Ozonioterapia: o que é, para que serve, riscos e o que a ciência diz
Entenda o que a terapia com ozônio realmente entrega, onde faltam provas e quais cuidados de segurança considerar antes de usar
O ozônio é um gás altamente oxidante. Em medicina, ele é produzido em equipamentos específicos e misturado ao oxigênio para aplicações locais (dentro de uma articulação ou de um disco intervertebral) e tópicas (água ou óleo ozonizados sobre a pele). Existem modalidades sistêmicas, como a auto-hemoterapia (retirar sangue, expô-lo ao O2-O3 e reinfundir), mas essas abordagens carecem de ensaios clínicos robustos que comprovem benefício clinicamente relevante. O interesse cresceu nos últimos anos, mas a literatura ainda traz estudos pequenos, protocolos heterogêneos e comparadores diversos, o que limita conclusões firmes e a padronização.
O que é e como funciona
Em doses baixas e controladas, o O2-O3 parece deflagrar um estímulo oxidativo discreto que ativa vias antioxidantes celulares e modula mediadores inflamatórios. Esse empurrão regulado pode reduzir a sensibilidade à dor e melhorar a microcirculação local por algum tempo. O desafio é traduzir essa lógica biológica em benefício clínico sustentado, com dose, concentração e número de sessões definidos, algo ainda não estabelecido de forma convincente.
Na osteoartrite do joelho, revisões sistemáticas — incluindo uma análise panorâmica recente — apontam redução da dor no curto prazo, com perfil de segurança aceitável. Mas há críticas. Na prática, alguns pacientes relatam alívio temporário, porém faltam dados para afirmar superioridade sobre infiltrações consagradas, como corticosteroides ou ácido hialurônico, e para definir protocolos ideais.
Na dor lombar por hérnia de disco contida, a quimionucleólise intradiscal com O2-O3 mostrou resultados encorajadores. Uma meta-análise sugeriu benefício sobre esteroides ou placebo aos seis meses; uma proporção relevante de pacientes evitou a cirurgia nesse período. Esses achados aumentam a confiança para casos bem selecionados, sempre em serviços experientes e com informação clara sobre as incertezas no longo prazo.
Onde a evidência é limitada ou inconsistente
Em feridas crônicas, como no pé diabético, a revisão Cochrane não conseguiu confirmar eficácia por falta de ensaios grandes e comparáveis. Estudos mais recentes descrevem redução da área da ferida e melhora de marcadores intermediários, mas ainda não demonstram, de forma consistente, maior taxa de cura completa quando comparados ao cuidado padrão. Na odontologia, o interesse por cárie e periodontite gerou muitos estudos pequenos e heterogêneos; a revisão com metanálise mais citada para cárie conclui que a certeza é muito baixa, insuficiente para recomendar uso de rotina.
Aplicações no aparelho digestivo
Na proctite actínica crônica, condição que pode causar sangramento retal meses ou anos após radioterapia pélvica, séries de casos com insuflação retal de O2-O3 e uso tópico de óleo ozonizado relatam melhora do sangramento. No entanto, as principais diretrizes da área — cirúrgica e endoscópica — não recomendam ozonioterapia para esse fim. O manejo de referência permanece baseado em métodos endoscópicos, como o plasma de argônio, em agentes tópicos, como formalina ou sucralfato, e em oxigenoterapia hiperbárica para casos selecionados. Fora desse contexto, há um estudo pequeno em colite ulcerativa distal que combinou ozônio com sulfassalazina e descreveu melhora em quatro semanas, sem replicação e fora das recomendações para doença inflamatória intestinal.
No pós-operatório de hemorroidectomia, um ensaio randomizado observou menos dor e cicatrização mais rápida com banhos de assento em água ozonizada em comparação com água comum, efeito interessante para conforto imediato, mas que não muda condutas maiores e ainda carece de confirmação independente. Em fístula anal crônica, uma série prospectiva considerou a técnica com ozônio não promissora. O quadro geral, portanto, é de evidência frágil e insuficiente para adoção rotineira no trato gastrointestinal.
Como não usar e alegações sem respaldo
A ozonioterapia não deve substituir tratamentos comprovados. Isso vale para antibióticos em infecções, revascularização em isquemia, cirurgia quando indicada e terapias modificadoras de doença em condições inflamatórias. Alegações amplas, como tratar câncer, turbinar a imunidade, desintoxicar o organismo, erradicar Helicobacter pylori ou corrigir disbiose intestinal, não contam com ensaios clínicos de qualidade que sustentem seu uso na prática.
Riscos e segurança
Procedimentos com gás podem, em situações raras, ocasionar embolia gasosa, com relatos de acidente vascular cerebral, infarto e lesões medulares. O risco é maior quando há comunicações cardíacas que permitam a passagem de bolhas para a circulação arterial. Por isso, são indispensáveis técnica rigorosa, ambiente adequado, triagem clínica e consentimento informado explícito. A administração de gás por via intravenosa é contraindicada. A inalação de ozônio não é terapêutica: o gás inalado é tóxico para os pulmões e está associado à piora da função respiratória e ao aumento de eventos e de mortalidade respiratória em estudos populacionais. Em protocolos responsáveis, costuma-se evitar modalidades sistêmicas em pessoas com deficiência de G6PD, pelo risco teórico de hemólise, e adiar procedimentos em gestantes, portadores de pneumopatias ativas ou com infecção no trajeto de aplicação. Eventos menores, como dor local, tontura e reações vasovagais, podem ocorrer e devem ser manejados com medidas de suporte.
Como decidir na prática
A decisão começa confirmando a indicação convencional e alinhando expectativas. Em osteoartrite de joelho, o objetivo é aliviar a dor por um período quando medidas conservadoras falharam. Em hérnia discal contida, a quimionucleólise pode ser uma alternativa para adiar ou evitar a cirurgia em centros experientes, com plano claro de acompanhamento. Em feridas crônicas, a abordagem com ozônio, quando considerada, deve ficar restrita ao papel de coadjuvante dentro de programas estruturados que já incluem descompressão da área, controle glicêmico estrito, antibióticos quando há infecção e revascularização quando indicada. No aparelho digestivo, fora de pesquisa clínica, as diretrizes atuais não endossam o ozônio para sangramento da proctite actínica, e o tratamento deve seguir as opções consagradas.
Perguntas frequentes
O ozônio cura artrose?
Não. Pode reduzir a dor por algumas semanas ou meses em parte dos pacientes, sem alterar a estrutura da articulação.
Serve para câncer, Covid-19 ou para fortalecer a imunidade?
Não há ensaios grandes, bem conduzidos e com desfechos relevantes que justifiquem uso rotineiro; se considerado, que seja apenas em pesquisa.
Há lugar no intestino ou no reto?
Existem relatos em proctite actínica e um estudo pequeno em colite distal, mas as diretrizes não recomendam ozônio para sangramento da proctopatia actínica; o padrão permanece endoscopia terapêutica, agentes tópicos e, em casos selecionados, oxigenoterapia hiperbárica.
Este material é educacional e não substitui consulta médica individualizada. Sinais de alarme após qualquer procedimento — piora súbita da dor, fraqueza ou dormência, falta de ar, desmaio, febre ou sangramento retal importante — exigem avaliação urgente.
Dr. Antonio Couceiro Lopes – CRM/SP 100.656 | RQE 26013
Cirurgião do Aparelho Digestivo
Membro da Brazil Health

