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Sessão do STF em 26 de junho, quando julgamento sobre Marco Civil da Internet foi concluído. (Foto: Fellipe Sampaio/STF)

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Mais um capítulo se desenvolve a respeito do Marco Civil da Internet. Em junho de 2025, o STF declarou parcialmente inconstitucional o artigo 19 da lei, que previa a responsabilidade civil das plataformas por conteúdos de terceiros somente se ignorada a remoção de conteúdo por ordem judicial. Com a nova decisão, firmada pelo acórdão publicado no começo de novembro de 2025, o regime “notice and take down” é a regra, o que pode ocasionar a remoção de conteúdos de maneira arbitrária.

As mudanças no Marco Civil da Internet são profundas. Antes estruturado em apenas dois regimes de responsabilização, ele agora passa a operar com quatro modelos distintos.

Para a restauração da segurança jurídica, é vital que se recupere o que o Marco Civil da Internet já havia previsto - vale ressaltar que essa lei contou com um amplo debate público por anos, com a presença de especialistas e da sociedade civil

O primeiro é o “notice and take down”, antes previsto somente no artigo 21 do Marco Civil da Internet por se tratar de conteúdo de nudez e sexo não consentidos. No entanto, agora é a regra para ilícitos em geral. Nesse regime, a vítima notifica a plataforma e, caso o conteúdo não seja retirado, a plataforma pode ser responsabilizada.

O segundo modelo diz respeito à alteração do artigo 19 d Marco Civil da Internet, relacionado aos crimes contra a honra. O STF estabeleceu um microssistema específico para calúnia, injúria e difamação. Assim, na primeira ocorrência, é necessária uma ordem judicial para a remoção. Já em casos de reiterações, após a plataforma ter ciência do conteúdo, basta a notificação da vítima, passando a existir um dever ativo da plataforma de retirar republicações equivalentes.

O terceiro regime é o da presunção de responsabilidade, no qual a plataforma é considerada responsável até prova em contrário. Cabe a ela demonstrar que agiu com diligência e dentro de um tempo razoável. Esse modelo se aplica a conteúdos impulsionados ou patrocinados, à disseminação automatizada por bots e a crimes graves relacionados a falhas sistêmicas.

Por fim, o quarto regime diz respeito à aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos marketplaces. Nesses casos, as plataformas passam a responder como fornecedoras, mesmo quando apenas intermediam transações. Esse regime se aplica a plataformas de intermediação comercial, independentemente do porte.

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Diante disso, o Brasil vive agora uma complexidade jurídica nunca vista. Essa multiplicidade de regimes dificulta a previsibilidade, incentiva remoções preventivas e aumenta o risco de censura privada.

É nesse cenário que a aprovação, com urgência, do PL 215/2015 também é muito preocupante. Já lidamos com pelo menos quatro regimes de responsabilidade, e o PL prevê o aumento de penas para crimes contra a honra nas redes sociais, sem o devido debate sobre o que esse projeto pode impactar em termos de liberdade de expressão, especialmente em um contexto de eleições de 2026.

Para a restauração da segurança jurídica, é vital que se recupere o que o Marco Civil da Internet já havia previsto - vale ressaltar que essa lei contou com um amplo debate público por anos, com a presença de especialistas e da sociedade civil.

Sendo assim, é preciso retornar aos dois regimes de responsabilização. É necessário que a regra geral volte a ser a prevista anteriormente pelo artigo 19: a remoção de conteúdo ocorre somente após ordem judicial, salvo exceção em casos de conteúdo de nudez e sexo não consentidos, como o artigo 21 já previa. É por meio desse caminho que a liberdade de expressão pode ser salvaguardada e a previsibilidade jurídica restaurada.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos