Redução do contencioso de consumo: o plano de 180 dias
Varejo, bancos e aéreas podem reduzir o estoque de ações alinhando matriz decisória, operações e governança para corrigir falhas na jornada do cliente
A litigância de consumo vive uma expansão silenciosa. De um lado, carteiras que crescem de forma contínua. De outro, decisões do STF e do STJ que redefinem responsabilidade civil, prazos de arrependimento, práticas de mercado e equilíbrio regulatório. Nesse cenário, varejo, aéreas, telecom, bancos e plataformas digitais lidam com clientes mais informados, jornadas mais complexas e canais que nem sempre se comunicam.
O aumento do estoque não revela um problema apenas jurídico. É um problema de engenharia: repetição, falhas operacionais, ruído entre canais e decisões fragmentadas que se acumulam até formar um passivo financeiro e reputacional. Reduzir a carteira exige menos energia de defesa e mais inteligência de desenho.
A tese central é direta. Reduzir processos não depende de mais analistas, mais escritórios ou automações isoladas. Depende de método, governança e da capacidade de alinhar jurídico, operações e experiência do cliente sob uma mesma lógica.
O novo paradigma da judicialização de massa
O contencioso de consumo deixou de ser consequência de um descumprimento pontual para se tornar reflexo das inconsistências da jornada do cliente. A ação surge quando a experiência vivida se distancia da promessa feita pela empresa. As causas mais frequentes aparecem em qualquer operação de grande volume:
- Divergências entre app e SAC
- Devoluções não reconhecidas por falhas de integração
- Rotas de estorno que exigem múltiplos contatos
- Comunicação imprecisa sobre prazos de reembolso
- Clusters regionais com padrões previsíveis de juizados
São eventos discretos, mas com grande capacidade de escala. Em operações intensivas, uma única falha sistêmica pode gerar milhares de ações em semanas. O resultado é envelhecimento da carteira, aumento de provisões (CPC 25), impacto no fluxo de caixa e pressão crescente sobre jurídico e operações.
O ponto de virada: eficiência jurídica como projeto corporativo
Reduzir o estoque requer decisão institucional. A litigância precisa ser tratada como parte da estratégia da companhia. Quando o jurídico lidera uma revisão sistêmica, a empresa ganha previsibilidade e reduz custos de forma mensurável.
Os efeitos dessa abordagem integrada aparecem rapidamente:
- Queda de provisões
- Melhora no aging com acordos parametrizados
- Redução de OPEX
- Avanço de indicadores ESG-S
- Fortalecimento da governança por padrões unificados
As 5 ações para reduzir 25% da carteira em 180 dias
Antes de detalhar as ações, vale explicar por que a meta de 25% é plausível. Em análises amostrais de empresas com alto volume de ações de consumo, reduções entre 18% e 32% no estoque foram observadas quando quatro mecanismos atuaram simultaneamente: eliminação de fluxos repetitivos, correção de microprocessos críticos, acordos parametrizados e ajustes regionais orientados pelo comportamento de juizados e clusters. Esses mecanismos incidem sobre origem, recorrência, velocidade de baixa e prevenção de novos processos. O percentual de 25% não é promessa, mas intervalo consistente observado quando há método e alinhamento institucional.
O horizonte de 180 dias decorre dessa dinâmica. Os primeiros 60 dias concentram diagnóstico, matriz decisória e correção dos principais microprocessos. Entre o terceiro e o quarto mês, a empresa já percebe queda de reincidência e aceleração de encerramentos. Os últimos 60 dias são marcados pela estabilização dos fluxos, ajustes regionais e consolidação de indicadores. É um ciclo contínuo, com capacidade real de transformar o estoque em seis meses quando há coordenação institucional.
A seguir, as cinco ações:
1. Matriz decisória única
Empresas de consumo costumam ter respostas diferentes para o mesmo problema conforme o canal ou a área. A matriz decisória funciona como um “cérebro único”: define critérios, elimina contradições, reduz risco e padroniza respostas para temas repetitivos.
Na prática, isso reduz imediatamente:
- Perda por condenações previsíveis
- Inconsistências que geram Dobra do Valor da Condenação
- Divergências internas que alimentam ações desnecessárias
2. Revisão de microprocessos críticos da jornada do cliente
A litigância nasce nos detalhes. Ao revisar microprocessos essenciais, a empresa identifica rupturas invisíveis, como:
- Cancelamento no app que não replica no CRM
- SAC com prazos superiores aos regulatórios
- Marketplaces com políticas diferentes para vendedores e compradores
- Chatbot que interpreta mal os tickets não padronizados
- Divergência entre política comercial e fluxo operacional
Esses pontos, quando corrigidos, geram impacto direto na redução de ações em até 60 dias.
3. Painel de precedentes operacionais
A maioria das empresas olha apenas jurisprudência tradicional. Mas o contencioso de consumo é fortemente influenciado por:
- Clusters regionais
- Comportamento de juizados especiais
- Variações de condenação por praça
- Padrões de escritórios autores
Combinar jurimetria com análise operacional permite calibrar acordos, orientar prepostos, ajustar políticas e antecipar movimentos repetitivos.
4. Reengenharia contratual e atualização de políticas
Cláusulas de cancelamento, estorno, reembolso, logística reversa e marketplace precisam refletir a jornada real e o funcionamento dos canais. Quando políticas não conversam com a operação, ambiguidades se tornam milhares de ações.
Ajustes contratuais alinhados ao fluxo de atendimento reduzem atrito, evitam interpretações conflitantes e diminuem a judicialização preventiva. Políticas claras e aderentes ao comportamento do cliente reduzem ações e eliminam ruído antes do Judiciário.
5. Esteira de acordos inteligentes com automação
Acordos inteligentes aceleram a baixa do estoque com impacto direto em aging e provisões. Uma esteira bem desenhada inclui:
- Critérios parametrizados
- Respostas automáticas em baixa complexidade
- Acordos escaláveis por faixa de risco
- Integrações com CRM, preposto digital e BI jurídico
O resultado é o fechamento rápido de processos maduros e foco em litígios estratégicos.
Conexão com governança, risco e estratégia corporativa
A redução da litigância se reflete na governança. Auditorias registram queda de provisões, conselhos percebem maior previsibilidade e áreas de risco ajustam seus indicadores. A empresa passa a operar com menos ruído e mais segurança regulatória.
Empresas que tratam o contencioso como projeto de engenharia reduzem litigância, estabilizam a operação e ampliam sua capacidade de competir com segurança e eficiência. A redução de 25% da carteira em 180 dias não é promessa. É método.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.
