Joel fabrica o mel do melato da bracatinga, considerado um mel raro e valioso.
Mel escuro tem participação de insetos na produção; 99% é exportado para Alemanha. (Foto: Rodrigo Rocha/Divulgação/Foto Argus)

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Escuro, encorpado e raro, o mel de melato da bracatinga — antes descartado pelos produtores — conquistou espaço entre os produtos mais valorizados da apicultura brasileira. Produzido no Planalto Sul, área que abrange municípios de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul, o mel ganhou status de “produto de excelência” após pesquisas internacionais comprovarem sua composição diferenciada, impulsionando a valorização no exterior.

Segundo o presidente da Federação das Associações de Apicultores e Meliponicultores de Santa Catarina (Faasc), Agenor Sartori Castagna, a mudança de percepção do mercado começou nos anos 2000. “Antes disso, os apicultores sequer colocavam colmeias embaixo das bracatingas [árvore nativa] quando elas começavam a melar, porque o melato vem do tronco, não da flor, e não tinha valor comercial”, lembra.

Ele afirma que a virada ocorreu quando pesquisadores alemães identificaram, por análises físico-químicas, as características exclusivas do produto. “Quando os alemães conheceram esse mel, ficaram encantados. Desde então, o produto começou a ser disputado."

Interação entre a bracatinga e insetos cria mel único

A bracatinga (Mimosa scabrella), árvore nativa da floresta Ombrófila Mista, fornece néctar e pólen no fim do inverno, permitindo a produção de mel floral. Mas é a interação natural entre as bracatingais e insetos do tipo cochonilha (Stigmacoccus paranaensis) que dá origem ao mel de melato.

O exsudato — líquido açucarado liberado pelos insetos — é coletado e transformado pelas abelhas, resultando no mel de melato da bracatinga, com um sabor singular. De acordo com Castagna, a coloração escura é um indicador de pureza. “Quanto mais preto, mais puro. O melato puro tem qualidade superior [...] Esse mel só existe aqui."

O mel do melato da bracatinga não cristaliza e é considerado de alta qualidade.O mel do melato da bracatinga não cristaliza e é considerado de alta qualidade. (Foto: Rodrigo Rocha/Foto Argus)

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Pesquisas internacionais elevam o mel de melato ao status de produto premium

Segundo a gestora da Indicação Geográfica (IG) do mel de melato da bracatinga, Caroline Maciel da Costa, os alemães, que identificaram as características exclusivas do produto, chegaram a comprar todo o estoque disponível no ano em que testaram as primeiras amostras.

A partir de 2016 e 2017, pesquisas foram intensificadas pelo Laboratório de Química de Alimentos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) para confirmar o diferencial do mel, que apresenta teor elevado de aminoácidos, ácido cítrico e, principalmente, de sais minerais — índices superiores aos encontrados em méis florais. Como o melato passa por dois processos enzimáticos (o da cochonilha e o das abelhas), ele tem composição distinta e não cristaliza, ao contrário dos méis florais.

O reconhecimento oficial da IG veio em 21 de julho de 2021, com a aprovação da Denominação de Origem. O selo permite rastreabilidade, autenticidade e comprova que a produção só pode ocorrer no Planalto Sul brasileiro. A lista de autorizados inclui 134 municípios: 107 em Santa Catarina, 15 no Paraná e 12 no Rio Grande do Sul.

A produção, segundo o presidente da Faasc, oscila entre 3 mil e 3,5 mil toneladas a cada dois anos, acompanhando o ciclo reprodutivo do inseto produtor do melato. Castagna destaca que praticamente toda a produção é direcionada ao mercado externo. “É 99% para a Alemanha. Eles valorizam muito porque é um mel especial, com mais proteínas, pouco açúcar e propriedades medicinais", informa Castagna.

O mel do melato da bracatinga é escuro, denso e único. (Foto: Joel de Souza Rosa/Acervo Pessoal)

Indicação Geográfica reorganiza o setor e profissionaliza produtores

A Faasc conta com apoio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) na estruturação da IG, que ganhou força e ajudou a reorganizar o setor, profissionalizando os apicultores. Para atender ao regulamento, os apiários devem ser georreferenciados e os produtores precisam realizar análises físico-químicas adicionais para comprovar que o mel é puro, ou seja, não possuem mistura com mel floral, conhecido localmente como “mel bugio”.

O conselho regulador analisa documentos, laudos e localização dos apiários. A fiscalização ocorre nas unidades de envase, por auditorias periódicas. A partir de 2026, um sistema automatizado deve aprimorar o controle de origem e qualidade.

Dez empresas, representando 43 apicultores, estão registradas como referência pela origem geográfica. Desde o segundo ano de vigência, houve aumento da procura e valorização do produto. Segundo a gestora de IG Caroline Maciel da Costa, em uma feira de Florianópolis, a participação do mel de melato nas vendas subiu de 40% para 60% após o registro.

