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É triste que a cultura dos provérbios tenha saído do horizonte da nossa cultura! – essas frases simples, sintéticas e poderosas, cujo poder vem justamente dessa síntese tão rica em sua simplicidade. Não é à toa que a própria Bíblia Sagrada tenha, entre os seus 73 livros, um dedicado tão somente a eles, e chamado de nada mais que “Livro dos Provérbios”. Se na quinzena passada falei sobre duas palavras, comentando como deve ser recuperado o seu verdadeiro sentido, para que se recupere o seu verdadeiro valor, hoje alargo a reflexão para as frases – frases-chave, frases-guia.
O tema é tão interessante que seria possível escrever um livro inteiro a respeito (será que alguém já escreveu? Eu não conheço, mas leria com prazer). Fato é que, sendo o ser humano uma criatura esquecida – o qual, quando se vê no calor do dia a dia e na agitação de suas tarefas, se esquece facilmente de seus propósitos, de seus valores, tentando pelas circunstâncias e pela fraqueza da nossa carne –, é necessário que tenha à mão ferramentas de memória. Não falo de memória prática, como um post-it para se lembrar do documento tal, ou de um bilhete na porta do freezer para não esquecer de descongelar a carne. Falo de não esquecer dos nossos projetos de vida mais sérios enquanto estamos em meio às dificuldades cotidianas, falo de não esquecer as realidades transcendentes quando estamos em meio a uma situação prosaica demais.
Para isso as mais diversas tradições filosóficas e espirituais serviram-se sempre desse recurso. Se os hebreus passavam oralmente – e depois registraram na Escritura – os seus provérbios, também muitos filósofos gregos e latinos transmitiam sua doutrina por meio de “máximas”. Do mesmo modo, os cristãos orientais e ocidentais guardam para si umas frases, que repetem ao longo do dia – orações monológicas ou as famosas jaculatórias. Mas a própria tradição poética nos dá isso, pois lembrar um verso ou um poema pode, em vários casos, servir ao mesmo propósito, que é o de termos à mão um símbolo, como uma espécie de amuleto verbal, que nos indique novamente o caminho da floresta confusa de volta para casa, como as pedrinhas brancas dos meninos João e Maria.
Hoje quero mostrar que, se o ser humano faz isso há tanto tempo, e se esse expediente é benéfico para nós, adultos, certamente pode sê-lo também para as crianças, como ferramenta útil e benfazeja na sua educação. Em minhas aulas, costumo chamar esses instrumentos pedagógicos de “frases-guia”. Quando bem compreendidas, revelam-se poderosas na formação moral e afetiva das crianças. Trata-se de pequenos “provérbios” particulares, pequenas expressões de ordem prática, curtas e diretas, que servem como bússolas de conduta, sobretudo nos primeiros anos da infância. São lembretes morais em miniatura, sentenças que, por sua brevidade e clareza, gravam-se na memória e ajudam a orientar as decisões cotidianas.
Quando os filhos são muito pequenos, antes mesmo de chegarem à chamada idade da razão, as frases-guia valem mais que longas explicações. Nessa fase, o entendimento infantil ainda não está maduro o suficiente para acompanhar raciocínios abstratos. É comum vermos pais, movidos por boa intenção, é claro, empenharem-se em justificar detalhadamente cada ordem e cada correção, como se a criança pudesse compreender as razões morais e práticas que sustentam cada gesto! Mas é preciso reconhecer: por mais que ela pareça compreender – “as crianças entendem tudo que a gente fala!” –, há um limite real imposto pelo seu próprio estágio de desenvolvimento.
As frases-guia são uma forma de educação pela repetição lúcida – uma repetição que não humilha nem esgota, mas molda
O crescimento humano é feito em degraus. Assim como o bebê não nasce sabendo andar, sustentar-se, alimentar-se ou falar, também não nasce com o uso pleno da inteligência e da vontade. Essas faculdades, que nos distinguem dos outros seres vivos, amadurecem com o tempo, e exigem condução – experiências, convivência com os adultos, exemplos, e uma lenta consolidação da percepção moral. O desenvolvimento físico obedece a leis visíveis e bem patentes: ninguém espera que um recém-nascido se sente ou caminhe; mas o desenvolvimento interior, intelectual e volitivo, é mais sutil e pode gerar confusão aos desavisados, embora igualmente gradual.
