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O governo federal pretende se beneficiar de um artigo da Lei Geral do Licenciamento Ambiental que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou — mas que depois teve o veto derrubado pelo Congresso Nacional — para acelerar os planos de asfaltar a BR-319, rodovia que corta a floresta amazônica e liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO).
O artigo 11 da lei 15.190/2025 permite a simplificação do licenciamento ambiental para “serviços e obras direcionadas à ampliação de capacidade e à pavimentação em instalações preexistentes”, como é o caso da BR-319. Esse mecanismo, chamado de Licença Ambiental Especial (LAE), tende a acelerar a liberação dos órgãos ambientais e, consequentemente, o início da obra.
Pela nova lei, a licença pode sair em menos de 12 meses, especialmente nos casos em que a viabilidade ambiental já foi atestada — o asfaltamento da rodovia já teve uma Licença Prévia (LP) emitida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em julho de 2022, quando o presidente era Jair Bolsonaro (PL). Pelo trâmite normal, além da LP, o governo ainda teria de buscar a Licença de Instalação (LI) e a Licença de Operação (LO).
“O governo considera seguir esse novo caminho [da LAE] e também considera seguir o caminho tradicional. Vamos trabalhar paralelamente a fim de obtermos a licença ambiental agora em 2026 para iniciar a pavimentação do trecho do meio. Vamos trabalhar nos dois caminhos e o que garantir a licença mais rápido é o que será utilizado”, afirmou o ministro dos Transportes, Renan Filho.
Asfaltar a BR-319 é uma prioridade de Lula, apesar dos impactos ambientais que podem ser gerados. Em julho, o presidente disse que a pavimentação seria feita de “comum acordo com os ambientalistas”. Isso significou convencer a ministra do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, Marina Silva, a firmar um acordo com a pasta dos Transportes para viabilizar os estudos e o plano socioambiental do empreendimento.
“O entendimento dentro do governo é de avançar no licenciamento. A gente espera nos primeiros meses de 2026 ter o licenciamento do trecho para licitarmos e iniciarmos as obras”, confirmou Renan Filho, que reiterou que a obra é um desejo do presidente. “A disposição do presidente Lula é pavimentar a BR-319 e garantir acesso ao povo do Amazonas por asfalto”, completou.
Trecho do meio da BR-319 tem mais de 400 quilômetros de estrada de chão
A BR-319 começou a ser construída em 1968 dentro de um plano de integração nacional na época da ditadura militar — a pista demorou quase dez anos para ser concluída. Em 1976, a rodovia foi inaugurada com asfalto em todo o seu percurso de 885 quilômetros entre Manaus e Porto Velho.
A baixa qualidade do pavimento e a falta de manutenção da estrada fez com que o asfalto se deteriorasse com o passar dos anos e sumisse de boa parte da BR-319. Durante vários anos, alguns trechos de terra ficaram intransitáveis. Hoje, a rodovia é inteira trafegável, mas cerca de 405 quilômetros não são asfaltados, o que equivale a 46% do percurso.
Esse pedaço fica localizado entre os km 250 e km 655,7, bem no trecho central da rodovia, onde estão localizadas 28 unidades de conservação ambiental. Este fato é o que tenderia a atrasar as licenças necessárias para a realização da obra.
De acordo com o Observatório BR-319, uma instituição formada por várias organizações que geram informações sobre a rodovia, o asfaltamento pode aumentar o desmatamento da floresta, a grilagem de terras e exploração ilegal de minérios. Em agosto deste ano, o levantamento "Abertura de Ramais e Estradas Clandestinas como Vetores de Desmatamento no Interflúvio Madeira-Purus" mostrou que há pelo menos 2.240 quilômetros de estradas ilegais que cruzam a BR-319 e avançam sobre unidades de conservação. Outros 1.297 quilômetros atravessam territórios indígenas.
“Não é porque foram desregulamentadas estruturas de controle fundamentais dos processos de licenciamento, o que facilita muito o processo de repavimentação, que não devemos, enquanto sociedade civil, continuar a exigir e pressionar os poderes instituídos e os órgãos competentes para que toda e qualquer obra respeite e valorize os bens culturais, sociais, ambientais e paisagísticos da região afetada”, escreveu o coordenador do Observatório BR-319, Marcelo Rodrigues.


