Recurso da defesa de Bolsonaro tenta redução de pena, mas alteração é improvável
Recurso da defesa de Bolsonaro tenta redução de pena, mas alteração é improvável (Foto: André Borges/EFE)

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O Supremo Tribunal Federal julga até 14 de março os embargos de declaração da defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que contestam o cálculo da pena de 27 anos e 3 meses. Especialistas consultados pela Gazeta do Povo avaliam como improvável qualquer ajuste na dosimetria da pena pelos ministros.

O recurso contesta a decisão da Primeira Turma do STF que condenou Bolsonaro por participação na suposta tentativa de golpe de Estado e pelos ataques de 8 de janeiro de 2023, quando manifestantes invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília. Os embargos de declaração são um instrumento jurídico para esclarecer pontos obscuros ou contraditórios de uma sentença.

Os ministros Alexandre de Moraes, relator do caso, e Flávio Dino já votaram pela rejeição do recurso. Cármen Lúcia e Cristiano Zanin devem apresentar seus votos até 14 de novembro. Luiz Fux, único voto contrário à condenação de Bolsonaro, não participa do julgamento após sua transferência para a Segunda Turma do STF devido à aposentadoria de Luís Roberto Barroso.

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A defesa questiona três pontos principais: a aplicação da teoria de autoria mediata aos eventos de 8 de janeiro, o cerceamento de defesa por falta de tempo para analisar as provas digitais e contradições na análise da delação premiada. O recurso também contesta o cálculo da pena, solicitando correção de erros na dosimetria.

A advogada constitucionalista Vera Chemin considera que o recurso tem argumentos relevantes, especialmente sobre a contradição jurídica apontada pela defesa. Segundo ela, não é possível caracterizar simultaneamente crime multitudinário e autoria mediata de Bolsonaro.

“Ou é crime multitudinário, que exige um número de pessoas indeterminadas e desorganizadas, ou se admite a autoria mediata, no sentido de ter incitado e liderado os atos de 8 de janeiro com adesão voluntária de pessoas determinadas — o que, segundo a defesa, não foi comprovado”, explica.

A advogada destaca ainda que as penas deveriam ser individualizadas, o que não ocorreu. Para ela, é possível, embora improvável, que o relator considere esses argumentos e modifique a pena, especialmente nos crimes de formação de organização criminosa e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.

O advogado criminalista Bruno Gimenes Di Lascio também considera improvável qualquer alteração na pena. “Não creio que haja modificação”, afirma.

O professor de Direito Penal do Ibmec-DF Tedney Moreira reforça que os embargos de declaração costumam ser vistos como protelatórios pelos ministros do STF, o que tende a levar à rejeição do recurso.

Embargos podem corrigir cálculo da pena, mas têm função limitada

Os embargos de declaração têm função essencialmente técnica, explica Di Lascio. O recurso serve para corrigir pontos obscuros ou contraditórios do acórdão e, eventualmente, erros no cálculo da pena.

O advogado cita como exemplo o caso do ex-presidente Fernando Collor, cujos embargos adiaram o trânsito em julgado da condenação e permitiram o reconhecimento da prescrição. Ele pondera, no entanto, que este não será o caso de Bolsonaro, já que o processo foi julgado em prazo inferior à média do STF.

No recurso, os advogados de Bolsonaro argumentam que o acórdão não detalha como os ministros chegaram ao cálculo final da pena. O relator Alexandre de Moraes descreveu as circunstâncias judiciais como “amplamente desfavoráveis ao réu”, mas, segundo a defesa, não especificou o peso atribuído a cada fator (culpabilidade, motivos, consequências, conduta social) para justificar a pena acima do mínimo legal.

A defesa sustenta que “as contas que levam da premissa para a conclusão (a pena de 27 anos e 3 meses) não estão presentes”, o que caracterizaria falta de fundamentação.

A constitucionalista Vera Chemin avalia que a elevação da pena com base em “circunstâncias amplamente desfavoráveis” carece de critérios objetivos. Para ela, é possível uma redução da pena caso o relator reconheça contradições e omissões na decisão condenatória.

Próximos passos da defesa

O julgamento ocorrerá de forma virtual, com votos inseridos eletronicamente e sem debate oral. Caso os embargos sejam rejeitados, a defesa ainda pode recorrer, embora com restrições.

O professor de Direito Penal do Ibmec-DF Tedney Moreira explica que é possível apresentar embargos infringentes quando há decisão não unânime desfavorável ao réu. No caso de Bolsonaro, houve voto divergente do ministro Luiz Fux, o que poderia abrir essa possibilidade. Se aceitos, o caso seria levado ao Plenário do STF.

Moreira ressalva, no entanto, que não há consenso sobre o cabimento desse recurso no caso de Bolsonaro, já que o Regimento Interno do STF não é claro quanto ao número de votos divergentes necessários.

A constitucionalista Vera Chemin destaca que o Código de Processo Penal admite o recurso quando a decisão não é unânime, diferentemente do que prevê o regimento do STF.

O advogado Bruno Gimenes Di Lascio pondera que novos embargos seriam vistos como manobra protelatória. “O STF costuma entender esse tipo de repetição como chicana e pode decretar o trânsito em julgado antecipado do processo”, afirma.