A gestora articula ações para incentivar a preservação da bracatinga e fortalecer o território. Eventos técnicos ensinam produtores a manejar a espécie, plantar mudas, realizar quebra de dormência e compreender o ciclo da árvore e da cochonilha.

Em municípios que perderam parte dos bracatingais pela degradação, foram realizadas doações de mudas para escolas, com plantio e educação ambiental. Outra iniciativa em desenvolvimento é a "Rota Lambedor", lançada em Lages (SC), dedicada ao mel de melato, envolvendo pousadas, produtores artesanais e trilhas.

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Epagri orienta manejo específico para produtividade do mel

De acordo com o coordenador estadual de Apicultura da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), Rodrigo Durieux da Cunha, o manejo das colmeias para produção de mel de melato da bracatinga difere significativamente daquele usado para mel floral. Isso porque a dinâmica de oferta do líquido açucarado provenientes dos insetos é peculiar.

A frequência de colheita é menor — intervalos de 15 a 20 dias — e usa-se apenas uma ou duas melgueiras. As abelhas tendem a armazenar melato em áreas de postura, reduzindo a população do enxame, o que exige centrifugar favos do ninho e devolvê-los vazios para liberar espaço à rainha. "Como há baixa produção de cera nesse período, o apicultor precisa ofertar favos puxados, principalmente no ninho", explica.

Essas práticas, de acordo com Durieux, estão diretamente ligadas à alta produtividade típica das safras de melato, já que a oferta de excreções nos troncos é abundante e muitos apiários ficam próximos aos bracatingais, aumentando a eficiência de coleta.

A abelha colhe o melato produzido pela cochonilha e o transforma em mel do melato da bracatinga.A abelha colhe o melato produzido pela cochonilha e o transforma em mel do melato da bracatinga. (Foto: Saulo Luiz Poffo/Epagri)

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Apicultores reforçam colmeias e preparam enxames para a longa safra

A produção começa em dezembro e pode se estender até agosto ou setembro dos anos pares. Em anos ímpares, a produção existe, mas em menor escala, servindo muitas vezes apenas para alimentação das abelhas. Elas recorrem ao melato especialmente quando há escassez de floradas.

Para ter colônias fortes logo no início da oferta do exsudato, recomenda-se utilizar uma rainha nova, substituída na primavera. Também é essencial renovar favos velhos por cera alveolada e manter alimentação energética contínua com xarope de açúcar, simulando entrada de néctar e estimulando postura. Esse manejo deve começar de 45 a 50 dias antes da safra floral.

"Para evitar crias nas melgueiras, pode-se utilizar um sobreninho. Não se recomenda o uso da tela excluidora. Colônias fracas devem reforçar colméias mais fortes", explica o coordenador estadual de Apicultura da Epagri.

Após o fim da safra floral — geralmente na primeira quinzena de dezembro — é fundamental colher o mel floral restante antes da entrada do melato. Isso evita a mistura que dá origem ao “mel bugio”, rejeitado pela IG.

Durante a safra, como há pouca entrada de pólen, a alimentação proteica é indispensável para manter a população de abelhas. "Caso o apicultor observe redução na entrada de pólen, o fornecimento deve ser iniciado imediatamente. Não se deve utilizar alimento proteico em pó sobre os quadros, para evitar contaminação do mel."

O apicultor Joel de Souza Rosa trabalha com mel há mais de 30 anos em São Joaquim (SC).O apicultor Joel de Souza Rosa trabalha com mel há mais de 30 anos em São Joaquim (SC). (Foto: Rodrigo Rocha/Foto Argus)

De patinho feio a ouro negro da apicultura

Joel de Souza Rosa, apicultor há mais de 30 anos, conta que sua família sempre colheu o mel da florada da bracatinga, tradicionalmente armazenado em tambores de 300 kg para exportação. Nos anos pares, porém, a produção se volta ao mel de melato, que ele descreve como “único e de alta qualidade”. Além disso, chuvas intensas e temperaturas muito baixas podem comprometer a safra, enquanto no inverno ainda há o risco de ataques de tatus e iraras às colmeias.

Joel mantém 30 pontos de criação no interior de São Joaquim (SC), distribuídos em vários locais, cada um com 20 a 30 colmeias. Na área urbana, realiza a centrifugação e o envase em potes de 300 gramas, 500 gramas e 1 kg.

Ele conta que, no passado, todo o mel que produziam era vendido a empresas exportadoras, já que os apicultores desconheciam o valor do produto e ainda não havia pesquisas nem Indicação Geográfica. “Hoje eu invaso tudo e vendo tudo no mercado interno”, afirma. “A gente fica com todo o mel, porque agora sabemos do valor nutritivo e da importância da IG”.

Ele relata que o preço praticamente dobrou, passando de 25 para 60 reais o quilo. “O mel de melato da bracatinga era o patinho feio. Por ser escuro, não tinha mercado, era difícil de vender, mas se tornou o ouro negro dos apicultores".

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