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A sucessão de episódios envolvendo o Supremo Tribunal Federal (STF), o Palácio do Planalto e o Congresso nas últimas semanas evidenciou o aprofundamento da crise institucional brasileira. Decisões judiciais controversas, disputas políticas abertas e investigações criminais com autoridades se sobrepuseram, ampliando a tensão entre os três Poderes.
O episódio mais sensível ocorreu em 3 de dezembro, quando o ministro Gilmar Mendes, do STF, editou liminar que alterou, de forma monocrática, as regras para pedidos de impeachment de ministros da Corte. A decisão restringiu a legitimidade de denúncias à Procuradoria-Geral da República (PGR) e esvaziou prerrogativas do Senado e de cidadãos.
A reação foi imediata. Parlamentares de diferentes espectros ideológicos acusaram o ministro de usurpar competências do Legislativo e de tentar blindar a Corte diante de pressões políticas crescentes. A liminar passou a ser tratada, nos bastidores, como um fator inesperado de agravamento do conflito institucional. Diante da pressão, Gilmar mudou a parte que dava à Procuradoria-Geral da República a exclusividade de pedir impeachment de ministros.
O cenário se tornou ainda mais tenso com o impasse em torno da indicação de Jorge Messias ao STF, advogado-geral da União e aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e com os desdobramentos do escândalo do Banco Master.
Para analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a convergência desses fatores indica que a crise entre os Poderes não só persistirá, como deve contaminar o calendário político de 2026.
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Para o cientista político Luiz Felipe D’Ávila, a crise atual tem raízes profundas. “Trata-se de uma crise institucional, política e moral, causada por autoridades que desonram a Constituição e o Estado de Direito”, afirma. Segundo ele, o ativismo judicial e as reações defensivas do Legislativo alimentam uma espiral de desconfiança mútua.
A decisão de Gilmar Mendes acabou parcialmente revertida uma semana depois, após forte pressão pública e articulações com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Mesmo assim, a oposição sustenta que o movimento revelou uma tentativa clara de antecipar blindagens diante da possibilidade da eleição de um Senado de maioria conservadora a partir de 2027.
O mal-estar se ampliou quando Alcolumbre barrou, informalmente, a indicação de Jorge Messias ao STF. Embora escolhido por Lula, o nome nunca foi oficializado, diante do risco concreto de derrota no plenário após a sabatina. A resistência expôs fissuras na relação entre Palácio do Planalto e presidente do Senado, antes marcada por cooperação.
A frustração com a indicação interrompeu a dinâmica de alinhamento que vinha permitindo ao governo avançar em pautas estratégicas e destravar sabatinas. Nos bastidores, aliados admitem que o episódio marcou um ponto de inflexão na relação entre Lula e Alcolumbre, com reflexos diretos sobre a governabilidade. Já em relação ao STF, o presidente do Senado costura a pacificação por meio de nova Lei de Impeachment.
Para o analista Antônio Flávio Testa, o Senado tende a protagonizar apenas uma “coreografia institucional”. “Gilmar já sinalizou o desfecho que deseja, e Alcolumbre conduzirá o processo dentro do que o STF aceitar”, diz. Para ele, debates sobre impeachment e anistia já perderam substância.
Para Elton Gomes, professor de Ciência Política da UFPI, os episódios recentes reforçam uma queda de braço permanente entre os Poderes. “O recuo de Gilmar deve ser lido como trégua forçada, após uma tentativa de usurpação das competências do Legislativo”, avalia.
Queda de braço entre Moraes e Câmara levou à renúncia de Zambelli ao mandato
No desenrolar da crise institucional envolvendo Judiciário e Legislativo também ocorreu o impasse em torno da ex-deputada Carla Zambelli (PL-SP). O ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou no último dia 11 a perda imediata de seu mandato em razão de condenação criminal, anulando a votação da Câmara no dia anterior, que havia rejeitado a cassação.
A Primeira Turma do STF confirmou por unanimidade a determinação de perda do mandato no dia 12, reforçando o entendimento de que a perda do cargo após condenação é automática, cabendo à Câmara só declarar vacância. A cassação foi colocada em votação pelo presidente Hugo Motta (Republicanos-PB) no último dia 11 e rejeitada pela maioria dos deputados.
Em resposta à sequência de reveses judiciais e para tentar reduzir a tensão institucional, Zambelli comunicou sua renúncia no domingo (14), formalizando a saída antes do cumprimento efetivo da ordem e abrindo caminho para a posse de seu suplente na Casa.
"Ao renunciar antes da conclusão da cassação, Carla Zambelli preserva direitos, amplia possibilidades de defesa e evita os efeitos mais graves de um julgamento claramente politizado, ganhando margem jurídica para buscar liberdade e permanecer na Itália", afirmou o deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), líder do PL na Câmara, na rede social X.
Escândalo bilionário do Master adiciona elemento explosivo à crise institucional
Em paralelo, o escândalo envolvendo o Banco Master adicionou um componente explosivo à crise. Investigações da Polícia Federal (PF) indicam a existência de um esquema de manipulação de decisões judiciais, tráfico de influência e uso de relações pessoais para driblar órgãos de controle, com prejuízo estimado em ao menos R$ 12,2 bilhões.
As apurações alcançam ao menos dois ministros do STF, citados em diálogos e registros de encontros reunidos no inquérito. O caso gerou desconforto interno na Corte e abriu discussões sobre a adoção de um código de conduta, diante do risco de desgaste institucional e críticas inclusive de setores da esquerda.
Durante sessão na semana passada da Comissão Parlamentar de Inquérito do Crime Organizado no Senado, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), relator da CPI, afirmou que a prisão inédita de um ministro de tribunal superior estaria próxima. A declaração foi motivada por episódios e práticas impróprias, como o uso de jatinhos pagos por investigados.
O empresário Daniel Vorcaro, dono do Banco Master, mantinha em seu celular contatos de ministros do STF, parlamentares e autoridades do Executivo. Após a quebra de seus sigilos, a CPMI do INSS recebeu uma lista que inclui três ministros da Corte, cinco senadores, cerca de 20 deputados e um governador.
O consultor empresarial Ismar Becker avalia que o país encerra 2025 à deriva institucional. “A tripartição de poderes perdeu capacidade de coordenação e deu lugar ao conflito permanente, em que cada Poder tenta vetar o outro, corroendo a legitimidade do Estado”, afirma.
Segundo Becker, a crise não se dará por ruptura, mas por desgaste contínuo. “Em meio a esse caos, um ministro do STF pega carona em jatinho de investigado e, logo depois, impõe sigilo total às apurações. É um retrato do esgotamento institucional”, conclui.
Entre os nomes citados está o do ministro Dias Toffoli, relator de investigações envolvendo o banco. Toffoli viajou a Lima em jato particular acompanhado de advogado ligado ao Master e, dias depois, decretou sigilo total do inquérito, além de concentrar em seu gabinete todas as apurações sobre o caso.
Na semana seguinte, o ministro retirou da comissão o acesso aos dados da quebra de sigilos, determinando que o material ficasse sob guarda da presidência do Senado. O presidente da CPI do INSS, senador Carlos Viana (Podemos-MG), classificou a decisão como grave por enfraquecer a investigação e ampliar a desconfiança pública.
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Segundo Gomes, a reação do Congresso desorganizou a lógica interna do STF, cuja atuação passou a ser percebida como a de um ator político. “A Corte tem se comportado como partido, ora governista, ora situacionista, salvando o Executivo de derrotas no Legislativo”, diz.
O professor ressalta, contudo, que o recuo não significa pacificação. O avanço das investigações do caso Master e a recomposição das forças políticas mantêm o cenário instável. “O sistema busca nova acomodação, mas o STF dificilmente retornará ao seu quadrado institucional”, afirma.


