Redução do contencioso de consumo: o plano de 180 dias

Varejo, bancos e aéreas podem reduzir o estoque de ações alinhando matriz decisória, operações e governança para corrigir falhas na jornada do cliente

  • Por Ricardo Motta
  • 06/12/2025 08h00
Freepik Advogado Contencioso de consumo deixou de ser consequência de um descumprimento pontual para se tornar reflexo das inconsistências da jornada do cliente

A litigância de consumo vive uma expansão silenciosa. De um lado, carteiras que crescem de forma contínua. De outro, decisões do STF e do STJ que redefinem responsabilidade civil, prazos de arrependimento, práticas de mercado e equilíbrio regulatório. Nesse cenário, varejo, aéreas, telecom, bancos e plataformas digitais lidam com clientes mais informados, jornadas mais complexas e canais que nem sempre se comunicam.

O aumento do estoque não revela um problema apenas jurídico. É um problema de engenharia: repetição, falhas operacionais, ruído entre canais e decisões fragmentadas que se acumulam até formar um passivo financeiro e reputacional. Reduzir a carteira exige menos energia de defesa e mais inteligência de desenho.

A tese central é direta. Reduzir processos não depende de mais analistas, mais escritórios ou automações isoladas. Depende de método, governança e da capacidade de alinhar jurídico, operações e experiência do cliente sob uma mesma lógica.

O novo paradigma da judicialização de massa

O contencioso de consumo deixou de ser consequência de um descumprimento pontual para se tornar reflexo das inconsistências da jornada do cliente. A ação surge quando a experiência vivida se distancia da promessa feita pela empresa. As causas mais frequentes aparecem em qualquer operação de grande volume:

  • Divergências entre app e SAC
  • Devoluções não reconhecidas por falhas de integração
  • Rotas de estorno que exigem múltiplos contatos
  • Comunicação imprecisa sobre prazos de reembolso
  • Clusters regionais com padrões previsíveis de juizados

São eventos discretos, mas com grande capacidade de escala. Em operações intensivas, uma única falha sistêmica pode gerar milhares de ações em semanas. O resultado é envelhecimento da carteira, aumento de provisões (CPC 25), impacto no fluxo de caixa e pressão crescente sobre jurídico e operações.

O ponto de virada: eficiência jurídica como projeto corporativo

Reduzir o estoque requer decisão institucional. A litigância precisa ser tratada como parte da estratégia da companhia. Quando o jurídico lidera uma revisão sistêmica, a empresa ganha previsibilidade e reduz custos de forma mensurável.

Os efeitos dessa abordagem integrada aparecem rapidamente:

  • Queda de provisões
  • Melhora no aging com acordos parametrizados
  • Redução de OPEX
  • Avanço de indicadores ESG-S
  • Fortalecimento da governança por padrões unificados

As 5 ações para reduzir 25% da carteira em 180 dias

Antes de detalhar as ações, vale explicar por que a meta de 25% é plausível. Em análises amostrais de empresas com alto volume de ações de consumo, reduções entre 18% e 32% no estoque foram observadas quando quatro mecanismos atuaram simultaneamente: eliminação de fluxos repetitivos, correção de microprocessos críticos, acordos parametrizados e ajustes regionais orientados pelo comportamento de juizados e clusters. Esses mecanismos incidem sobre origem, recorrência, velocidade de baixa e prevenção de novos processos. O percentual de 25% não é promessa, mas intervalo consistente observado quando há método e alinhamento institucional.

O horizonte de 180 dias decorre dessa dinâmica. Os primeiros 60 dias concentram diagnóstico, matriz decisória e correção dos principais microprocessos. Entre o terceiro e o quarto mês, a empresa já percebe queda de reincidência e aceleração de encerramentos. Os últimos 60 dias são marcados pela estabilização dos fluxos, ajustes regionais e consolidação de indicadores. É um ciclo contínuo, com capacidade real de transformar o estoque em seis meses quando há coordenação institucional.

A seguir, as cinco ações:

1. Matriz decisória única

Empresas de consumo costumam ter respostas diferentes para o mesmo problema conforme o canal ou a área. A matriz decisória funciona como um “cérebro único”: define critérios, elimina contradições, reduz risco e padroniza respostas para temas repetitivos.

Na prática, isso reduz imediatamente:

  • Perda por condenações previsíveis
  • Inconsistências que geram Dobra do Valor da Condenação
  • Divergências internas que alimentam ações desnecessárias

2. Revisão de microprocessos críticos da jornada do cliente

A litigância nasce nos detalhes. Ao revisar microprocessos essenciais, a empresa identifica rupturas invisíveis, como:

  • Cancelamento no app que não replica no CRM
  • SAC com prazos superiores aos regulatórios
  • Marketplaces com políticas diferentes para vendedores e compradores
  • Chatbot que interpreta mal os tickets não padronizados
  • Divergência entre política comercial e fluxo operacional

Esses pontos, quando corrigidos, geram impacto direto na redução de ações em até 60 dias.

3. Painel de precedentes operacionais

A maioria das empresas olha apenas jurisprudência tradicional. Mas o contencioso de consumo é fortemente influenciado por:

  • Clusters regionais
  • Comportamento de juizados especiais
  • Variações de condenação por praça
  • Padrões de escritórios autores

Combinar jurimetria com análise operacional permite calibrar acordos, orientar prepostos, ajustar políticas e antecipar movimentos repetitivos.

4. Reengenharia contratual e atualização de políticas

Cláusulas de cancelamento, estorno, reembolso, logística reversa e marketplace precisam refletir a jornada real e o funcionamento dos canais. Quando políticas não conversam com a operação, ambiguidades se tornam milhares de ações.

Ajustes contratuais alinhados ao fluxo de atendimento reduzem atrito, evitam interpretações conflitantes e diminuem a judicialização preventiva. Políticas claras e aderentes ao comportamento do cliente reduzem ações e eliminam ruído antes do Judiciário.

5. Esteira de acordos inteligentes com automação

Acordos inteligentes aceleram a baixa do estoque com impacto direto em aging e provisões. Uma esteira bem desenhada inclui:

  • Critérios parametrizados
  • Respostas automáticas em baixa complexidade
  • Acordos escaláveis por faixa de risco
  • Integrações com CRM, preposto digital e BI jurídico

O resultado é o fechamento rápido de processos maduros e foco em litígios estratégicos.

Conexão com governança, risco e estratégia corporativa

A redução da litigância se reflete na governança. Auditorias registram queda de provisões, conselhos percebem maior previsibilidade e áreas de risco ajustam seus indicadores. A empresa passa a operar com menos ruído e mais segurança regulatória.

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Empresas que tratam o contencioso como projeto de engenharia reduzem litigância, estabilizam a operação e ampliam sua capacidade de competir com segurança e eficiência. A redução de 25% da carteira em 180 dias não é promessa. É método.

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.