Antes da idade da razão, é o mundo sensível que governa a criança. Ela apreende a realidade muito mais pelo que vê, sente e percebe do que pelo que lhe é dito. As palavras, nessa etapa, têm menos peso que os gestos. Basta pensar no exemplo simples de um bebê de 9 meses: se a mãe se aproxima sorrindo, com expressão de ternura, mas dizendo em tom alegre “a mamãe não gosta de você”, a criança provavelmente reagirá com riso, e não com choro... Ela percebe o gesto, não o conteúdo literal, verbal ou mental, da fala. O contrário também é verdadeiro: se a mãe se afasta, chora e, entre lágrimas, diz “a mamãe te ama”, o bebê não compreenderá a contradição lógica, mas sentirá apenas a tristeza que vê diante de si.
O que isso nos ensina é que, nos primeiros anos, a linguagem da coerência emocional é a mais eficaz forma de educação. O olhar, o tom de voz, a presença tranquila e atenta, a alegria serena – tudo isso comunica muito mais do que discursos. A criança percebe quando estamos firmes, calmos, quando falamos olhando em seus olhos. Essa deve ser a “linha de base” da relação educativa: presença constante, afetuosa e clara. E é justamente quando essa linha se rompe – quando o tom se altera, quando há severidade ou desapontamento – que a criança percebe o erro e reconhece que ultrapassou um limite. Com o tempo, entretanto, começamos a introduzir as palavras que guiam.
As frases-guia nascem dessa transição entre o gesto e a razão. São expressões curtas, fáceis de memorizar, que funcionam como pilares de consciência moral. São as primeiras sementes da virtude da prudência – aquela que ajuda a discernir o que convém ou não fazer. E se um provérbio antigo pode iluminar nossa consciência num impasse, com as crianças essas frases têm ainda maior eficácia. Elas não pretendem substituir a explicação completa, mas precedê-la; criam uma espécie de trilho interior para a conduta, um caminho já traçado na mente que facilita o bom agir.
Tomemos um exemplo corriqueiro. Há fases em que estamos empenhados em ensinar um hábito simples, como o de apagar a luz ao sair de um cômodo. Em vez de repetir dezenas de vezes “volte lá apagar a luz, quantas vezes eu já não disse?!”, podemos recorrer à frase-guia: “Quando eu saio de um cômodo, eu apago a luz”. Repetida com constância, dita com serenidade, ela se grava, se fixa na memória e passa a funcionar como um lembrete automático. Quando a criança se esquece de novo, o pai ou a mãe começa: “Quando eu saio de um cômodo...” – e a criança vai logo completar: “... eu apago a luz”. E vai fazê-lo, muitas vezes com um sorriso: é a satisfação de retomar o bom caminho pelo símbolo singelo.
Esse método é muito mais eficaz do que as repreensões contínuas, porque transforma a correção em exercício de lembrança e de responsabilidade, e não em campo de conflito. O valor da frase-guia está em criar um laço entre a palavra e a ação, entre a consciência e o hábito. Ela não é uma fórmula mágica, mas, quando repetida com paciência e coerência, torna-se uma segunda natureza. A criança aprende, pouco a pouco, que certas atitudes são o modo natural de agir, e não imposições externas.
As frases-guia são, portanto, uma forma de educação pela repetição lúcida – uma repetição que não humilha nem esgota, mas molda. São palavras que, ditas com carinho e firmeza, gravam-se no interior da alma infantil e florescem mais tarde como princípios de vida.
Elas podem valer para as demais tarefas de higiene, ordem e disciplina, mas também para comportamentos com relação ao próximo e a si mesmo. Em minha casa, repito sempre que “nesta casa se come de tudo”. Reparem que não digo “nesta casa se come tudo”, mas “de tudo” – não é uma obrigação de raspar o prato, mas sim de equilíbrio e variedade: provar um pouco de cada alimento, o legume, a verdura, o arroz, a carne. A sentença torna-se um pequeno código familiar, quase um provérbio doméstico, que recorda à criança – e também aos adultos – que a vida equilibrada se aprende nos pequenos gestos, no domínio das preferências, no exercício da temperança.
