Jovem goiana transforma insegurança em movimento nacional feminino sobre carros
Vittória Gabriela lidera a maior comunidade feminina do país sobre carros e prepara um app para ampliar a autonomia das mulheres ao dirigir
Durante décadas, o universo automotivo foi tratado como território masculino. O reflexo disso aparece nas oficinas, nos orçamentos inflados e nas explicações técnicas que muitas mulheres ouvem sem entender ou sem ter coragem de questionar. Embora representem 36,2% dos condutores habilitados no Brasil, cerca de 30,9 milhões de motoristas, elas ainda são as mais vulneráveis quando o assunto é mecânica. Foi contra esse cenário que uma jovem goiana decidiu acelerar. Até poucos anos atrás, Vittória Gabriela era apenas mais uma motorista insegura diante de uma luz acesa no painel ou de um barulho estranho no motor. Hoje, aos 29, lidera a maior comunidade digital do país dedicada a ensinar mulheres a lidar com seus próprios carros e prepara o lançamento de um aplicativo gratuito previsto para o primeiro semestre de 2026.
“Quando me mudei para Brasília para cursar Engenharia Aeroespacial, qualquer problema no carro me deixava desesperada. Eu ligava para o meu pai ou procurava alguma figura masculina. Era insegurança, solidão e a sensação constante de que eu não deveria estar ali perguntando”, relembra. A experiência pessoal se somou aos relatos de amigas que se sentiam enganadas em oficinas mecânicas. “Uma delas desconfiou de um orçamento, pediu que um primo levasse o mesmo carro ao mesmo lugar, e o valor caiu drasticamente. Aquilo me revoltou”, conta. Foi dessa indignação que nasceu o projeto “Dona do Meu Destino”, hoje uma comunidade com mais de 876 mil seguidores no Instagram sendo 92% mulheres.
Da engenharia ao movimento de mudança em prol delas
A virada na vida de Vittória Gabriela aconteceu ainda na faculdade, quando ela ingressou em um projeto estudantil de construção de carros. Era uma das poucas mulheres do grupo e percebeu que cada pergunta vinha acompanhada de olhares desconfiados. Mesmo assim, insistiu. A partir dali, sugeriu algo simples e disruptivo: um evento no Dia da Mulher para ensinar cuidados básicos com o carro. A primeira edição, realizada em um parque de Brasília, reuniu cerca de 200 mulheres. No ano seguinte, com apoio da imprensa local, o número de inscrições saltou para 1.600. “O evento começava com uma conversa, porque o mais difícil é o medo. Depois, cada carro virava uma estação: troca de pneu, checagem de fluidos, compra e venda. Eu aprendia junto com elas”, afirma.
Com a pandemia, o projeto ganhou força no ambiente digital. Um vídeo explicando como fechar corretamente o capô do carro viralizou e alcançou cerca de 800 mil visualizações. “Eu acho que o que fez tudo dar tão certo é justamente eu não saber tanto no começo. Eu ensino o que aprendi, na linguagem que eu gostaria de ter ouvido”, diz.
Determinada a aprofundar o conhecimento, ela trancou a faculdade e cursou um técnico em Mecânica, sendo a única mulher da escola inteira. “O professor me perguntou por que eu estava ali e esse questionamento não foi feito a nenhum homem. Nas aulas práticas, perguntavam se eu realmente ia colocar a mão na massa e anos depois, já atuando como mecânica, ouvi de clientes dúvidas diretas sobre minha capacidade profissional. Isso mostra como o preconceito ainda é estrutural. Historicamente, carro sempre foi visto como assunto de homem, mas isso tem que mudar”, enfatiza.
Atualmente, o movimento entra em sua fase mais ambiciosa com o desenvolvimento de um aplicativo que promete ser uma espécie de “amiga experiente dentro do carro”. A plataforma reunirá calendário de manutenção preventiva, histórico de revisões, médias de custo, alertas personalizados e um sistema de diagnóstico rápido para situações comuns, como carro que não liga, luzes no painel ou ruídos inesperados. Além disso, o app também vai orientar como agir em situações de emergência, quando chamar um guincho e quando é seguro seguir rodando. “Nosso objetivo não é substituir o mecânico, mas ser uma etapa anterior, que traga clareza e segurança”.
De acordo com a especialista, muitas mulheres nem sabem que existe um plano de manutenção do carro, embora ele esteja no manual e a manutenção preventiva seja, de longe, o recurso mais barato que existe. “Muitas mulheres ligam para alguém pedindo socorro antes mesmo de chamar o guincho. Informação dá autonomia e reduz a sensação de vulnerabilidade”, afirma. Os pilares do projeto, andar, comprar, cuidar e reparar, também estarão presentes na ferramenta, abordando desde medo de dirigir até a escolha do carro ideal”.
Revisão do automóvel é mais que necessária: salva vidas
Como citado pela especialista, a revisão é primordial e inclusive, mais barata quando feita nos prazos corretos. Porém, com a chegada das férias, o número de veículos que procura mecânicos para a checagem de itens essenciais aumenta, já que muitos motoristas vão pegar a estrada. Mas você sabe o que checar antes de sair da cidade? A reportagem é de Renata Rode.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

