Jovem reza durante Encontro Mundial da Juventude, em Portugal, em 2023: Geração Z interrompeu tendência de secularização.
Jovem reza durante Encontro Mundial da Juventude, em Portugal, em 2023: Geração Z interrompeu tendência de secularização. (Foto: EFE/EPA/PAULO NOVAIS)

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Durante décadas, institutos de pesquisa observaram um movimento contínuo: o cristianismo, especialmente nos Estados Unidos e na Europa, perdia fiéis de forma lenta e constante. Entre sociólogos, a percepção dominante era que o secularismo avançaria sem grandes resistências, empurrado por gerações cada vez mais distantes da experiência religiosa. Mas essa narrativa começou a produzir sinais de desgaste.

Nos EUA, dados recentes indicam uma estabilidade no número de cristãos. É a primeira vez que a curva de queda nos gráficos estatísticos é interrompida. E, em diversas partes do mundo, há registros de crescimento nas adesões ao cristianismo, em especial entre os adolescentes e jovens adultos da chamada Geração Z (jovens nascidos entre meados dos anos 1990 e 2012).

O Pew Research Center — um dos institutos de pesquisa mais respeitados do mundo em religião, política e comportamento social  — publicou neste ano a versão mais recente do Religious Landscape Study (Estudo do Panorama Religioso). De acordo com os dados coletados, 63% dos americanos se declaram cristãos (católicos, protestantes e outras vertentes) — o que indica um aumento em relação ao índice registrado em 2022, que era de 60%. Na verdade, após mais de 20 anos de diminuição constante, o número de autodeclarados cristãos nos EUA se mantém estável (entre 60% e 64%) desde 2020.

A pesquisa considerou a religiosidade por década de nascimento e revelou que, nos últimos 100 anos, a identificação com o cristianismo entre os americanos sempre diminuiu de uma geração para outra. Por exemplo: dos nascidos na década de 1940, 80% se dizem cristãos. Entre os nascidos nos anos 1990, apenas 46% mantêm essa identidade. Mas o estudo revelou que, entre os nascidos nos anos 2000, a identificação se manteve estável, indicando que a tendência de declínio intergeracional no número de cristãos americanos foi interrompida.

Aumento nos batismos na França

A tendência, porém, não se limita aos EUA. Na França, apenas entre os católicos, quase 18 mil pessoas foram batizadas durante a Páscoa, 45% a mais do que em 2024. Dos batizados, 42% são jovens adultos entre 18 e 25 anos. Por lá, párocos têm visto suas igrejas ficarem lotadas durante as missas. De acordo com Catherine Lemoine, delegada nacional para a pastoral do adolescente na França, o entusiasmo dos jovens crentes é contagiante. “Eles não têm mais medo de convidar seus amigos para a missa, uma liberdade paradoxal em uma época em que não se fala mais de Deus”, escreveu ela num artigo do site La Croix.

Em países de tradição cristã, sobretudo entre a Geração Z, cresce a busca por batismo, catequese e envolvimento comunitário. Bélgica e Irlanda, por exemplo, registraram um aumento considerável no número de batismos católicos em 2025. No Reino Unido, pesquisas chamam o aumento da frequência à igreja impulsionado pela Geração Z de “avivamento silencioso”. O coautor do relatório The Quiet Revival ("O Avivamento Silencioso"), Rob Barward-Symmons, explica que a adesão religiosa parece ser encarada como um antídoto, especialmente entre os mais jovens, para problemas de saúde mental, solidão e perda do sentido da vida.

Para David Kinnaman, CEO do Barna Group — uma das principais instituições de pesquisa sobre tendências religiosas, com foco no cristianismo nos EUA —, o aumento do interesse religioso é um dado bastante relevante. “Muitos previram a crescente irrelevância do cristianismo; no entanto, esses dados demonstram que as tendências espirituais têm dinamismo e podem, efetivamente, mudar”, comentou ele na divulgação da pesquisa “O Estado da Igreja 2025”, feita pela organização. Segundo Kinnaman, esse é o sinal “mais claro de uma renovação espiritual em mais de uma década” — e, pela primeira vez, impulsionada pelas gerações mais jovens.