Outra frase valiosa é “Faz o que deves, está no que fazes”. Ela condensa uma das mais altas lições da vida prática: fazer o que se deve fazer no momento presente, com a mente e o coração inteiramente voltados à tarefa. É uma forma breve de dizer: cumpra o seu dever, e cumpra-o com atenção. Quando a criança aprende a se perguntar “o que eu devo estar fazendo agora?”, começa a dar os primeiros passos rumo à virtude da diligência, tão rara hoje em dia. Quando o filho chega em casa, sabe que há uma sequência de tarefas – lanchar, trocar de roupa, fazer o dever de casa, etc. –, mas a tentação é sempre inverter a ordem. Então o pai ou a mãe pergunta: “O que você deve fazer agora?” “Brincar?” “Não, fazer o dever de casa.” E a frase volta como um lembrete: “Faz o que deves, está no que fazes”. Com o tempo, esse pequeno mandamento passa a reger também o estudo, o trabalho e até a vida espiritual. Fazer o que nos cabe, no momento certo, e com atenção plena – eis o segredo da maturidade e, em última instância, da santidade. É uma frase que fala à criança, mas corrige também o adulto que a repete.
Outra frase, de tom mais provocador, mas igualmente fecunda, é esta: “O depois é advérbio dos vencidos”. Dita no momento oportuno, tem a força de um golpe certeiro contra a procrastinação. Ensina que adiar o que se deve fazer é a atitude dos derrotados, daqueles que se deixam vencer pela preguiça, pela moleza ou pela falta de fortaleza. É uma forma concreta de mostrar que o tempo presente é o lugar do dever. A virtude não se adia, cumpre-se agora!
A criança começa obedecendo porque a mãe manda; mais tarde, obedece porque compreende. E, um dia, age bem porque ama o bem
E há também as frases que tocam o coração, especialmente nas relações entre irmãos. Quem não se lembra daquela pérola que herdamos do bom e velho Chaves? “A vingança nunca é plena, mata a alma e envenena”. Diante das brigas e discussões infantis, ela ajuda a nomear com clareza o que acontece no coração: a ira, quando se desvia de seu sentido justo, transforma-se em desejo de vingança. É natural que as crianças se irritem; a ira é uma paixão que pode ser boa, como já comentei. Mas quando o impulso de corrigir o mal se converte no desejo de fazer o outro sofrer, já não é justiça, é revanche, veneno para a alma. É o provérbio correto pode salvar a situação. “Vingança, não”, soa brevemente na mente da criança, e o gesto se detém. Mas notem que não são condicionamentos de comportamento, sinais irracionais: são sementes de racionalidade, que mais tarde florescerão nas regras morais completas, como “não fazer ao outros o que não queremos que se faça a nós”, e assim por diante.
Eu poderia correr páginas a fio exemplificando com outras frases-guia, que compõem a educação dos bons hábitos, das boas maneiras, dos bons sentimentos. Mas, no fim das contas, cada situação familiar e cada criança, e sobretudo cada momento por que passa a criança sem seu desenvolvimento, pede atenção para um ponto em específico, e a educação é uma longa obra dinâmica.
“Presto atenção quando falam comigo” ajuda as crianças desatentas, pois que muitas desobediências infantis não nascem de rebeldia, mas de distração, e a frase ajuda a despertar o sentido de presença: quando alguém se dirige a mim, eu paro, olho, escuto. A atenção é uma forma de respeito. Naturalmente, os pais também precisam aplicá-la a si mesmos. Quantas vezes a criança fala, pede algo, tenta contar uma história, e o adulto, absorto no celular ou nas tarefas domésticas, responde sem olhar, sem ouvir de verdade? A educação da escuta começa quando o adulto se torna modelo de atenção. Só quem escuta pode ensinar a escutar.
“Termino as coisas que comecei” é uma sentença de ouro, que contém em si a virtude da perseverança. Quantas vezes as crianças iniciam uma atividade com entusiasmo – um estudo, uma tarefa, uma brincadeira – e, assim que o primeiro impulso passa, deixam tudo espalhado, inacabado, como se o início bastasse? Essa frase vem justamente para retomar e fazer completar-se o percurso da ação. “Termino as coisas que comecei” – repete a mãe, o pai, o educador –, lembrando que o verdadeiro valor está em levar as coisas até o fim.
“Não deixo para depois o que posso fazer agora” é um acicate contra a preguiça do coração, e impulsiona a agir no tempo oportuno. “Tudo que fizer, faça bem-feito” espanta a mediocridade e retoma o empenho até que se finalize a tarefa com esmero. “Sou corajoso e digo a verdade” é a divisa de um pequeno herói. “Cada coisa em seu lugar” é a suma da ordem, vale para todos. Mas há também outras que parecem menos universais, por assim dizer, mas que serão igualmente válidas para nós. “Quando acabo de brincar, está na hora de guardar”, “Antes de comer, lavar as mãos”, “Quando acaba a refeição, os pratos vão para a pia”, “Depois de comer a gente dorme”, “Antes de dormir, eu faço xixi” – parecem triviais, parecem não carregar em si mesmas nenhuma grande lição de moral, mas são instrumentos úteis; ademais, na própria forma do uso de frases-guia está uma educação invisível que vai perdurar, que tem a ver com ensinar a criança a educar-se a si mesma nas pequenas disciplinas do dia a dia.
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Num momento de ira, em que a criança quer extravasar seu descontentamento com tapas: “Na mamãe se faz carinho” – diz a mãe, e a criança recorda o gesto aprendido: o toque que consola em vez de ferir. Mesmo essas frases têm algo de universal porque são lembretes de um bem objetivo, de uma norma acima das vontades individuais. Quando a criança as repete, reconhece, mesmo sem saber explicar, que existe uma ordem justa e estável – algo que é assim “porque é”. Essa constância dá segurança e estrutura à alma.
Há ainda frases voltadas ao espírito interior, que preparam para a vida adulta. Uma delas é “Faço as coisas com alegria”. É um antídoto contra o resmungo e a lamúria. Educar para a alegria não é mascarar o cansaço, mas ensinar a fazer o bem com amor. A alegria é fruto da doação e, ao mesmo tempo, um dever: “Deus ama quem dá com alegria”. A criança aprende, assim, que reclamar torna o fardo mais pesado, enquanto a boa vontade o torna leve. Quantas mães não experimentam essa lição em si mesmas – na rotina, nas exigências, nas renúncias diárias – e percebem que a alegria se perde justamente quando se busca a si mesma? A verdadeira alegria não está em fazer o que se quer, mas em querer o bem que se faz. Quando o bem é amado, ele gera contentamento; quando o bem é substituído pelo egoísmo, gera tédio e tristeza. Educar os filhos na alegria é educá-los para sair de si mesmos, para descobrir que a felicidade nasce do amor e não da autoindulgência.
Outra frase que vale ouro é: “Eu ajo, e não reajo”. Quantas vezes, diante de um conflito, nossa primeira resposta é a reação impulsiva? O grito, a réplica, a agressão. Essa frase ensina a pausa, o domínio, a liberdade interior. É um gancho ao qual nos agarramos quando a circunstância quer nos puxar para baixo, para as reações mais rasteiras. É uma frase mais adequada às crianças maiores, em que a sensorialidade ainda é o principal, mas essencial a todas as idades. A diferença entre reagir e agir é a diferença entre ser movido e mover-se. Quem reage obedece às circunstâncias; quem age obedece à consciência. Por isso, “ajo e não reajo” é uma síntese de maturidade moral.
Assim, de pedrinha em pedrinha – acaso têm as pedrinhas algum valor em si mesmas? –, João e Maria voltam para casa. E sem as pedrinhas? Não adianta amar os pais e querer regressar para o lar para conseguir fazê-lo, acabam iludidos pela casa da bruxa no caminho... É preciso instrumentos que componham uma trilha, que conduzam as crianças perdidas. Todas essas “máximas”, todos esses “provérbios domésticos”, essas frases, embora simples, são pontes entre o hábito e a virtude. No início, serão como “gatilhos” externos, que relembram o que deve ser feito. Mas, com o tempo, tornar-se-ão vozes internas, de uma consciência acostumada ao bem. A criança começa obedecendo porque a mãe manda; mais tarde, obedece porque compreende. E, um dia, age bem porque ama o bem.
As frases-guia que proponho são, portanto, sementes de uma moral interior, internalizada. Ajudam a criança a ordenar o dia, o gesto e o pensamento, preparando o terreno onde, mais tarde, a razão e a fé poderão florescer. Mas, ao brotarem no seio do lar – repito, porque é fundamental –, não servem apenas aos pequenos. Quando ditas com verdade, educam também a nós, pais. “Eu também preciso fazer as coisas bem-feitas”, “também preciso não deixar para depois”, “também preciso fazer o que devo e estar no que faço”, “também preciso agir em vez de reagir agressivamente...”. A autoridade dos pais nasce justamente dessa coerência: quando as frases que dizem aos filhos são as mesmas que norteiam a própria vida. E é assim que a educação, feita de palavras simples e exemplos constantes, vai moldando silenciosamente a alma da família. Pedrinha branca atrás de pedrinha branca, chegaremos ao lar que queremos ter.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos
