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A bondade faz bem.
O que pode parecer uma afirmação óbvia transforma-se em receita de vida quando pensamos em Nelson Dequech e sua companheira de todos os momentos, Dilza. A simples aproximação física do casal gerava um clima de simpatia e paz.
Há dez anos, ao entrar no gabinete do presidente do Hospital do Câncer de Londrina, lembrei-me de uma reflexão do professor Olavo de Carvalho: “O amor ao próximo não é um ideal, um sonho, uma construção cultural; é o fundamento real da sociedade humana e só pode ser conhecido por meio da experiência participante”.
Nelson Dequech, que nos deixou na última segunda-feira, 24, aos 85 anos, acreditava em milagres. Não fosse assim, jamais aceitaria assumir a Presidência do HCL em 2005, quando a instituição passava por uma profunda crise financeira.
O milagre que salvou o hospital está diretamente relacionado à bondade. Nelson apelou aos bons sentimentos da comunidade londrinense e assim conseguiu recuperar um centro de referência para tratamento de câncer que atrai pacientes do Paraná, de outros estados e até de outros países. “Depois que eu vi o que aconteceu com este hospital, só posso acreditar em milagres. Dentro de um raciocínio puramente lógico, econômico e administrativo, o HCL seria uma empresa inviável. Mas, contra todas as probabilidades, está funcionando, melhorando, crescendo.”
Há vinte anos, o Hospital do Câncer de Londrina estava atolado em dívidas, com mais de 900 títulos protestados. Seu principal cliente era – e continua sendo – o Sistema Único de Saúde (SUS). Engenheiro civil e empresário do ramo imobiliário, Nelson Dequech decidiu que reconstruiria o HCL mesmo contra toda a lógica que havia aprendido na universidade e na vida profissional. Graças ao apoio da comunidade, o hospital passou a pagar suas contas em dia.
Milagres nunca vêm sozinhos. Como todos sabem, não existe dor maior que a de perder um filho. Em 2005, seu Nelson e dona Dilza passavam por esse terrível sofrimento. O desafio de reerguer o Hospital do Câncer veio no momento em que eles já estavam quase desistindo.
O milagre de salvar o HCL veio acompanhado pelo milagre de dar novo sentido à vida do casal. Seu Nelson havia acabado de assumir a Presidência quando recebeu uma péssima notícia: diversas cirurgias seriam desmarcadas por falta de óleo diesel para a caldeira do hospital.
Telefonando a conhecidos, Dilza conseguiu uma doação de recursos para comprar o combustível, mas ainda faltava dinheiro: precisamente 2.224 reais. Ao desligar o telefone, ela notou a presença de um senhor ao seu lado. “Aqui está o dinheiro que falta para as cirurgias”, disse o desconhecido, oferecendo-lhe um maço de notas com o valor mencionado.
“Nunca mais vi esse homem. Não sei quem era, como surgiu, como conseguiu entrar no hospital naquele momento. Foi arrepiante”, relembrou dona Dilza, em entrevista a este cronista de sete leitores, há dez anos.
Várias vezes já quiseram dar a Nelson Dequech o título de Cidadão Honorário de Londrina. “Mas não preciso de título. Nasci em Londrina e sou cidadão londrinense. Isso me basta”, diz o filho de David Dequêch (1893-1973), fundador e primeiro presidente da Associação Comercial e Industrial de Londrina.
“Tenho vaidade, mas quero dominá-la”, dizia seu Nelson. “Só não gosto quando falam que eu sou careca”, brincava, fechando as janelas de sua sala para que as fotos ficassem mais nítidas. Então, lembrei-me da frase de um professor: “Em determinada hora, você perceberá que a bondade é como se houvesse um sol dentro do seu peito.”
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Durante a vida, Nelson Dequech teve vários modelos de conduta. Um deles foi Lucilla Ballalai, fundadora do Hospital do Câncer. “Quando criança, eu brincava na casa de dona Lucilla com seus filhos Nuno e Augusto”, recorda. “Era uma mulher empreendedora, decidida, incansável.”
Outro exemplo foi Zaqueu de Melo, diretor do Colégio Londrinense. “Quando terminei o ginásio, decidi não fazer o colegial científico e me matriculei no curso de técnico em contabilidade. Mas o professor Zaqueu achava que eu deveria seguir carreira em ciências exatas. Ele me matriculou por conta própria no científico e ainda me concedeu bolsa de estudos”, conta Nelson, que se formou em engenharia civil no Mackenzie, em São Paulo.
O maior paradigma de Nelson Dequech foi o pai. Em David, admirava o espírito aventureiro, a persistência, a disciplina, a fibra e a tolerância. Nascido em janeiro de 1940, Nelson não era considerado oficialmente um pioneiro – pois o título só é concedido aos que chegaram a Londrina até dezembro de 1939. “Mas ser pioneiro não é chegar primeiro. Ser pioneiro é um estado de espírito. Pioneiro é aquele que chega para fazer, empreender, construir. Ele faz a diferença sem reclamar. Resolve seus problemas sem esperar que os outros o façam. Ele sabe que só o trabalho gera prosperidade.”
Para seu Nelson, a maior qualidade do pioneirismo é ter fé – acreditar mesmo no impossível
“O Hospital do Câncer conseguiu se reerguer porque as pessoas acreditaram. Alguns disseram que era loucura, que eu estava dando injeção em defunto, mas provei o contrário.” Nelson lembra o orgulho do pai ao ver Londrina crescer. “Quando tudo começou, eram apenas um punhado de pioneiros, alguns ranchos de palmito e a floresta. Mas ele viu a cidade crescer no meio do sertão.”
No dia em que desmontaram a primeira casa de madeira feita por David Dequêch, o pioneiro fez questão de guardar um dos esteios da construção. Era um tronco de madeira de lei – que por muitos anos esteve guardado na casa do filho Nelson.
“Um dia, Londrina terá um museu. E vocês vão levar esse esteio com luvas e fraque até lá”, previu o fundador da Associação Comercial. Dito e feito: hoje o tronco pode ser visto no Museu Histórico de Londrina. Aquele esteio simboliza o espírito empreendedor do qual Nelson Dequech era um autêntico herdeiro.
Olho pela janela do meu escritório e penso em meu amigo Nelson Dequech. É uma linda manhã de sol; posso ver o céu e o desenho dos prédios da minha cidade amada. Um desses prédios é o Hospital do Câncer.
Aqui da minha janela, vejo a bondade como um sol que se acende no coração e ilumina todo o nosso ser. Ela não apenas faz bem – ela edifica milagres. A vida do seu Nelson, pensa este cronista de sete leitores, foi um milagre da bondade.
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