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O protecionismo europeu está, mais uma vez, colocando entraves à assinatura do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia. Uma votação no Conselho da UE, que estava prevista para ocorrer na última sexta-feira, foi adiada, devido às resistências de França e Itália, e deve ficar para janeiro do ano que vem. Para o acordo ser assinado pelos europeus, seria preciso o apoio de pelo menos 55% dos países-membros, que, somados, representem no mínimo 65% da população do bloco. Com França e Itália fora desse grupo, a aprovação correria risco, apesar de Alemanha e Espanha serem favoráveis ao acordo.
A resistência do setor agropecuário europeu ao acordo é notória; as potências agrícolas do continente subsidiam pesadamente o agronegócio local para que ele seja competitivo, e a ampliação da entrada de produtos sul-americanos mais baratos nos mercados europeus seria um duro golpe contra os produtores rurais. No fim de semana, ministros franceses já haviam classificado o acordo como “inaceitável em sua forma atual”. Produtores na França e na Bélgica se manifestaram com bloqueios em cidades e estradas. De última hora, a Itália se juntou ao coro de descontentes, com a premiê Giorgia Meloni afirmando que precisa ouvir primeiro o agronegócio local.
Ultimatos infantiis como o de Lula têm utilidade zero quando se trata de conseguir a conclusão de um acordo cujas negociações são extremamente complexas
Incapazes de competir de igual para igual com os produtos do Mercosul, os europeus usam a questão ambiental como pretexto para manter as vantagens oferecidas ao agronegócio local ou para limitar, de alguma forma, a entrada das exportações de itens do agronegócio sul-americano. Em outra frente, não diretamente relacionada à assinatura do acordo, mas com reflexos evidentes no futuro do comércio entre os dois blocos, o Parlamento Europeu aprovou um mecanismo de salvaguardas que dificulta importações do Mercosul caso a entrada de produtos agrícolas sul-americanos baixe demais o preço desses itens na Europa.
Durante a campanha eleitoral de 2022, Lula também criticou o acordo Mercosul-União Europeia e, uma vez eleito, impôs dificuldades às negociações para manter controle maior sobre as compras governamentais. No entanto, ele mudou de opinião por medo de perder o protagonismo para o argentino Javier Milei, libertário defensor do livre comércio, e passou a trabalhar pela assinatura do acordo. Frustrado com as recentes dificuldades impostas pelos protecionistas europeus, o petista bravateou: “eu já avisei para eles, se a gente não fizer agora, o Brasil não fará mais acordo enquanto eu for presidente”, afirmou durante reunião ministerial no dia 17. Apesar disso, fontes diplomáticas afirmaram que os países-membros do Mercosul foram avisados do adiamento da votação no Conselho da UE e concordaram em discutir um novo cronograma.
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Lula sabe, ou ao menos deveria saber, que esse tipo de ultimato infantil tem utilidade zero quando se trata de conseguir a conclusão de um acordo cujas negociações são extremamente complexas. Bravatas podem até incendiar a militância ou dar a impressão de que o país tem um líder forte, mas acabam revelando fraqueza quando a promessa não se torna realidade. É melhor deixar os adultos conversarem – especialmente se forem adultos convencidos de que o livre comércio é ferramenta poderosa para o desenvolvimento econômico de um país como o Brasil, ainda bastante fechado e que precisa de inserção comercial para superar gargalos como a baixa produtividade.