Reunião Reunião com governadores sobre o Marco Legal do Combate ao Crime Organizado. presidente Hugo Motta com governadores sobre o Marco Legal do Combate ao Crime Organizado. (Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados)

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O endurecimento no combate ao crime organizado se consolidou na agenda dos governadores de direita Romeu Zema (Novo-MG), Ronaldo Caiado (União-GO), Jorginho Mello (PL-SC) e da vice-governadora Celina Leão (PP-DF). Eles fizeram um pacto nacional pela segurança pública que vai além do projeto conhecido como “PL Antifacção”, relatado pelo deputado Capitão Derrite (PL-SP), que é a principal iniciativa sobre o tema em debate no Congresso Nacional.

O pacto revela um alinhamento de esforços para defender a autonomia dos estados frente ao governo federal, mas também é uma forma dos governadores favorecerem suas futuras candidaturas mantendo o debate sobre segurança como um dos pontos principais da campanha eleitoral de 2026.

Um encontro na quarta-feira (12) em Brasília, que reuniu governadores e parlamentares, expôs a estratégia: unificar o discurso sobre segurança como um contraponto direto à gestão Lula. O movimento defende maior protagonismo dos estados, interoperabilidade entre forças policiais e penas mais duras para crimes hediondos e de facções. Nos bastidores, interlocutores avaliam que o tema deve ser central nas campanhas à reeleição e às futuras disputas presidenciais, tornando-se uma marca política da direita governista.

Zema e Caiado são pré-candidatos à Presidência da República. Jorginho Mello concorrerá à reeleição em Santa Catarina e Celina Leão mira o governo do Distrito Federal. O governador do Rio, Cláudio Castro, que deve concorrer ao Senado e teve uma alta de popularidade ao realizar uma megaoperação contra o Comando Vermelho, no último dia 28, também aposta na agenda da segurança mas não participou do pacto.

Mesmo sem integrar formalmente a assinatura do pacto, Castro reafirmou o alinhamento com os objetivos centrais: “A segurança pública se faz com integração — federal, estadual e municipal — não adianta atribuir à responsabilidade de um só ente”, declarou ele, ao comentar a necessidade de “retomar territórios sob controle de organizações criminosas”, após resolução do Supremo Tribunal Federal que ampliou poderes operacionais das forças estaduais.

Já Tarcísio de Freitas, de São Paulo, que também não é parte do pacto, defendeu publicamente que “não haverá lugar em São Paulo que a polícia não entra”, deixando clara sua aposta em presença estatal e ação ostensiva.  Ele ainda alertou que a segurança pública “não pode ficar restrita à PEC” e defende um conjunto de medidas complementares — como integração, fortalecimento de investigação e enfrentamento à lavagem de dinheiro — além de mudanças constitucionais.

Pesquisas desta semana mostraram que a popularidade de Lula recuou após uma declaração de apoio a traficantes de drogas. Segundo pesquisa da Quaest com 2004 entrevistados ouvidos entre 6 e 9 de novembro, 50% dos brasileiros desaprovam sua gestão e a vantagem que tinha sobre outros pré-candidatos diminuiu. O levantamento foi realizado em 120 municípios e tem margem de erro de 2 pontos percentuais para mais ou para menos, com nível de confiança de 95%.

Os governadores afirmaram que o pacto pela segurança busca resultados práticos, não apenas retórica eleitoral. A convergência entre eles foi vista como um recado ao Planalto: a segurança pública — historicamente tratada como pauta estadual — deve permanecer fora de tentativas de centralização federal como vem sendo proposta na PEC da Segurança Pública.

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema, enfatizou a necessidade de equiparar as facções ao terrorismo e destacou que o enfrentamento ao crime tem avançado por iniciativa da direita. “Se dependesse da esquerda, esse movimento não aconteceria. Todo avanço é bem-vindo — que seja o primeiro passo de muitos. Precisamos de um Brasil onde a criminalidade tenha dificuldades, não facilidades”, ressaltou.

Já o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, reforçou a necessidade de endurecer o controle sobre os presídios e criticou a dependência de decisões judiciais para a fiscalização ambiental e de audiências entre presos e advogados.

“Nós temos que entender uma coisa: ou você tem controle, ou não quebra a coluna vertebral da facção”, afirmou Caiado.

Em seguida, o governador de Goiás enfatizou: "se eu ganhar a Presidência, vou aprovar a anistia no primeiro dia e, no segundo, o terrorismo. Esse é o caminho. Precisamos enfrentar de verdade o crime organizado, com coragem para mudar a legislação e devolver autoridade ao Estado”.

Parlamentares alinhados ao grupo, como o líder do Novo, Marcel van Hattem, também reforçaram o coro em defesa da equiparação das facções criminosas ao terrorismo, ponto que o governo federal tenta evitar por considerar politicamente sensível. O relator Derrite, por sua vez, recuou dessa equiparação no texto atual, optando por ampliar as penas e a integração das inteligências policiais. Ainda assim, o tema deve voltar à pauta em novo projeto.

Formalização do Pacto pela segurança pública

O evento onde o pacto pela segurança foi criado foi promovido pela Frente Parlamentar do Livre Mercado. O documento descreve uma proposta “estruturante e consistente” de combate ao crime organizado baseada principalmente na aprovação de novas leis.

