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A megaoperação policial contra o Comando Vermelho no Rio recolocou a segurança pública no centro das preocupações nacionais e impôs ao Congresso a obrigação de agir rápido. A oposição, tradicionalmente associada ao tema, correu para ocupar espaços, mobilizando governadores, redes sociais e parlamentares em torno de projetos, com destaque ao que equipara facções a grupos terroristas.
Temendo derrota em ano pré-eleitoral, o Palácio Planalto reagiu à investida oposicionista, articulando com a cúpula da Câmara e o Supremo Tribunal Federal (STF) projetos e tentando barrar a mudança na Lei do Antiterrorismo (13.260/2016). A direita quer embate enquanto o governo tenta alternativas, como a Proposta de Emenda à Constituição da Segurança (PEC 18/2025).
A proposta da oposição de mudar a Lei Antiterrorismo para classificar facções como grupos terroristas acentua o contraste entre visões de direita e esquerda sobre como enfrentar o crime organizado. Contra isso, a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) investe na narrativa de que, se aprovada, a mudança pode tornar o Brasil alvo do intervencionismo internacional.
“O governo é terminantemente contra equipara facções criminosas ao terrorismo. Terrorismo tem objetivo político e ideológico, e o terrorismo, pela legislação internacional, dá guarida para que outros países possam fazer intervenção no nosso país”, disse a ministra das relações institucionais Gleisi Hoffmann ao G1 na quarta-feira (4).
O Projeto de Lei 1.283/2025, em tramitação na Câmara, inclui organizações como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC) na categoria jurídica usada para o combate a células terroristas internacionais. Para a oposição, a medida é relevante avanço, permitindo uso de meios militares, cooperação estrangeira e bloqueio financeiro de criminosos.
Visões opostas de direita e esquerda sobre o tema favorecem a oposição
O cientista político Elton Gomes, da UFPI, avalia que a megaoperação no Rio expôs a incapacidade do Estado de conter o domínio do crime sobre amplas áreas e milhões de brasileiros.
“Lula e a esquerda veem a criminalidade como produto da desigualdade, priorizando redistribuição de renda em vez de repressão direta. Já a direita aposta em ações duras, alinhada à maioria da população”, diz. Para o professor, a aposta na PEC da Segurança joga contra o governo, porque ela representa apenas centralização sem garantia de mais recursos.
Gomes ainda lembra que a PEC da Segurança enfrenta resistência de governadores de direita e de corporações policiais, mas sempre pode recorrer à judicialização, caso a barganha política falhe. Gomes cita a atuação de Alexandre de Moraes, que assumiu a relatoria da ADP das Favelas, alimentando críticas da oposição de perseguição do STF à direita.
A crise na segurança, diz ele, atingiu o governo em momento inoportuno, quando tentava focar em agendas como a COP 30, piorada pela defesa de Lula contra ameaças dos Estados Unidos contra a Venezuela e a fala de que traficantes seriam vítimas de usuários. “Apesar de agir rápido, a oposição segue sem coesão para capitalizar o desgaste do governo”, conclui.
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Câmara quer analisar projetos 'quebra-galhos' de segurança antes de iniciativas do governo e da oposição
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), chegou a pautar nesta semana a tramitação de um pacote de projetos de segurança pública, numa tentativa de responder à pressão social contra o avanço das facções, antes mesmo do PL Antifacção do governo Lula, que prevê infiltração de agentes em grupos criminosos e “asfixia financeira”. As propostas endurecem penas, agilizam a Justiça criminal e ampliam fontes de financiamento do setor, mas não são tão abrangentes como os principais projetos do governo e da oposição.
Entre os textos estão o que destina parte da arrecadação das apostas esportivas à segurança (PL 4331/25), o que regula uso de bens apreendidos do tráfico (PL 4332/25), o que acelera o trâmite em casos de flagrante (PL 4333/25) e o que condiciona benefícios penais à coleta de DNA (PL 238/19). O pacote serve para mostrar suposta ação e alegado protagonismo diante da crise da violência.
Enquanto o governo tenta consolidar o PL Antifacção e a PEC da Segurança, a oposição acusa o Palácio do Planalto de “repetir propostas já aprovadas”. Para Alberto Fraga (PL-DF), o pacote emergencial de Motta é mais objetivo e garante fontes permanentes de verba. “Educação e saúde têm verba carimbada. Por que a segurança não pode ter?”, questionou.
O vice-líder Sanderson (PL-RS) vê diferenças ideológicas profundas: “A oposição defende endurecimento, o governo fala em desencarceramento. Lula acha que não se deve prender quem furta celular”. Já Rodolfo Nogueira (PL-MS) e Coronel Meira (PL-PE) defendem penas mais duras, restrição às audiências de custódia e o enquadramento de facções como terroristas.
O líder do governo, José Guimarães (PT-CE), rebateu as críticas e defendeu um debate técnico e unificado. “A segurança é assunto de Estado, não de improviso”, afirmou, dizendo que a PEC da Segurança e o PL Antifacção buscam racionalizar o sistema nacional.
Apesar dos projetos "quebra-galhos" da segurança terem entrado na pauta da semana, eles acabaram não sendo analisados por decisão de Motta.
Classificar MST como grupo terrorista pode ameaçar acordo de votações
Marcos Deois, diretor da consultoria política Ética, afirma que a segurança virou prioridade comum do presidente da Câmara, do governo e da oposição. “Hugo Motta quer fazer da PEC da Segurança uma marca de sua gestão e a oposição tem interlocução com o relator Mendonça Filho (União-PE) e o presidente da comissão, Aluísio Mendes (Republicanos-MA)”, diz.
Para o governo, a aprovação da PEC também representaria vitória política. “Será um dos raros casos de ganha-ganha-ganha entre governo e oposição”, aposta Deois, que prevê a votação do pacote de matérias na primeira semana de dezembro, perto do fim do ano legislativo. Ele estima ainda que a mudança na Lei Antiterrorismo deve ser votada junto com o PL Antifacção.
O ponto de atrito, segundo o analista, poderá surgir caso a oposição insista em ampliar o rol de organizações enquadradas, incluindo o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) — visto pela esquerda e pelo governo como um movimento social e não como grupo criminoso.
No âmbito institucional, ministros do STF, como Gilmar Mendes, destacaram que “não vamos necessitar disso”, se referindo ao novo status proposto para as organizações criminosas, enquanto Alexandre de Moraes já atua diretamente no tema como o novo relator da chamada ADPF das Favelas, ação que estabelece limites para a atuação ostensiva das polícias.