
Ouça este conteúdo
Essa história se passou com meu amigo Heitor, que é policial militar no Rio de Janeiro. É ele quem vai contá-la.
“Ontem atendi a uma ocorrência no centro da cidade. Uma jornalista solicitou nossa ajuda. Ela e sua amiga haviam sido vítimas de dois criminosos nas proximidades do camelódromo da rua Uruguaiana. Os bandidos roubaram o celular que a jornalista usa em seu trabalho. Um deles estava armado”.
O celular era antigo, um modelo básico da Samsung, sem muito valor. Mas a jornalista estava desesperada porque no celular estavam sua lista de contatos e arquivos importantes. Ela não tinha backup.
Duas horas já haviam se passado desde o momento do assalto.
Sempre recomendamos que as vítimas compareçam à delegacia mais próxima, para fazer o registro de ocorrência. Eu ainda tento ajudar a recuperar o aparelho, caso seja possível rastreá-lo.
Enquanto conversávamos com as duas moças, fomos informados, pelo rádio, que vítimas estavam procurando viaturas da polícia para informar outras ocorrências de assalto na mesma região. Uma das equipes policiais havia conseguido prender indivíduos cuja aparência correspondia aos criminosos descritos pela jornalista.
No começo, quando entrara na viatura, ela disse que estava indo à delegacia apenas para recuperar o aparelho. No final, acabou ajudando a enfiar dois criminosos atrás das grades
Nos oferecemos para levar a jornalista e sua amiga até a delegacia. A jornalista – esquerdista, como são quase todos os jornalistas que conheço –entrou na viatura dos policiais "fascistas, imperialistas e filhotes da ditadura” (esse é um dos tratamentos que recebemos com frequência). Na delegacia, ela reconheceu um dos criminosos. A pistola utilizada no crime era um simulacro – uma imitação de arma. Um dos criminosos havia escondido o dinheiro dos assaltos dentro da tornozeleira eletrônica que ele usava.
No caminho até a delegacia a jornalista conversou conosco. "Ainda bem que vocês têm uma cabeça diferente desses militares do Exército, né?”, ela disse, completando: “Vocês são úteis". Respondi que, na verdade, estávamos extrapolando nossa função, porque não nos cabe transportar vítimas até a delegacia. Poderíamos até sofrer uma punição por isso.
Conversamos sobre policiamento. "O patrulhamento feito por policiais à paisana poderia ajudar muito a reduzir os crimes”, eu disse. “Ele criaria incerteza para os bandidos. Os criminosos não saberiam se há policiais presentes.”
“Então por que não fazem isso?”, perguntou a jornalista.
“Se policiais militares fizerem patrulhamento em roupas civis, a imprensa vai chamá-los de milicianos”, respondi.
Ela quis saber por que os criminosos não ficam presos muito tempo. Expliquei que a Justiça determina que eles sejam soltos. “É isso que acontece quando se flexibilizam as leis para atender a interesses políticos. A flexibilização acaba beneficiando todo o tipo de criminosos, até monstros."
VEJA TAMBÉM:
No começo da conversa, a jornalista havia se referido ao ladrão que a assaltara como um "usuário de drogas que roubou para comprar drogas". Então a convidamos a refletir. "Se ele é apenas usuário, por que atacou duas mulheres? Trata-se de uma ação pensada, planejada." Meu colega perguntou: "se eles estavam armados, e queriam drogas, por que não roubaram as drogas, ao invés de assaltar vocês?"
Elas pensaram e nos deram razão. A jornalista disse: "Pois é. Hoje ele roubou meu celular, amanhã pode matar alguém para roubar um aparelho".
Eu disse: "Imagine nossa sensação ao ver pessoas como a senhora sendo vítimas de criminosos, e depois ter que ouvir uma autoridade dizendo que eles são coitados e só roubaram o celular para tomar uma cervejinha. Sua vida vale uma cervejinha?"
No final ela ficou tão irritada com a ação dos marginais que decidiu testemunhar contra eles.
No começo, quando entrara na viatura, ela disse que estava indo à delegacia apenas para recuperar o aparelho. No final, acabou ajudando a enfiar dois criminosos atrás das grades.
Pelo menos por algum tempo, até que o país retome a sanidade.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos
