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Durante décadas, institutos de pesquisa observaram um movimento contínuo: o cristianismo, especialmente nos Estados Unidos e na Europa, perdia fiéis de forma lenta e constante. Entre sociólogos, a percepção dominante era que o secularismo avançaria sem grandes resistências, empurrado por gerações cada vez mais distantes da experiência religiosa. Mas essa narrativa começou a produzir sinais de desgaste.
Nos EUA, dados recentes indicam uma estabilidade no número de cristãos. É a primeira vez que a curva de queda nos gráficos estatísticos é interrompida. E, em diversas partes do mundo, há registros de crescimento nas adesões ao cristianismo, em especial entre os adolescentes e jovens adultos da chamada Geração Z (jovens nascidos entre meados dos anos 1990 e 2012).
O Pew Research Center — um dos institutos de pesquisa mais respeitados do mundo em religião, política e comportamento social — publicou neste ano a versão mais recente do Religious Landscape Study (Estudo do Panorama Religioso). De acordo com os dados coletados, 63% dos americanos se declaram cristãos (católicos, protestantes e outras vertentes) — o que indica um aumento em relação ao índice registrado em 2022, que era de 60%. Na verdade, após mais de 20 anos de diminuição constante, o número de autodeclarados cristãos nos EUA se mantém estável (entre 60% e 64%) desde 2020.
A pesquisa considerou a religiosidade por década de nascimento e revelou que, nos últimos 100 anos, a identificação com o cristianismo entre os americanos sempre diminuiu de uma geração para outra. Por exemplo: dos nascidos na década de 1940, 80% se dizem cristãos. Entre os nascidos nos anos 1990, apenas 46% mantêm essa identidade. Mas o estudo revelou que, entre os nascidos nos anos 2000, a identificação se manteve estável, indicando que a tendência de declínio intergeracional no número de cristãos americanos foi interrompida.
Aumento nos batismos na França
A tendência, porém, não se limita aos EUA. Na França, apenas entre os católicos, quase 18 mil pessoas foram batizadas durante a Páscoa, 45% a mais do que em 2024. Dos batizados, 42% são jovens adultos entre 18 e 25 anos. Por lá, párocos têm visto suas igrejas ficarem lotadas durante as missas. De acordo com Catherine Lemoine, delegada nacional para a pastoral do adolescente na França, o entusiasmo dos jovens crentes é contagiante. “Eles não têm mais medo de convidar seus amigos para a missa, uma liberdade paradoxal em uma época em que não se fala mais de Deus”, escreveu ela num artigo do site La Croix.
Em países de tradição cristã, sobretudo entre a Geração Z, cresce a busca por batismo, catequese e envolvimento comunitário. Bélgica e Irlanda, por exemplo, registraram um aumento considerável no número de batismos católicos em 2025. No Reino Unido, pesquisas chamam o aumento da frequência à igreja impulsionado pela Geração Z de “avivamento silencioso”. O coautor do relatório The Quiet Revival ("O Avivamento Silencioso"), Rob Barward-Symmons, explica que a adesão religiosa parece ser encarada como um antídoto, especialmente entre os mais jovens, para problemas de saúde mental, solidão e perda do sentido da vida.
Para David Kinnaman, CEO do Barna Group — uma das principais instituições de pesquisa sobre tendências religiosas, com foco no cristianismo nos EUA —, o aumento do interesse religioso é um dado bastante relevante. “Muitos previram a crescente irrelevância do cristianismo; no entanto, esses dados demonstram que as tendências espirituais têm dinamismo e podem, efetivamente, mudar”, comentou ele na divulgação da pesquisa “O Estado da Igreja 2025”, feita pela organização. Segundo Kinnaman, esse é o sinal “mais claro de uma renovação espiritual em mais de uma década” — e, pela primeira vez, impulsionada pelas gerações mais jovens.

Possíveis causas
Essa mudança na relação dos jovens com a religiosidade tem chamado a atenção de especialistas, que buscam entender os motivos e os efeitos desse fenômeno social.
