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O Censo 2022 revelou uma mudança histórica na estrutura familiar brasileira: pela primeira vez, casais com filhos já representam menos da metade das famílias no Brasil. Entre os fatores que explicam essa transformação estão o adiamento do casamento e da maternidade, os impactos dos filhos na vida profissional da mulher e o aumento da fragilidade nas relações conjugais.
A proporção de casais com filhos caiu de 56,4% em 2000 para 42% em 2022 — uma redução de 14,4 pontos percentuais —, de acordo com os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em contrapartida, casais sem filhos cresceram de 13% para 24,1% no mesmo período.
Cimar Aparicio, doutor em demografia pela Unicamp, avalia que, apesar da queda, casais com filhos ainda representam o arranjo familiar mais relevante no país. “A diminuição desse modelo tem forte relação com a queda da taxa de fecundidade, resultado do adiamento do casamento e do primeiro filho. Essa é uma tendência que já é muito forte na Europa e que, no Brasil, vem se intensificando”, afirma.
Camilo Colani, doutor em Direito e professor na Pós-Graduação de Família na Sociedade Contemporânea na UCSal, também avalia que um outro fator é a fluidez nas uniões conjugais. “É comum encontrar casais que passaram por várias relações antes de pensar em ter um filho. Para a decisão de ter um filho, o casal precisa estar em uma relação em que sinta conforto e segurança”, avalia.
Outro fator considerado por Colani é o impacto da chegada de um filho na vida profissional das mulheres. “Hoje, para as mulheres, ter um filho significa mais tempo fora do mercado de trabalho. Ao gerar um filho, a mulher tem, ao meu ver, um peso que evidentemente não é reconhecido socialmente”, considera. Para o professor, esses são os principais fatores que implicam no adiamento do primeiro filho.
Famílias monoparentais e lares com outros parentes também são comuns no Brasil
Aparicio destaca ainda que os dados do IBGE revelam outros arranjos familiares relevantes com a presença de filhos. Entre eles, o modelo monoparental — formado por apenas mães e filhos, que é o mais comum, ou pais e filhos — e as famílias estendidas, quando casais com filhos convivem com outros parentes, como sogros ou netos. “Essas duas realidades ainda são bastante comuns na sociedade brasileira”, analisa.
Segundo o demógrafo, o aumento do número de casais sem filhos também está relacionado ao envelhecimento da população. “Com o aumento da expectativa de vida, é comum que o casal tenha filhos que já se tornaram adultos e saíram de casa. Esse dado não necessariamente mostra quem não tem filhos, mas também casais mais velhos que tiveram e já não moram com eles”, explica. O envelhecimento populacional ocorre em ritmo acelerado no Brasil, impulsionado pelo aumento da expectativa de vida e pela redução das taxas de nupcialidade e de fecundidade. As consequências para a economia vão desde a redução da força de trabalho até o aumento de gastos com previdência e saúde. A previdência social está entre os principais responsáveis pelo déficit fiscal do país e, de acordo com o cenário demográfico, a situação deve piorar nos próximos anos.
Número de pessoas que moram sozinhas triplicou
O crescimento de lares de pessoas que moram sozinhas é outro dado expressivo. Esse grupo triplicou entre 2000 e 2022, passando a representar 19,1% das unidades domésticas do país. Apesar do avanço, o Brasil ainda está distante dos índices observados em países europeus, como a Finlândia, onde 45% da população vive sozinha, ou a Alemanha, com 41%.
“O Brasil segue a tendência mais típica de países latino-americanos, onde os domicílios com famílias ainda são predominantes. Apesar do aumento de domicílios unipessoais e de casais sem filhos, o latino-americano valoriza a família”, analisa Aparicio. Na Argentina, o percentual de pessoas que moram sozinhas é de 16,2%, e no México, 12,46%.
O demógrafo ainda destaca que esses arranjos familiares têm forte relação com fatores socioeconômicos. “Estudos urbanos indicam que os domicílios unipessoais e os casais sem filhos se concentram nos polos das regiões metropolitanas ou das grandes aglomerações urbanas Já nas áreas periféricas, predominam casais com filhos ou famílias monoparentais”, ressalta.
Colani concorda que pessoas que moram sozinhas possuem melhores condições financeiras. “Quando você faz o recorte para as camadas mais pobres da população, essa realidade dos domicílios unipessoal não aparece. Essa realidade é vivida tipicamente pela classe média ou classes superiores. Porque, afinal, morar sozinho é muito caro, especialmente em cidades grandes”, conclui.