincidência que salta aos olhos.
Por que salta aos olhos? Porque, no mesmo dia, o ministro Alexandre de Moraes também teve audiência com Galípolo, supostamente sobre a sanção da Lei Magnitsky, mas não apenas sobre isso - como revelou fartamente a imprensa, Moraes teria interpelado Galípolo também sobre o Master. Ou seja, no mesmo dia em que o Master tomava um calor do BC, Galípolo tomava pressão de Moraes - essa é a suspeita.
Quando juntamos as peças, o quadro fica ainda mais sombrio. O Master já esteve ligado a eventos de luxo frequentados por ministros do STF. A esposa de Moraes prestou serviços ao banco, contratada pelo estupendo valor de R$ 129 milhões. A esposa de Toffoli já foi sócia de advogado ligado ao banco. Toffoli viajou em jatinho com advogado do Master recentemente para um jogo de futebol. Nada disso, isoladamente, é prova de ilícito – mas tudo isso, junto com decisões esdrúxulas, fortalece uma hipótese: o objetivo de Toffoli não é investigar, mas estancar a sangria do STF.
A pergunta inevitável é: por que tanta urgência? Por que marcar acareação no recesso? Por que confrontar pessoas que sequer foram ouvidas? Por que avançar com esse ímpeto sobre o Banco Central, que atuou justamente para impedir que as fraudes do Master contaminassem um banco público, o BRB? Por que inverter papéis ao ponto de transformar reguladores em suspeitos e suspeitos em quase colaboradores?
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A resposta mais provável está no que muitos analistas têm sugerido: alguém está vazando informações internas sobre pressões e pedidos realizados ao Banco Central envolvendo o caso Master. Um dos apontados como maior foco de pressões sobre o Master é justamente Alexandre de Moraes, acusado de pressionar tanto Galípolo a interceder junto ao Master quanto a própria PF, responsável pelas investigações contra o banco.
Numa disputa onde reputações poderosas estão em jogo, silenciar quem sabe demais pode se tornar prioridade. A acareação, nesse contexto, funcionaria como instrumento de intimidação, não de esclarecimento. Seria uma forma de constranger servidores do BC e identificar o ponto de origem dos vazamentos. O objetivo seria a censura. Uma carteirada suprema: servidores do BC, vocês sabem DE quem estão falando?
Tudo, é claro, ainda está no campo das hipóteses. Mas o padrão das decisões recentes – sigilo absoluto, retirada de documentos da CPI do INSS, acareação sem fundamento, urgência fabricada – levanta suspeitas legítimas. O Senado e a PGR têm o dever institucional de investigar o que está acontecendo. Porque, se a razão real dessas medidas for aquilo que muitos temem, estaríamos diante de uma afronta grave ao Estado de Direito, praticada logo por ele, o STF, que se arvora o guardião da democracia.
Não seria algo inédito. O próprio Moraes já protegeu a esposa de Toffoli e de Gilmar de investigações da Receita sobre movimentações e patrimônio suspeitos, em 2019. Moraes mandou as apurações pararem e determinou a investigação dos auditores da Receita. Vimos o mesmo padrão de inversão dos papéis: os investigadores se tornaram investigados. Nos corredores da PGR, fala-se que esse foi o verdadeiro objetivo da instauração do inquérito do fim do mundo, depois desvirtuado para combater o Bolsonarismo. As decisões de Toffoli, ao protegerem Moraes, soam como uma devolução do favor.
Um ministro do STF não pode agir para desorganizar investigações, intimidar órgãos reguladores e blindar atores privados envolvidos em fraudes bilionárias. Se for isso – repito, se for isso –, estamos diante de conduta incompatível com o cargo e com a Constituição. E se isso não for motivo para derrubar um ministro, nada mais será. Enquanto isso, o país observa uma pergunta ecoar nos corredores de Brasília: o caso Master será investigado – ou enterrado?
