presidente Lula Davi Alcolumbre
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil)

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Sem conseguir estancar o desgaste na relação com o Congresso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) optou por adiar decisões sensíveis e usar o recesso parlamentar como instrumento de contenção política. A estratégia evita derrotas imediatas, mas empurra para o início de 2026 um conjunto de impasses que envolvem diretamente o Legislativo, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o próprio Planalto, em pleno ano eleitoral.

Entre os principais focos de tensão deixados para o próximo ano estão a indicação ao STF do ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, o veto anunciado ao PL da dosimetria e a disputa em torno da tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas. Para analistas, o acúmulo dessas pautas cria um cenário de governabilidade mais restrito e reduz a capacidade do governo de impor uma agenda positiva.

A indicação de Jorge Messias, por exemplo, se transformou em crise aberta entre o Planalto e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Sem votos suficientes para garantir a aprovação imediata do nome, o governo decidiu desacelerar o processo e apostar no recesso como forma de recompor pontes com o comando do Senado.

Nos bastidores, aliados de Lula avaliam que a indicação acabou se tornando um símbolo do enfraquecimento da articulação política do governo, que passou a depender de concessões adicionais para tentar destravar a sabatina. O cálculo do Planalto é ganhar tempo para reorganizar a base, mas o custo é manter o tema como fonte permanente de tensão no início de 2026.

O próprio Lula afirmou que o Senado preferia o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) no cargo, mas manterá sua escolha e espera que o nome seja aprovado após o recesso de fim de ano do Legislativo, a partir de fevereiro. “O Senado queria indicar o Pacheco, que tem méritos, gosto dele pessoalmente, sonhei para o governo de Minas Gerais. O (ministro Luís Roberto) Barroso se aposentou, o Alcolumbre queria indicar o Pacheco, e houve essa confusão”, afirmou Lula durante café com jornalistas no Planalto antes do recesso parlamentar.

Ainda segundo o petista, o governo vai esperar a volta do Congresso para encaminhar a “papelada do Messias”. “Gosto pessoalmente do Alcolumbre, não há nada pessoal, ele tem nos ajudado a aprovar coisas e não há nenhuma crise entre mim, ele ou Hugo Motta [presidente da Câmara]. Sou agradecido ao Congresso por ter aprovado tudo o que julgamos necessário e por aprovar o que nos interessava”, completou.

Veto de Lula ao PL da dosimetria gerará novo embate com o Congresso

Outro conflito já "contratado" para o próximo ano é o desfecho do PL da dosimetria, aprovado pelo Congresso e alvo de veto anunciado por Lula. A proposta reduz penas de condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e se tornou um teste de força entre Executivo e Legislativo.

"Com todo o respeito que eu tenho ao Congresso Nacional, a hora que chegar na minha mesa, eu vetarei. Isso não é segredo pra ninguém", disparou Lula.

Nos bastidores, lideranças governistas admitem que o veto é inevitável do ponto de vista político, mas reconhecem o custo institucional da escolha. A derrubada do veto, caso ocorra, representaria mais uma demonstração de força do Congresso sobre o Planalto e ampliaria a percepção de fragilidade da articulação do governo, especialmente na Câmara dos Deputados.

A expectativa entre assessores do Planalto é de que a disputa tende a ocorrer logo no início do ano legislativo, quando o ambiente já estará contaminado pelo calendário eleitoral. A aprovação do projeto no Senado, viabilizada por um acordo costurado pelo líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA), em troca da votação de pautas econômicas, expôs fissuras dentro da própria base aliada.

O episódio reforçou críticas de que o Planalto tem adotado uma estratégia defensiva, aceitando avanços pontuais do Legislativo para evitar derrotas maiores, mas acumulando passivos políticos que retornam de forma mais aguda. Para o cientista político Lucas Fernandes, da BMJ Consultores Associados, o problema central não está na possibilidade de derrubada do veto, mas na recorrência desse tipo de confronto.

“A derrubada de veto é um instrumento constitucional normal. O sinal de alerta aparece quando vetos passam a ser sistematicamente derrubados em pautas prioritárias, o que indica dificuldade do governo em construir consenso prévio no Congresso”, avalia.

Marco temporal reacende disputa institucional entre Congresso e STF

A aprovação, pelo Senado, da proposta de emenda à Constituição que tenta inserir o marco temporal para a demarcação de terras indígenas adiciona mais um elemento de tensão ao já desgastado relacionamento entre Congresso e Supremo Tribunal Federal. O texto estabelece como critério para a demarcação de reservas o status de ocupação das terras por povos indígenas na data da promulgação da Constituição de 1988. Ele confronta diretamente o entendimento consolidado da Corte, que declarou a tese inconstitucional e reafirmou o caráter originário dos direitos territoriais indígenas.

Ao avançar com a Proposta de Emenda à Constituição, o Congresso sinaliza disposição de desafiar o Judiciário por meio de uma mudança constitucional, estratégia que dispensa sanção presidencial e limita a margem de atuação do Executivo. Embora Lula já tenha indicado que trabalhará para barrar a proposta na Câmara, assessores do Planalto avaliam que o governo se vê novamente pressionado a administrar um conflito institucional que tende a se intensificar no início de 2026, quando o tema deve retornar ao centro da agenda legislativa.

Líderes do governo reconhecem que a insistência do Parlamento no marco temporal responde não apenas à pressão da bancada ruralista, mas também a um movimento mais amplo de reação às decisões do STF em temas sensíveis. A tramitação da PEC foi retomada após o enfraquecimento do grupo de trabalho criado pelo ministro Gilmar Mendes para buscar uma solução negociada entre os Poderes, o que reforçou a percepção, no Congresso, de que a mediação institucional não avançaria.

Para o consultor político Lucas Fernandes, o adiamento dessas disputas ajuda a esfriar os ânimos no curto prazo, mas concentra no início do ano eleitoral um estoque de temas inflamáveis que tendem a dominar o debate político. “Esses conflitos ocupam grande parte do espaço político e midiático e reduzem a margem do governo para lançar uma agenda positiva organizada, porque o Planalto passa a reagir à pauta em vez de defini-la”, afirma.

O analista destaca que Lula ainda dispõe de instrumentos relevantes, como políticas de impacto social, execução orçamentária e poder de veto, mas alerta para o custo político acumulado. “Cada crise aberta consome tempo, capital político e energia de articulação que poderiam estar voltados para prioridades programáticas.”

Na avaliação de Fernandes, ao empurrar conflitos para frente o governo evita rupturas imediatas, mas chega a 2026 pressionado por um ambiente de judicialização elevada, relação desgastada com o Congresso e maior dificuldade para controlar a agenda no ano eleitoral. O resultado é um início de campanha marcado menos por anúncios e mais por disputas institucionais — cenário que tende a testar os limites da governabilidade no último período do mandato de Lula.

“O governo seguirá precisando de apoio consistente do Congresso para evitar a aprovação de pautas bomba e controlar as CPIs em funcionamento, além de evitar a criação de novas no ano eleitoral”, explicou o cientista político.