O ex-presidente Jair Bolsonaro. (Foto: EFE/Andre Borges)

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Hoje, o Brasil amanheceu com um choque que nenhum país livre deveria tolerar: a prisão ilegal do ex-presidente Jair Bolsonaro, decretada por um de seus desafetos políticos. Foi uma prisão realizada na calada da madrugada, baseada em justificativas frágeis, tortuosas e, no limite, fabricadas. Uma prisão que não apenas desafia o bom senso jurídico, mas que marca um ponto de ruptura na nossa democracia. E, dentre todos os absurdos, um se destaca pela maior gravidade: o fato de o Estado brasileiro ver um juiz utilizar a convocação para uma vigília de oração como argumento para encarcerar um cidadão. Orar em grupo virou motivo para prisão preventiva. Cruzou-se uma linha que jamais deveria ser ultrapassada.

Antes de avançarmos para os motivos da prisão provisória decretada por Alexandre de Moraes a Jair Bolsonaro, é essencial lembrar que a própria reclusão domiciliar do ex-presidente já era um escândalo. Preso em casa em virtude da acusação inicial do Ministério Público de que Eduardo Bolsonaro tramava com o pai contra a soberania nacional, Jair Bolsonaro acabou não sendo denunciado no caso pelo Procurador-Geral da República, Paulo Gonet. Mesmo assim, Alexandre de Moraes decidiu por mantê-lo preso sem qualquer base legal ou constitucional.

Nesta manhã de sábado, curiosamente dia vinte e dois de novembro, Jair Bolsonaro foi buscado em sua casa logo após o nascer do sol. A primeira mentira a fundamentar a decisão de Moraes, repetida para tentar dar aparência de normalidade ao inaceitável, foi a de que uma suposta tentativa de violação da tornozeleira eletrônica — também colocada, aliás, ilegalmente em Jair Bolsonaro — teria sido uma das motivações para a conversão da medida cautelar anterior em prisão provisória.

Os documentos falam por si: o pedido de prisão feito pela Polícia Federal é de 21 de novembro. A alegação de violação da tornozeleira é de 22 de novembro, às 00h08. Ou seja: o pedido veio antes do suposto fato. É impossível que uma violação de tornozeleira tenha motivado aquilo que já estava decidido. A inversão cronológica revela o que esta prisão realmente é: uma decisão política à procura de um pretexto. Além disso, a mera violação de uma tornozeleira eletrônica nunca é suficiente para o envio à cadeia. Antes, é preciso dar prazo à manifestação da defesa e é preciso verificar se haveria possibilidade de fuga — o que, claramente, não se configurava, pois Bolsonaro é o único preso domiciliar no Brasil vigiado 24h por dia nas ruas da frente e de trás de sua casa.

Já quando o pretexto para a prisão não existe, fabrica-se um. Foi assim que chegamos ao ponto mais alarmante da história: transformou-se uma vigília de oração em ameaça à ordem pública. O país que garante, no artigo 5º da Constituição, a liberdade de culto, de reunião e de manifestação pacífica, vê agora essas mesmas liberdades usadas como justificativa para encarcerar um adversário político.

A criatividade e a ânsia por punir são tamanhas que até a convocação feita a um grupo de brasileiros para orar em frente ao condomínio virou “fato novo” e criminoso, ainda que manifestações semelhantes já tenham acontecido inúmeras vezes, sem que ninguém jamais ousasse chamá-las de risco democrático. É o tipo de arbitrariedade que se vê em regimes autoritários, onde a fé é policiada, as orações são monitoradas e qualquer expressão religiosa que escape ao controle estatal é tratada como perigo.

Não se trata, portanto, apenas de um ataque a Bolsonaro. É um ataque frontal à liberdade religiosa no Brasil. É o Estado dizendo a milhões de brasileiros que, se a reunião for para rezar — e rezar pela pessoa errada aos olhos de quem tem poder —, isso poderá ser usado contra a própria pessoa por quem se busca interceder em oração, bem como a todos que participarem de tal ato de fé. É um aviso implícito, covarde, mas alto o suficiente para todos ouvirem: a fé agora também é vigiada; o culto, condicionado; a oração, potencialmente criminalizada. Não há democracia onde a liberdade religiosa é tratada como ato suspeito, potencialmente criminoso.

A criatividade e a ânsia por punir são tamanhas que até a convocação feita a um grupo de brasileiros para orar em frente ao condomínio virou “fato novo” e criminoso

A decisão judicial que fundamentou a prisão não se sustenta nem no tempo, nem nos fatos, nem na técnica processual. Apesar de claramente premeditada, foi uma decisão apressada, atípica e permeada de elementos estranhos ao caso, que reforça aquilo que muitos ainda fingem não ver: estamos diante de uma ação de natureza política, motivada não pela lei, mas pela conveniência. E decisões políticas travestidas de jurídicas são sempre perigosas, sobretudo quando servem para silenciar, intimidar e punir adversários.

É por isso que este momento exige união. A direita precisa estar unida, mas não apenas a direita: todas as pessoas honestas, trabalhadoras e cumpridoras da lei; todos aqueles que ainda acreditam que a Constituição deve valer para todos; todos que compreendem o risco à toda a sociedade de permitir que o Estado avance sobre liberdades individuais fundamentais. Não há mais espaço para disputas pequenas, ressentimentos pessoais, projetos eleitorais mesquinhos ou brigas internas. Nada disso importa diante do que está em jogo. Nenhuma eleição futura será verdadeiramente livre se aceitarmos que um ex-presidente possa ser preso por causa de uma vigília de oração ou por qualquer fundamentação frágil e ilegal.

E é preciso dizer, sem rodeios: se Bolsonaro, que mobiliza milhões nas ruas, for preso sem reação da sociedade, o caminho estará livre para prender muitos outros. Para perseguir e cassar ainda mais mandatos de quem incomoda. Para tornar candidaturas ao Senado inelegíveis sem que haja motivação justa. Para silenciar jornalistas, pastores, ativistas, influenciadores. Para transformar qualquer brasileiro crítico ao governo em alvo. Hoje é Bolsonaro. Amanhã pode ser qualquer um, inclusive você — pois eu, eu já sofro também os efeitos da perseguição de Lula e de Moraes contra mim.

O Brasil precisa acordar. E precisa acordar agora. Não se trata de defender uma pessoa — trata-se de defender a liberdade de todos. Se aceitarmos, calados, que orar seja usado como pretexto para prender um líder político, aceitaremos qualquer coisa. A madrugada de hoje não pode se repetir. A Constituição precisa voltar a valer. E a sociedade e seus representantes no Congresso Nacional precisam reagir energicamente antes que seja tarde demais, porque tarde, já é.