Em 2016, durante uma ligação entre Dilma e Lula, a ex-presidente citou o "Bessias" que ficou nacionalmente conhecido desde então (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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No dia 16 de março de 2016, o rico anedotário da política brasileira ganhou mais um personagem: o Bessias. 

Ele entrou entrou para história como auxiliar da então presidente Dilma Rousseff que entregaria a Lula um termo de posse como ministro da Casa Civil. O papel serviria para garantir foro privilegiado ao petista e tirá-lo dos inquéritos sob a condução do juiz Sergio Moro. Assim, ele evitaria (ou pelo menos adiaria) uma prisão que parecia inevitável.

Agora, “Bessias” — Jorge Messias, atual advogado-Geral da União —  tem tudo para receber seu próprio assento no STF. 

Dia agitado 

A posse de Lula como ministro estava marcada para 17 de março. Um dia antes, a Polícia Federal interceptou e divulgou uma ligação telefônica entre Dilma e Lula. Na conversa, Dilma dizia que estava enviando a Lula o “termo de posse” e que ele poderia “usar em caso de necessidade”. 

O Ministério Público interpretou o ato da então presidente como uma tentativa de obstrução da Justiça. Sergio Moro, que era o juiz responsável pelas investigações da Lava Jato na 1ª instância, já possuía todos os indícios de autoria e materialidade para condenar Lula. Faltava apenas conquistar a opinião pública.  

Então, Moro decidiu retirar o sigilo sobre os dados colhidos na 24ª etapa da operação, tornando públicos áudios que, segundo os investigadores, tornavam patente que o líder petista fora nomeado ministro da Casa Civil para evitar ser alvo de ações da Justiça do Paraná. 

No dia seguinte à nomeação, o ministro Gilmar Mendes, do STF, suspendeu a posse de Lula, afirmando que o ato poderia ter desviado de sua finalidade ao tentar garantir foro privilegiado. Com essa decisão, Lula nunca chegou a exercer o cargo, e a assinatura do termo de posse que Dilma enviou — o papel mencionado na ligação — nunca foi usada. 

“Tchau, querida” 

Imediatamente, uma multidão de manifestantes tomou as ruas do país, especialmente a Avenida Paulista em São Paulo, onde, aos gritos de "Renuncia, renuncia" e "Vem pra rua", os participantes em polvorosa pediam a saída ou impeachment de Dilma. 

Quem era o advogado de Lula na ocasião? Cristiano Zanin. Indignado, o fiel defensor chamou de “arbitrário” e “grave” o grampo “envolvendo a presidente da República”. Afirmou, acima de tudo, que a decisão de Moro estimulava a “convulsão social, o que não é o papel do Judiciário”. 

Zanin defendia o foro privilegiado para Lula e, portanto, Moro já não teria competência para tomar a decisão, já que a partir daquela data Lula já era ministro. 

O Advogado Geral da União de Dilma, José Eduardo Cardozo, disse que o diálogo entre os petistas, ao contrário da interpretação da oposição, não estava dando a Lula um documento para ele se livrar de possível ação policial.

Segundo Cardozo, a presidente estava enviando a Lula o termo de posse para ele assinar. Isso porque Lula, de acordo com Cardozo, estava com problemas para comparecer à cerimônia de posse.

Jorge Rodrigo Messias, o “Bessias” ficou famoso com o seguinte áudio vazado entre Lula e Dilma: 

Transcrição da ligação: 

  • Dilma: Alô 
  • Lula: Alô 
  • Dilma: Lula, deixa eu te falar uma coisa 
  • Lula: Fala, querida. Ahn 
  • Dilma: Seguinte, eu tô mandando o 'Messias' junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?! 
  • Lula: Uhum. Tá bom, tá bom 
  • Dilma: Só isso, você espera aí que ele tá indo aí 
  • Lula: Tá bom, eu tô aqui, fico aguardando 
  • Dilma: Tá?! 
  • Lula: Tá bom 
  • Dilma: Tchau 
  • Lula: Tchau, querida 

No áudio, a voz de Dilma parece meio cacofônica. Na transcrição feita pela Polícia Federal, “Messias” foi identificado como “Bessias”. E a última frase da ligação tornou-se o símbolo da defesa pela retirada da presidente do cargo: “Tchau, querida”. 

Mas o mundo dá voltas e aquele menino de recado pode tornar-se, assim que aprovado pela sabatina no Senado Federal, o próximo ministro do Supremo Tribunal Federal.

“O ‘Bessias’ foi um personagem de ficção”, diz Jorge Messias

Em junho de 24, Jorge Messias afirmou à Veja que o episódio que o tornou conhecido como “Bessias” foi fruto de uma distorção política. “Se tivesse me atrapalhado, não estaria aqui”, disse, ao negar ter sido prejudicado pelo rótulo. Para ele, o “Bessias foi um personagem de ficção criado pela Lava Jato” com o objetivo de “desestabilizar o governo”.

Messias afirmou ter “muita clareza” sobre o contexto da gravação entre Dilma Rousseff e Lula e considerou que a sociedade “teve plenamente acesso a todos os fatos”. Ao comentar o conteúdo do documento citado no áudio, Messias explicou que “o termo de posse serve a um único propósito: dar posse a uma pessoa”.

Segundo ele, “o objetivo era dar posse ao presidente como ministro”, e a gravação foi “cortada em dez minutos para ser manipulada pela imprensa”. “Se você ouvir as cinco horas de gravação, vai entender exatamente a que se prestava”, concluiu.

Outros áudios vazados

No mesmo dia em que foi deflagrada a 24ª fase da Lava Jato, Lula conversou com o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes. Essa conversa, como outras de menor repercussão também vieram a público.

Nela, o prefeito Paes diz para Lula: "Agora da próxima vez você para com essa vida de pobre, com essa alma de pobre comprando esses barcos de m...., sitiozinho vagabundo”. Lula ri, e Paes continua: “O senhor tem uma alma de pobre. Eu, todo mundo fala aqui no meio, imagina se fosse aqui no Rio esse sítio dele. Não é em Petrópolis, não é em Itaipava, é como se fosse em Maricá”. Lula segue rindo.

O diálogo entre os dois foi interpretado tanto pela opinião pública quanto para os investigadores do caso que Lula realmente admitia ser o verdadeiro dono do sítio em Atibaia, que teria sido reformado por empreiteiras como forma de pagamento de propina.

O prefeito Eduardo Paes declarou que a conversa tinha sido completamente informal e chamou as brincadeiras que fez como "de mau gosto".

 “Só use em caso de necessidade” 

Jorge Messias tem 45 anos. Dada a regra atual, pode ficar por 30 anos no cargo de ministro do Supremo. Membro da Igreja Batista, Messias chegou trazido pelo apoio de bispos evangélicos no Palácio do Planalto, mesmo a contragosto da bancada evangélica no Congresso. 

O papel que Messias levou para Lula não fez muita diferença. A permanência da presidente no poder ficou insustentável, assim como a nomeação de Lula para o ministério. Mas o papel que Messias carrega agora é outro.

Seu visto aos Estados Unidos já está cancelado desde setembro deste ano, ele já deu “tchau, querida” para os passeios à Disney. O que realmente importa a “Bessias” é que na política brasileira, os papéis podem mudar de mão — mas os bastidores continuam os mesmos. 

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