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Todo ano, milhões de brasileiros aguardam com expectativa o pagamento do décimo terceiro salário – aquele “dinheiro extra” que chega no fim de ano com promessa de alívio, presente, viagem ou quitar dívidas. No entanto, esse recurso chega em um cenário de forte fragilidade financeira: em setembro de 2025, mais de 30,5% das famílias estavam com contas em atraso, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
Além disso, a Equifax BoaVista, empresa especializada em dados e análise de crédito, registrou 60 milhões de consumidores negativados no primeiro semestre de 2025 – um aumento de 10,8% em relação ao mesmo período de 2024 e de 5,5% na comparação com o fim do ano passado. Diante desse quadro, surge a pergunta: o décimo terceiro está sendo usado como alívio financeiro ou como gatilho para novos impulsos de consumo e mais risco?
O pagamento do décimo terceiro oferece uma oportunidade única para melhorar a saúde financeira individual – mas só se for tratado com estratégia, consciência e entendimento comportamental. O desafio não está na chegada do dinheiro, mas no modo como lidamos com ele.
Como explica Nathalie Spencer em Good Money, gastar é uma experiência emocional, não apenas racional. Spencer destaca que nossa relação com o dinheiro é profundamente moldada por escolhas automáticas, impulso de consumo e sensação de recompensa instantânea: o “bom dinheiro” não é só aquele que se ganha, mas aquele que utilizamos com consciência para bem-estar financeiro de longo prazo. De forma semelhante, Morgan Housel, autor de A Psicologia do Dinheiro, mostra que a relação com o dinheiro depende mais do nosso comportamento do que do conhecimento técnico. Ou seja, não basta saber – é preciso agir de forma consistente.
Nesse período do ano, alguns padrões comportamentais tendem a afetar nossas decisões de compra. Viés do presente: buscamos o prazer imediato da compra e empurramos o desconforto da fatura para o futuro; Efeito loteria do décimo terceiro: tratamos o salário extra como prêmio, não como parte do orçamento; medo de perder uma oferta ou ficar de fora de algo que todo mundo está aproveitando; e comportamento de manada: compramos porque os outros estão comprando, e não porque realmente precisamos.
Por isso, o décimo terceiro salário pode – e deve – ser tratado como uma alavanca para melhoria da vida financeira. Para isso, é indispensável mudarmos o foco de “dinheiro extra para aproveitar” para “dinheiro extra para estruturar”.
Em termos práticos, recomenda-se que parte do décimo terceiro seja destinada prioritariamente para redução de dívidas de alto custo (como cartão e empréstimo pessoal), outra parte para formação ou ampliação de reserva de emergência e o remanescente para projetos pessoais com valor real, mas com parcimônia. O desafio não é só receber dinheiro, mas usá-lo com estratégia, priorizando estabilidade e bem-estar em vez de consumo imediato.
Olívia Resende é especialista em Educação Financeira, Economista, mestre e doutora em Administração, além de professora na Uninter.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos