
Ouça este conteúdo
O Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou nesta sexta (7), por unanimidade, os embargos de declaração de Bolsonaro e dos demais réus da chamada trama golpista. Após a saída do ministro Luiz Fux para a Segunda Turma, os quatro votos contrários a Bolsonaro já eram esperados. Mas, mais importante do que o resultado deste recurso, que já era previsível, é entender o que acontece daqui para frente.
Os embargos de declaração são um recurso em que a parte do processo (Ministério Público ou réu) pede ao juiz que esclareça eventuais omissões, contradições ou obscuridades na decisão. Tradicionalmente, não servem para reverter decisões judiciais — portanto, ninguém, de fato, esperava que os embargos de Bolsonaro revertessem o resultado do julgamento da Primeira Turma, especialmente agora, com a saída do ministro Fux para a Segunda Turma. A votação final de 4x0 contra Bolsonaro já era, portanto, esperada.
No contexto deste julgamento, a análise dos embargos no Supremo não foi nada mais, nada menos, do que o último carimbo dos ministros antes da decretação da prisão definitiva de Bolsonaro. Como o próprio STF decidiu que a prisão só pode ocorrer após o trânsito em julgado — ou seja, depois de esgotado o último recurso —, Moraes e seus aliados fazem o que podem para acelerar o processo e prender Bolsonaro de vez.
Prova disso é a notícia divulgada pelo portal Metrópoles, segundo a qual a chefe de gabinete de Moraes visitou celas no presídio da Papuda, no Distrito Federal, para levar ao ministro um verdadeiro cardápio de opções. Moraes teria escolhido a cela com ar-condicionado, televisão e paredes brancas — muito generosamente, é claro. Não é absurdo que o juiz do caso já tenha decidido em qual cela o réu ficará, mesmo com o processo e os recursos ainda pendentes de julgamento?
Como o próprio STF decidiu que a prisão só pode ocorrer após o trânsito em julgado, Moraes e seus aliados fazem o que podem para acelerar o processo e prender Bolsonaro de vez
Aparentemente, não há nada de errado — dada a naturalidade com que a notícia é tratada na imprensa, sem qualquer crítica ao ministro, que não esconde considerar os recursos de Bolsonaro e o devido processo legal irrelevantes. Afinal, se Moraes já escolheu a cela em que Bolsonaro vai ficar, é porque não há chance real de sucesso nos recursos. Se, em um julgamento, o réu não pode ser absolvido independentemente do que faça, mostre ou prove, então não é justiça — é justiçamento; não é julgamento — é farsa, teatro jurídico e caça às bruxas.
A situação fica ainda pior quando lembramos que, depois do julgamento dos embargos de declaração, abre-se novo prazo para Bolsonaro recorrer — desta vez com os chamados embargos infringentes, recurso cabível quando há divergência a favor do réu. A divergência existe e está muito bem fundamentada no voto do ministro Fux. Só que aqui entra uma discussão jurídica sobre o cabimento do recurso, que é a única forma de o tribunal assegurar a Bolsonaro o direito ao duplo grau de jurisdição.
A polêmica é a seguinte: julgamentos criminais tradicionalmente eram feitos pelo Plenário do STF, composto por 11 ministros. Nesse contexto, a corte aplicava a regra de que só cabiam embargos infringentes quando havia pelo menos 4 divergências, porque o recurso seria julgado pelos mesmos ministros que deram a decisão original. Afinal, para o recurso ter perspectiva de sucesso, seria necessário convencer pelo menos 6 dos 11 ministros. E para que esse resultado fosse minimamente provável, era razoável exigir a existência de pelo menos 4 votos discordantes. Ainda assim, com quórum completo, seria necessário conquistar ou reverter 2 votos.
Contudo, entre 2014 e 2020, assim como a partir de dezembro de 2023, julgamentos criminais foram conduzidos pelas Turmas, e os embargos infringentes passaram a ser decididos pelo Plenário. Agora, Moraes pretende restringir o cabimento dos embargos para casos em que houver pelo menos duas divergências. A regra não está prevista em lugar nenhum. A lógica que Moraes está aplicando é a seguinte: se para caberem embargos no Plenário são necessárias 4 divergências, então para caber o recurso na Turma são necessárias 2, isto é, a metade do exigido para caber o recurso contra a decisão do Plenário.
Contudo, aqui, a matemática não faz sentido. Isso porque, mesmo se houver uma única divergência na Turma, a opinião preponderante dos outros 4 vencedores pode ser facilmente revertida caso os outros 6 ministros do Plenário discordarem dos primeiros no novo julgamento. Além disso, o cabimento do recurso é a única forma de obedecer à regra do duplo grau de jurisdição, que assegura ao réu o direito de recorrer para que seu caso seja julgado por outro tribunal ou por uma turma diferente de juízes.
A regra do duplo grau é de observância necessária no Brasil, que assinou o Pacto de San José da Costa Rica. Contudo, como há apenas a divergência de Fux, Moraes provavelmente atropelará o devido processo legal mais uma vez para negar a Bolsonaro essa oportunidade de recurso. Outro problema é que isso coloca Bolsonaro e os demais réus da chamada “ação do golpe” em um estado de subcidadania em relação aos demais brasileiros que não são julgados diretamente no STF e têm preservado seu direito ao duplo grau de jurisdição.
Isso acirra as consequências de Bolsonaro ser julgado no STF mesmo sem ter foro privilegiado, como observou Fux. Fica parecendo que o que Moraes e seus aliados no Supremo mais querem é carimbar o processo de Bolsonaro e mandá-lo para o arquivo, junto com uma passagem só de ida para a Papuda para ele e os demais réus. Observar direitos constitucionais, preceitos legais e o devido processo atrapalha tudo isso. Por isso, os ministros fazem vista grossa e fingem que está tudo ocorrendo dentro da mais perfeita institucionalidade e da mais tranquila democracia.
