
A decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), de ordenar por iniciativa própria a realização de uma acareação na investigação que apura suspeitas envolvendo o Banco Master passou a ser alvo de questionamentos no meio jurídico. A informação é do jornal O Estado de S. Paulo.
Especialistas em Direito Penal e Processo Penal avaliam que a medida, adotada sem solicitação da Polícia Federal (PF) ou da Procuradoria-Geral da República (PGR), no início da investigação, pode representar extrapolação das funções judiciais e comprometer a imparcialidade do processo.
Na avaliação de criminalistas, a determinação ocorre em um estágio considerado prematuro da apuração e se aproxima da produção direta de provas pelo magistrado, conduta incompatível com o modelo acusatório adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Para esses juristas, cabe ao juiz fiscalizar a legalidade dos atos investigativos, não conduzi-los.
Toffoli determinou a realização de uma acareação marcada para a próxima terça-feira, 30, envolvendo o presidente do Banco Master, Daniel Vorcaro, o ex-presidente do Banco de Brasília, Paulo Henrique Costa, e o diretor de Fiscalização do Banco Central, Ailton de Aquino Santos. O último é apontado como o integrante da autarquia que demonstrava maior apoio à operação de venda do Master ao BRB, enquanto outro diretor do BC, Renato Dias Gomes, se posicionava de forma contrária à negociação.
Para o jurista Rodrigo Chemim, doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná, a iniciativa do ministro contraria princípios básicos do sistema acusatório. Segundo ele, a atuação judicial não deve incluir a determinação de diligências investigativas ou a condução de acareações. Chemim afirma que esse tipo de postura entra em conflito com a própria jurisprudência consolidada do STF.
O especialista também destaca que a decisão dialoga mal com o entendimento firmado pela própria Corte quando analisou recentemente a constitucionalidade do juiz de garantias. Naquele julgamento, o STF definiu que magistrados não devem assumir funções investigativas, limitando-se a controlar a legalidade da atuação da Polícia e do Ministério Público e a assegurar os direitos dos investigados.
O caso envolve a tentativa de aquisição de parte das ações do Banco Master pelo BRB, proposta apresentada no fim de março e vetada pela cúpula do Banco Central em setembro. Pouco tempo depois, em novembro, o BC decretou a liquidação da instituição financeira e, em conjunto com a Polícia Federal, apontou indícios de fraudes que somariam R$ 12,2 bilhões no sistema financeiro do país.
O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, afirmou na última quinta-feira, 18, que está à disposição do Supremo para prestar esclarecimentos sobre o processo de liquidação do Master. Segundo ele, toda a tramitação da análise foi devidamente documentada e os dados serão encaminhados à Corte. Embora Toffoli já tivesse solicitado a oitiva de investigados e dirigentes do BC, esta é a primeira vez que determina uma acareação no âmbito do caso.
Ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Renato Vieira também considera inadequado o momento escolhido para o procedimento. Ele explica que a acareação é uma medida excepcional, utilizada para confrontar versões conflitantes já formalizadas em depoimentos anteriores, o que, segundo ele, não estaria caracterizado na fase atual da investigação.
Além da iniciativa processual, o grau máximo de sigilo imposto por Toffoli ao inquérito também tem sido alvo de críticas. Para Chemim, o caso possui evidente interesse público e deveria estar sujeito a maior transparência, preservadas apenas informações de natureza estritamente pessoal dos envolvidos.
O professor Thiago Bottino, da Fundação Getulio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro, avalia que, se confirmada a atuação de ofício do ministro na condução da acareação, há risco concreto de comprometimento da imparcialidade futura no julgamento. Para ele, ao assumir protagonismo em atos investigativos, o magistrado pode enfraquecer a separação entre as funções de investigar e julgar.
O caso ganhou ainda mais repercussão após revelações envolvendo o ministro Alexandre de Moraes. Reportagens apontaram que ele teria mantido contatos com o presidente do Banco Central para tratar da operação envolvendo o Banco Master, o que incluiu reuniões e ligações telefônicas. As informações indicam que Moraes buscava interceder em favor da instituição financeira presidida por Vorcaro, posteriormente liquidada pelo BC.
As revelações também citaram um contrato firmado pela esposa do ministro, Viviane Moraes, no valor de R$ 129 milhões, para representar o Banco Master em Brasília, inclusive junto ao Banco Central.
Em nota, Moraes afirmou que os encontros com Galípolo trataram exclusivamente de sanções impostas pelos Estados Unidos com base na Lei Magnitsky e negou ter discutido a venda do banco ou realizado ligações sobre o tema. O Banco Central confirmou que o assunto tratado foi o regime de sanções, sem mencionar a operação envolvendo o Master.