O pacote legislativo - defendido pela Frente e políticos da direita - inclui três projetos de lei em tramitação:

  • PL 2646/2025 (Pacote Brasil Mais Seguro): facilita o confisco de bens de organizações criminosas, endurece penas e cria o crime de controle territorial por facções;
  • PLP 125/2022: define critérios rigorosos contra o devedor contumaz e prevê geração de até R$ 30 bilhões por ano com combate à sonegação;
  • PL 5582/2025 (PL Antifacção): tipifica o crime de “domínio social estruturado”, com penas de 20 a 40 anos, e determina prisão em regime de segurança máxima para líderes de facções.

O texto, assinado por Caiado, Zema, Jorginho Mello e Celina Leão, defende a aprovação urgente do Projeto de Lei 2646/2025 – Brasil Mais Seguro e cobra do Congresso “sinergia entre União, estados, municípios, governo e oposição” no enfrentamento às facções.

De acordo com dados apresentados no evento, promovido pela Frente Parlamentar do Livre Mercado, o crime organizado custa R$ 453,5 bilhões por ano ao Brasil, o equivalente ao PIB de Santa Catarina, e já consome quase 6% do PIB nacional em custos diretos e indiretos.

O pacto também critica a morosidade na tramitação do PLP 125/2022, que aperfeiçoa o tratamento do devedor contumaz e o combate à lavagem de dinheiro ligada ao crime organizado. “Os estados não podem permanecer arcando sozinhos com os custos da violência enquanto o crime avança sobre fronteiras, arrecadações e economias locais”, diz o texto.

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Segurança como bandeira eleitoral em 2026

Em meio a esse reposicionamento, a pauta da segurança se transforma em ativo eleitoral e ideológico, capaz de unir governadores que, apesar de diferenças regionais, compartilham um discurso de eficiência, autoridade e autonomia estadual. Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo avaliam que o movimento consolida a tentativa de nacionalizar um eixo alternativo de poder frente ao governo Lula, com base em resultados e autonomia estadual.

Para o analista político Alexandre Bandeira, a segurança pública tende a ganhar força como bandeira eleitoral, mas dificilmente será o tema central de 2026.

“A segurança pública pode definir um conjunto de votos e reforçar o discurso de polarização, mas as pautas econômicas — emprego, renda, preços e inflação — continuarão sendo determinantes para o eleitorado”, avalia.

Bandeira destaca que a recente megaoperação no Rio de Janeiro reacendeu a disputa de narrativas entre governo e oposição. “Enquanto o presidente Lula condenou a operação, governadores de oposição se uniram para defender o governador Cláudio Castro e articular uma frente coordenada no tema da segurança pública”, observou.

Segundo o analista, esse grupo tenta esvaziar o texto original da PEC da Segurança, por considerá-lo centralizador, e simultaneamente aprovar trechos do PL Antifacção que reforcem o papel dos estados no combate ao crime.

“Essa pauta vai se manter viva se houver novos episódios de grande repercussão, como operações policiais ou investigações financeiras contra o crime organizado. É um tema que ganha fôlego com o noticiário, mas ainda depende de contexto”, conclui Bandeira.

Já o cientista político João Henrique Martins, consultor e pesquisador de políticas criminais, avalia que a segurança vai “dar o tom” nas eleições de 2026. No entanto, ele ressaltou que "faltam ainda lideranças políticas que tenham clareza do que precisa ser feito". Para ele, as medidas defendidas pelos governadores da direita são “sensatas” e refletem um esforço de integração de projetos que podem se complementar — o PL 5582/2025 (Antifacção) e o PL 2646/2025 (Brasil Mais Seguro).

Martins argumenta que o ponto central da crise da segurança é o colapso do efeito dissuasório da pena de prisão.

“Hoje o criminoso não teme a punição. Pode ser investigado em 30 dias, em vez de seis meses, mas continuará cumprindo só um ano e meio de pena por um crime que deveria render dez. Sem o efeito dissuasório da prisão, nenhuma integração ou cooperação institucional vai funcionar”, disse.

Ele também apontou um vácuo de liderança nacional no tema. Segundo o cientista político, o governo federal “tem dificuldade de enfrentar o debate por motivos ideológicos”, enquanto a direita “ainda não apresentou um marco consistente de reforma penal”.

“O garantismo penal radical impõe limites às ações do Estado. O programa Pena Justa é um exemplo: enquanto se fala em combater facções, o governo propõe suavizar a execução das penas. E, do outro lado, a direita ainda carece de um projeto coeso para reformar o sistema”, concluiu.

PEC da Segurança está no radar dos governadores

A PEC da Segurança Pública, relatada pelo deputado Mendonça Filho (União Brasil-PE), também entrou no radar dos governadores como parte desse esforço conjunto. Ele deu sinais que deve fazer alterações na PEC ao criticar a centralização das ações no governo federal, afirmando que a política de segurança “nunca será eficaz se for centralizada em Brasília”. Para ele, a autonomia dos estados deve ser preservada, com fortalecimento das capacidades operacionais locais.

“O texto, que é cosmético, tem o mérito da iniciativa, mas não mexe nas estruturas. Pelo contrário, interferia na autonomia dos estados. Não há nenhum país continental no mundo com política de segurança centralizada a nível federal”, afirmou Mendonça Filho.

Segundo o relator, o texto final será apresentado no dia 4 de dezembro. A proposta - elaborada pelo governo do presidente Lula - é bastante criticada pelos governadores pelo risco que cria sobre nas competências estaduais e municipais e também pelas mudanças no comando de forças de segurança, o que pode gerar conflito federativo.

O deputado adiantou que pretende incorporar à PEC o conceito de progressão zero para crimes hediondos, elevando o rigor das punições — mesmo que isso exija mudança constitucional. “Se é inconstitucional, se coloca na Constituição e se resolve definitivamente esse parâmetro”, disse.

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