Estudantes participam de culto ao ar livre no campus da Liberty University, nos Estados Unidos.Estudantes participam de culto ao ar livre no campus da Liberty University, nos Estados Unidos. (Foto: Brooke McDuffee/Liberty University)

Possíveis causas

Essa mudança na relação dos jovens com a religiosidade tem chamado a atenção de especialistas, que buscam entender os motivos e os efeitos desse fenômeno social.

Para Allan Novaes, doutor em Ciência da Religião e professor nas faculdades de Teologia e de Comunicação e Inovação do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp), há três fatores que ajudam a entender essa retomada da fé entre os jovens nos últimos anos. O primeiro deles é o isolamento social, que foi acentuado na crise sanitária de Covid-19. “A pandemia intensificou a experiência de solidão que a cultura digital pode proporcionar, de forma que a geração Z procura por conexões reais e vínculos comunitários”, explica Novaes à Gazeta do Povo.

Um segundo fator é a busca por um contraponto a alguns valores da geração anterior — algo que costuma marcar as relações intergeracionais. Cada geração, em maior ou menor grau, tende a se afirmar em contraste com a anterior, seja adotando comportamentos opostos, valorizando o que os pais rejeitaram ou rejeitando o que os pais valorizaram. É parte da construção da identidade social e cultural de um grupo etário. No caso da religião, “muitos dos pais da geração Z se identificaram com o ateísmo, o agnosticismo ou mantiveram uma religiosidade sem filiação religiosa; logo, o interesse crescente dos filhos pela religião é uma forma de contestação e rebeldia invertidas”, explica Novaes. Ao contrário dos anos 1990 e 2000, em que “sair da religião” marcava a busca por liberdade pessoal, agora há jovens para quem “retornar à religião” expressa identidade e diferenciação.

O terceiro fator apontado por ele para o crescimento da religiosidade da Geração Z é o cenário político global. Fenômenos como a polarização política e o crescimento de movimentos conservadores, assim como da extrem- direita, “têm resultado em uma busca por religiosidades mediadas por instituições, pois o cristianismo tem cada vez mais se tornado uma marca da identidade política conservadora”, pontua Novaes.

O Pew Research Center, por exemplo, aponta que a identificação cristã caiu de maneira muito mais acentuada entre progressistas do que entre conservadores. Enquanto desde 2007 a parcela de progressistas que se declaram cristãos despencou 25 pontos percentuais, entre conservadores a queda foi modesta, de apenas sete pontos. Por causa dissso, jovens conservadores têm 45 pontos percentuais a mais de probabilidade de se identificar como cristãos do que seus pares progressistas.

Religião digital

A religiosidade da Geração Z, porém, não deve ser encarada como tendo a mesma forma que a expressão de fé das gerações anteriores. Boa parte da experiência dos adolescentes e jovens adultos de hoje é permeada pelas telas e ambientes on-line.

De acordo com Novaes, a “religiosidade mediada pela cultura e tecnologias digitais” se intensificou especialmente após a pandemia. “Nesse sentido, cada vez mais igrejas precisam dialogar com o universo digital, explorando sua linguagem e seus recursos. Isso gera uma mudança no ecossistema e na dinâmica de poder religioso, de maneira que a autoridade religiosa tradicional perde espaço para a autoridade religiosa digital na figura dos influenciadores”, pondera.

Para muitos, a experiência religiosa surge no próprio ambiente digital. Não se trata apenas de conversas íntimas ou reflexões espirituais. A religião virou um produto cultural digital: vídeos com instruções de “a roupa de verão que agrade primeiro a Deus”, tatuagens marianas em estilo editorial, pastores, missionários, padres e freiras com milhares de seguidores no TikTok — sem contar o fenômeno “Café com Deus Pai”, que virou uma experiência coletiva do público evangélico nas redes sociais e o Jubileu católico deste ano, que incluiu pela primeira vez um encontro de “missionários digitais e influenciadores católicos”.

Esse ambiente híbrido — espiritual, comunitário e estético — faz da religião um lugar onde a experiência coletiva volta a existir. E, para muitos, onde existe algum tipo de estabilidade emocional. “Mais do que tudo, os jovens buscam acolhida e vínculo comunitário concreto. Com a vida social e os vínculos afetivos orientados para e mediados pela cultura digital, as instituições religiosas possuem uma oportunidade de oferecer espaços de socialização e pertencimento”, conclui Novaes.