Para Allan Novaes, doutor em Ciência da Religião e professor nas faculdades de Teologia e de Comunicação e Inovação do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp), há três fatores que ajudam a entender essa retomada da fé entre os jovens nos últimos anos. O primeiro deles é o isolamento social, que foi acentuado na crise sanitária de Covid-19. “A pandemia intensificou a experiência de solidão que a cultura digital pode proporcionar, de forma que a geração Z procura por conexões reais e vínculos comunitários”, explica Novaes à Gazeta do Povo.
Um segundo fator é a busca por um contraponto a alguns valores da geração anterior — algo que costuma marcar as relações intergeracionais. Cada geração, em maior ou menor grau, tende a se afirmar em contraste com a anterior, seja adotando comportamentos opostos, valorizando o que os pais rejeitaram ou rejeitando o que os pais valorizaram. É parte da construção da identidade social e cultural de um grupo etário. No caso da religião, “muitos dos pais da geração Z se identificaram com o ateísmo, o agnosticismo ou mantiveram uma religiosidade sem filiação religiosa; logo, o interesse crescente dos filhos pela religião é uma forma de contestação e rebeldia invertidas”, explica Novaes. Ao contrário dos anos 1990 e 2000, em que “sair da religião” marcava a busca por liberdade pessoal, agora há jovens para quem “retornar à religião” expressa identidade e diferenciação.
O terceiro fator apontado por ele para o crescimento da religiosidade da Geração Z é o cenário político global. Fenômenos como a polarização política e o crescimento de movimentos conservadores, assim como da extrem- direita, “têm resultado em uma busca por religiosidades mediadas por instituições, pois o cristianismo tem cada vez mais se tornado uma marca da identidade política conservadora”, pontua Novaes.
O Pew Research Center, por exemplo, aponta que a identificação cristã caiu de maneira muito mais acentuada entre progressistas do que entre conservadores. Enquanto desde 2007 a parcela de progressistas que se declaram cristãos despencou 25 pontos percentuais, entre conservadores a queda foi modesta, de apenas sete pontos. Por causa dissso, jovens conservadores têm 45 pontos percentuais a mais de probabilidade de se identificar como cristãos do que seus pares progressistas.
Religião digital
A religiosidade da Geração Z, porém, não deve ser encarada como tendo a mesma forma que a expressão de fé das gerações anteriores. Boa parte da experiência dos adolescentes e jovens adultos de hoje é permeada pelas telas e ambientes on-line.
De acordo com Novaes, a “religiosidade mediada pela cultura e tecnologias digitais” se intensificou especialmente após a pandemia. “Nesse sentido, cada vez mais igrejas precisam dialogar com o universo digital, explorando sua linguagem e seus recursos. Isso gera uma mudança no ecossistema e na dinâmica de poder religioso, de maneira que a autoridade religiosa tradicional perde espaço para a autoridade religiosa digital na figura dos influenciadores”, pondera.
Para muitos, a experiência religiosa surge no próprio ambiente digital. Não se trata apenas de conversas íntimas ou reflexões espirituais. A religião virou um produto cultural digital: vídeos com instruções de “a roupa de verão que agrade primeiro a Deus”, tatuagens marianas em estilo editorial, pastores, missionários, padres e freiras com milhares de seguidores no TikTok — sem contar o fenômeno “Café com Deus Pai”, que virou uma experiência coletiva do público evangélico nas redes sociais e o Jubileu católico deste ano, que incluiu pela primeira vez um encontro de “missionários digitais e influenciadores católicos”.
Esse ambiente híbrido — espiritual, comunitário e estético — faz da religião um lugar onde a experiência coletiva volta a existir. E, para muitos, onde existe algum tipo de estabilidade emocional. “Mais do que tudo, os jovens buscam acolhida e vínculo comunitário concreto. Com a vida social e os vínculos afetivos orientados para e mediados pela cultura digital, as instituições religiosas possuem uma oportunidade de oferecer espaços de socialização e pertencimento”, conclui Novaes.